Tecnologia para limpar o carvão já existe, mas quem paga a conta?
15/12/06
The Economist15/12/2006
Duas novas usinas de eletricidade alimentadas a carvão logo surgirão às margens do rio Ohio, se a American Electric Power (AEP), uma companhia de eletricidade, receber sinal verde para seus planos. Não há, evidentemente, nada de incomum nisso: uma empresa concorrente, a TXU, apresentou planos de construção de 11 nova usinas de eletricidade a carvão no Texas neste ano. No total, existem cerca de 150 usinas em fase de projeto em todo os EUA, que obtém 56% de sua energia elétrica do carvão. Mas as duas usinas da AEP são distintas em um aspecto crucial: sua concepção tecnológica tornaria relativamente fácil filtrar o dióxido de carbono contido em suas emissões, caso a companhia venha a ter necessidade de fazê-lo. Essas primeiras usinas geradoras de eletricidade “capture-ready” (prontas para captura de gases), no jargão americano no setor, estão perto de começar a ser construídas.
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O carvão proporciona diversas vantagens como combustível. Ele é abundante. E amplamente distribuído: países com escassez de outros combustíveis fósseis, como a Alemanha e a África do Sul, têm montanhas de carvão. Por isso, ele é barato. Apesar de o preço ter subido nos últimos anos, continua sendo menos dispendioso operar uma usina de eletricidade a carvão do que a quase qualquer outra coisa.
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Mas o carvão é também sujo. Ele libera muita fuligem e diversas substâncias químicas nocivas ao ser queimado. Por isso, deixou de ser usado em muitos países ocidentais. O pior é que as usinas de eletricidade a carvão produzem aproximadamente duas vezes mais dióxido de carbono por unidade de eletricidade gerada do que as que operam com gás natural. A geração de energia elétrica contribui mais para o aquecimento global do que qualquer outra atividade industrial, e o carvão é a parte suja no processo.
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Usinas a carvão são responsáveis por talvez 8 bilhões dos 28 bilhões de toneladas de dióxido de carbono gerados por atividades humanas liberadas a cada ano, e são portanto um alvo preferencial para cortes nas emissões. Se prevalecesse a vontade dos ambientalistas, não haveria nenhuma usina a carvão: protestos recentemente exigiram o fechamento da Drax, a maior usina de eletricidade a carvão britânica.
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Mas o número de usinas a carvão está crescendo. A Agência Internacional de Energia (AIE), um instituto de pesquisas e planejamento instituído por países que são grandes consumidores de energia, estima que o consumo de carvão crescerá 71% entre 2004 e 2030. Os países em desenvolvimento, em especial, dependem do carvão. Dele vêm cerca de três quartos da eletricidade tanto na Índia como na China.
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A solução óbvia é tornar mais limpa a geração baseada no carvão. E é isso o que as companhias de eletricidade vêm fazendo há anos nos países ocidentais para respeitar normas de poluição do ar cada vez mais mais rigorosas. Muitas lavam, literalmente, o carvão para remover algumas de suas impurezas antes de queimá-lo.
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Outras tecnologias concentram-se na purificação da fumaça criada durante a combustão. Pequenas partículas de cinza, por exemplo, são normalmente removidas quando os gases pós-combustão são obrigados a passar entre placas eletricamente carregadas (partículas de cinza têm uma pequena carga elétrica, e são então aprisionadas em uma das placas). Outras filtros e “esfregões” químicos capturam os óxidos de enxofre e de nitrogênio, que do contrário causariam chuvas ácidas.
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A redução das emissões de dióxido de carbono, porém, é outra história. A maioria das companhias de eletricidade ataca o problema indiretamente, tentando melhorar a eficiência de suas usinas, assim extraindo mais eletricidade de cada tonelada de carvão consumido ou de dióxido de carbono produzido. A maioria das companhias interessa-se em implantar essas melhorias, uma vez que assim reduzem seus custos e ampliam os lucros.
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No Reino Unido, assim como na maioria dos países ricos, a eficiência média das usinas de eletricidade a carvão é de aproximadamente 35%. Mas a Mitsui Babcock, empresa de engenharia, diz que seus projetos mais recentes podem alcançar eficiências de até 46%. A companhia estima que a migração de uma tecnologia antiga para outra, nova, permitirá reduzir o consumo e as emissões de combustível em 23%.
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A maioria dos ganhos de eficiência vêm do aumento do calor e da pressão do vapor empregados para fazer girar as turbinas da usina geradora. As mais novas aquecem o vapor a até 600°C – um estado que os físicos denominam “supercrítico”. Mas não há razões para parar aqui. Os engenheiros acreditam que caldeiras mais quentes elevariam ainda mais os rendimentos. Essas “caldeiras ultrasupercríticas”, dizem eles, poderão alcançar eficiências superiores a 50%, reduzindo ainda mais as emissões de gases.
