Mineração tem impactos econômicos e sociais
21/07/09
O conhecimento sobre a disponibilidade desses recursos é escasso, assim como a exploração dos mesmos, se considerarmos o tamanho total da chamada litosfera, a camada do globo terrestre composta de rochas. No entanto, um planejamento para a exploração é tão necessário quanto aos diretamente relacionados à hidrosfera (água) e à atmosfera (gases). Além de estarem relacionados ao meio ambiente como um todo, também possuem uma dimensão social e econômica.
Segundo o geólogo Celso Ferraz, ex-diretor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma comparação é bastante ilustrativa para indicar a proporção da litosfera e da atividade direta do homem sobre ela: “Se o planeta Terra fosse reduzido ao tamanho de uma bola de futebol, a mina mais profunda já construída seria equivalente a uma pequena rasura no couro da bola, praticamente imperceptível a olho nu”, afirma. No entanto, ele complementa que a relevância dos recursos minerais no dia-a-dia do ser-humano é incalculável: “Para se ter uma idéia, dos 105 elementos químicos conhecidos, dos quais a grande maioria é produzida pela mineração, só um chip de computador tem 60 deles. Os recursos minerais estão associados a todos os eletrodomésticos, aos meios de transporte, e à grande maioria dos utensílios que usamos”, afirma. Desse modo, estão também na maioria dos processos extrativos e industriais atuais.
Mas as consequências dessa atividade não são poucas. Para o biogeógrafo norte-americano Jared Diamond, os recursos minerais estão associados a três dos doze graves problemas ambientais com os quais o planeta convive na atualidade (veja resenha do livro Colapso de Jared Diamond) : o despejo de produtos químicos no meio ambiente, entre os quais estão os rejeitos de mineradoras; a dependência de combustíveis fósseis; e o esgotamento de recursos hídricos.
Com relação aos rejeitos de mineradoras, Celso Ferraz diz que eles têm um impacto pequeno em relação a outros existentes: “os rejeitos de mineradoras e de usinas metalúrgicas são, proporcionalmente, bem inferiores do que os rejeitos de outras indústrias e resíduos urbanos”, afirma. O problema estaria, segundo o geólogo, na mineração ilegal, como no caso do garimpo do ouro, que lança resíduos de mercúrio no meio ambiente. Outro problema estaria em um “passivo ambiental”, ou seja, uma poluição gerada pela atividade mineradora de grandes empresas quando inexistia uma legislação reguladora, o que ainda precisa ser aferido detalhadamente. Atualmente, o problema está sendo administrado, até porque a legislação obriga: “Uma mineração que se inicia hoje tem que ter um impacto ambiental negativo 60% a 70% menor que uma mineração que começou a operar há 20 anos atrás”, afirma Ferraz. Casos em que é diagnosticado um “saldo ambiental negativo elevado”, ou seja, que gera danos elevados ao meio ambiente, só são autorizados mediante medidas mitigadoras e compensatórias que garantam uma efetiva melhora das condições ambientais.
Mas uma legislação rígida pode não ser suficiente, segundo um relátório preparado pelo pesquisador Carlos Eugênio Gomes Farias, no final de 2002, para o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O documento, considerado uma referência em termos de dados consolidados sobre o setor, menciona que o perfil do setor mineral brasileiro é composto por 95% de pequenas e médias minerações. Entre as pequenas minerações, o cálculo do número de empreendimentos é considerado “uma empreitada complexa devido ao grande número de empresas que produzem na informalidade, aliada às paralisações frequentes das atividades, que distorcem as estatísticas” (p. 3). Desse modo, a superação dos problemas dos dejetos passa também por um maior controle dessas atividades, cuja parcela significativa está na informalidade.
