A conquista do oceano
07/04/08
O governo luta para ampliar as milhas náuticas brasileiras, num esforço que pode render bilhões de barris adicionais de petróleo e muitas outras riquezasDENTRO DE SEIS MESES, UM GIGANTEBRASILEIRO de 1,8 mil toneladas deixará a costa do Rio de Janeiro rumo a alto-mar, para uma região além dos limites nacionais. Tratase do navio hidrográfico Sirius, equipado com um sonar multifeixe, capaz de medir e reconstituir a topografia até sete mil metros abaixo do nível do mar. Esse é o próximo passo da Marinha, que está empenhada em levantar dados para a nova proposta brasileira que será apresentada à Organização das Nações Unidas. O Brasil quer ampliar seu espaço marítimo em 963 mil quilômetros quadrados, o que equivale a cinco vezes o Estado de São Paulo. Isso ocorrerá se, além das 200 milhas náuticas a que tem direito atualmente, o Brasil puder explorar 350 milhas. No momento, a Comissão de Limites da Plataforma Continental, órgão ligado à ONU, responsável pela demarcação da fronteira, vetou 190 mil quilômetros quadrados, divididos no Cone do Amazonas, na projeção do Norte do País, uma parte perto da ilha de Trindade e outra na Margem Continental Sul. No próximo dia 24, o Brasil dará resposta ao veto. Dirá que não aceita 773 mil quilômetros quadrados e apresentará estudos para provar à ONU que o Brasil tem direito ao que lhe foi negado. ?Será a nossa Amazônia Azul?, explica o comandante Alexandre Tagore, presidente da Comissão de Limites da Plataforma Continental. ?Não vamos abrir mão de nenhum centímetro?, disse à DINHEIRO o capitão Carlos Frederico Serafim, subsecretário para o Plano Setorial para os Recursos do Mar.O comandante Serafim não diz, mas fontes do Itamaraty contaram à DINHEIRO que há pressão da Petrobras para que se aprove a contra-proposta. Se fosse aprovada, a empresa poderia ampliar pesquisas na mesma região em que encontrou o gigante Campo de Tupi e o poço de Júpiter, com reservas de 5 a 8 bilhões de barris de petróleo de qualidade e gás natural, o que equivale a pelo menos US$ 500 bilhões. Ocorre que essa descoberta, que tende a colocar o Brasil em um novo patamar na indústria do petróleo e contribuir para a auto-suficiência na produção de gás natural, está colada no final da zona econômica exclusiva brasileira de 200 milhas náuticas. Com a ampliação da plataforma continental, nos termos que a Comissão já aprovou, o Brasil passará a ter exclusividade do subsolo de uma área importantíssima para a Petrobras. Cálculos iniciais mostram que as reservas brasileiras de petróleo e gás devem duplicar. ?Não podemos deixar de manifestar nosso direito em nome de um ganho imediato?, diz um diplomata que prefere não se identificar. ?Não são questões econômicas que vão se sobrepor a um trabalho de duas décadas.?Entre 1987 e 2004, o governo brasileiro, em conjunto com a Petrobras, gastou cerca de R$ 100 milhões para montar o Plano de Levantamento da Plataforma Continental, com um mapeamento científico sobre a área que seria pleiteada. Nesse período, os navios da Marinha percorrem 230 mil quilômetros pela Costa do Brasil e o que descobriram encheu os olhos de muita gente. A região é riquíssima em hidrato de gás ? gás metano aprisionado em células de gelo ? uma importante fonte de energia limpa; nódulos polimetálicos (usados na indústria) e cerca de 20 tipos de recursos minerais. Entre eles, podem ser encontrados ferro, níquel, cobre e a fosforita que possui alto teor de fósforo in natura, usado para fabricar fertilizantes. No caso do fósforo, o déficit da balança comercial brasileira é de US$ 4 bilhões ao ano. Há ainda novas bacias sedimentares, crostas cobaltíferas (ricas em cobalto) e negócios no ramo da pesca de profundidade, como caranguejovermelho, peixe-sapo e abrótea, e uma biodiversidade com potencial econômico e genético incalculável. ?O mar é riquíssimo, mas vivemos de costas para ele?, analisa o geólogo Kaiser Ianosan, chefe da Divisão de Geologia Marinha da Companhia de Recursos Minerais (CPRM). ?O Brasil tem uma riqueza imensa, inexplorável já na sua jurisdição, e essa reserva é estratégica para a economia.?Mas não é só o Brasil que está nesse processo. Também querem ampliar suas plataformas continentais nove países. Os Estados Unidos e a Noruega já formalizaram o pedido. França, Irlanda, Espanha e Reino Unido querem montar território no golfo da Biscaia, no norte do território da Espanha. Austrália e Nova Zelândia já oficializaram o interesse na Antártida. E a Inglaterra estuda ampliar seus domínios nas ilhas britânicas próximas à Antártida. O problema é que os três países são signatários do Tratado da Antártida, que estabelece que qualquer mudança na região só poderá ocorrer a partir de 2048. Até agora, apenas três países tiveram resposta. A Rússia e a Irlanda, que aceitaram a contra- proposta da Comissão. E o Brasil. ?Não temos problemas de fronteiras laterais, como a Rússia tem. Já resolvemos isso com a Guiana Francesa e o Uruguai?, explica o comandante Serafim. ?Por isso não devemos aceitar nenhuma contra-proposta.?Apesar do esforço para se ampliar os limites marítimos, o governo sabe que é preciso investir em um marco regulatório firme para atrair investimentos, inclusive na área de 200 milhas, que é exclusiva do Brasil. ?Nós não molhamos os nossos pés, porque não há segurança jurídica?, afirmou um dos diretores da Vale, em reunião com o governo. ?É necessário buscar um aperfeiçoamento dos instrumentos que existem hoje?, afirma Ricardo Mancin, diretor de Assuntos Ambientais do Instituto Brasileiro de Mineração. ?Porque eles contemplam de forma limitada os desafios que cercam a mineração no mar, especialmente aqueles de ordem ambiental.? Sobre a nova proposta brasileira, como tudo no mundo diplomático, não há previsão para ela ser avaliada. Pode levar de quatro a cinco anos. O que deve ser um motivo para o Brasil investir no que já tem ? e que não é pouco ? com mais pesquisas, regras claras e incentivos.
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