Além disso, o relatório também aponta problemas na legislação que regula a exploração dos recursos minerais: “os mineradores e especialistas entrevistados apontam que a legislação ambiental é extensa e avançada, porém conflitante, criando dificuldade para sua aplicação” (p. 20) . Entre os fatores que comprometem a sua aplicabilidade, estão os conflitos com a legislação mineral, de 1967; o aumento desnecessário de restrições do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama); a carência de estrutura e aparelhamento de determinados órgãos de fiscalização envolvidos; a atuação conflitante de alguns órgãos municipais, estaduais e federais; e a atuação do Ministério Público, que tem emitido pareceres sem embasamento técnico e conflitantes com os órgãos de meio ambiente. Sendo assim, segundo o relatório, o setor minerador acaba prejudicado: “O grande minerador, que em geral dispõe de corpo técnico e de recursos financeiros, apesar de alguns atropelos e atrasos, tem conseguido administrar esses conflitos. Com relação ao pequeno minerador resta, na maioria dos casos, o descumprimento da legislação” (p. 21)
No que diz respeito aos combustíveis fósseis, Celso Ferraz concorda com a gravidade apontada no livro de Jared Diamond: “O uso de combustíveis fósseis para geração de eletricidade, como óleo e carvão, é talvez o problema mais sério de poluição associado aos recursos minerais”, diz. Além de pesquisas tecnológicas para reduzir os efeitos negativos da geração de eletricidade, o pesquisador defende uma solução controversa: o uso da energia nuclear, hoje responsável por 78% da energia produzida na França, 31% da Alemanha, 29% do Japão e 19% dos EUA. Quanto à escassez da água, o geólogo concorda que se trata de um grande problema no mundo atual. No entanto, o problema reside não apenas na dificuldade para sua obtenção, mas no acesso reduzido de um grande número de pessoas: “Segundo a Unesco, 1,2 bilhões de pessoas não têm acesso à agua potável hoje no mundo e 2,4 bilhões não dispõem de nenhum tipo de serviço de tratamento de água”, afirma. Desse modo, a exploração dos recursos minerais deve levar em conta também o acesso a esses recursos.
No que diz respeito às atividades de extração, o pesquisador entende que as problemáticas sociais também devem ser consideradas e a legislação já contempla esses aspectos. Hoje já é possível saber com exatidão quando será a exaustão de uma mina antes do início da sua exploração. A autorização para que a mesma ocorra só é dada mediante a apresentação e aprovação de um plano de aproveitamento que, nas suas últimas etapas, estabelece o que será feito após o esgotamento do minério. Estas últimas etapas podem, inclusive, se estender por vários anos.
Tal exigência se explica pelo fato da atividade mineradora gerar um impacto profundo nas regiões onde ocorre. Um exemplo recente é o município de Canaã dos Carajás, que teve sua população aumentanda de aproximadamente 11 mil para mais de 15 mil pessoas em cerca de dois anos (veja notícia sobre Canaã dos Carajás na revista Patrimônio) devido à instalação de uma das unidades da mineradora Vale do Rio Doce. Segundo explica Ferraz, “de maneira simplificada, pode-se dizer que os problemas causados pelo fechamento de uma mina para a região circunvizinha, devido a sua exaustão, podem ser comparados ao fechamento de uma grande fábrica, frigorífico ou de uma grande obra.”. Desse modo, cabe ao poder público e à empresa de mineração, cientes de tal fato, desenvolver um planejamento minimizar os efeitos da redução da atividade econômica, do desemprego gerado, queda da arrecadação de impostos, entre outros.
Neste sentido, Celso Ferraz conclui que a resolução de problemas relacionados à exploração mineral e ao meio ambiente como um todo passa por uma abordagem sistêmica, levando em consideração a relação entre a atroposfera (a esfera das atividades humanas), com as outras esferas terrestres, que são a litosfera (rochas), a hidrosfera (água), a atmosfera (gases) e a biosfera (vida). Para o geólogo, é necessário equacionar dois graves problemas: o crescimento demográfico e o crescimento da urbanização, pensando a sustentabilidade da exploração dos recursos disponíveis.
O relatório preparado por Carlos Eugênio Gomes Farias também vai ao encontro dessas preocupações e do paradigma da sustentabilidade, pensando a especificidade da atividade mineradora e suas contribuições para o desenvolvimento do país. Ele reproduz uma entrevista dada pelo engenheiro Gildo Sá em 2002, então diretor do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), órgão ligado ao Ministério da Ciência e da Tecnologia (MCT): “quanto à relação entre mineração e meio ambiente, julgo imprescindível um permanente entrosamento entre o órgão normalizador da mineração e os órgãos ambientais fiscalizadores. A mineração, diferente de outras atividades industriais, possui rigidez locacional. Só é possível minerar onde existe minério. Esta assertiva, apesar de óbvia, sempre gera polêmicas entre mineradores e ambientalistas. A solução da questão passa por estudos que contemplem os benefícios e problemas gerados pela mineração (…)” (p.12)
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