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Usinas elétricas a carvão produzem 1/4 das 25 bilhões de ton de dióxido de carbono liberadas anualmente
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A substituição de uma parte do carvão queimado por biomassa também pode contribuir. Plantas, afinal de contas, voltam a crescer depois de ser colhidas, de modo que queimá-las não contribui para um aumento geral dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera. Ao substituir 20% de seu combustível por biomassa, as usinas de eletricidade podem reduzir suas emissões em 20% adicionais. A operações em nível superior a 20%, diz Lars Stromberg, da Vattenfall, uma companhia européia de eletricidade, faria com que a cinza produzida pela queima “grudasse” nas entranhas da maioria das fornalhas. As emissões também diminuem se a biomassa combustível for usada para pré-aquecer o vapor antes de ele entrar na caldeira. Tudo somado, calcula a Mitsui Babcock, essas medidas poderiam reduzir as emissões das usinas a carvão até o mesmo nível das que consomem gás natural.
O carvão queimado nas usinas de eletricidade também pode ser melhorado, principalmente por secagem. Tipos menos densos de carvão, como o sub-betuminoso e o carvão linhita, podem conter até 50% de água. Quando queimados, a água escapa na forma de vapor pela chaminé, levando consigo um calor precioso. A Evergreen Energy, uma companhia americana, está vendendo carvão tratado a calor e pressão que, segundo ela, é até 33% mais eficiente que o carvão comum.
Essas técnicas são particularmente importantes nos EUA, onde a usinas de eletricidade consomem muito carvão sub-betuminoso da bacia do rio Powder, nos Estados de Wyoming e Montana. O carvão dessa região tem baixo teor de enxofre e, portanto, sua queima é mais limpa, mas tem uma densidade energética relativamente baixa, a menos que seja tratado. Por sua vez, a RWE, uma companhia de eletricidade alemã, está construindo uma usina que usará o calor residual dos próprios gases pós-combustão para secar a linhita antes de queimar o carvão. Isso incrementa a eficiência geral da usina a pouco custo, pois o carvão pode ser tratado sem a necessidade de gerar nenhum calor extra.
Esses técnicas podem reduzir as diversas emissões produzidas pelas usinas de eletricidade a carvão, a ponto de elas serem pelo menos não piores que as usinas alimentadas a gás. Mas também existem tecnologias para tornar o carvão ainda mais limpo, mediante a filtragem do dióxido de carbono dos gases de exaustão e do uso de alguma tecnologia para seu armazenamento. Isso é teoricamente possível, embora caro. Outros poluentes, afinal de contas, são fundamentalmente impurezas que podem ser lavadas do carvão ou filtradas dos gases de exaustão. Mas o dióxido de carbono não é um contaminante – ele é o subproduto inevitável da reação do carbono no carvão com o oxigênio no ar. Juntamente com o nitrogênio, o remanescente inerte do ar, o dióxido de carbono é o principal componente dos gases da exaustão.
Gases, como sabemos, são volumosos e difíceis de armazenar. A maioria dos planos para a armazenagem do dióxido de carbono envolve liqüefazê-lo e bombeá-lo para o subsolo, em campos petrolíferos, de gás ou leitos de carvão esgotados – mediante um processo que consome muita energia e é, portanto, caro. A separação do dióxido de carbono do nitrogênio contidos nos gases de exaustão também é cara, mas necessária, uma vez que o nitrogênio transforma-se em líqüido a uma temperatura muito mais baixa do que o dióxido de carbono e, por isso, exige ainda mais energia para ser liqüefeito.
Além disso, diversamente de modificações que melhoram a eficiência, não há economia resultante da adoção, numa usina de eletricidade, de tecnologia para captura do dióxido de carbono. Por isso, não foi construída nenhuma dessas usinas. Um pequeno número de empresas estão construindo projetos-piloto, enquanto esperam para ver se os governos imporão restrições de longo prazo às emissões de dióxido de carbono.
Outras, especialmente no Reino Unido, afortunado por dispor de tanques naturais para armazenagem em campos esgotados de petróleo e gás no mar do Norte, anunciaram estudos de viabilidade para usinas de carvão limpo. Algumas geradoras de eletricidade, como a AEP, estão planejando a construção de usinas para operação comercial que, inicialmente, não contarão com os equipamentos para captura de carbono, mas projetadas para permitir que a tecnologia de captura seja acrescentada com relativa facilidade em um momento posterior. Todas as companhias de eletricidade estão buscando subsídios governamentais ou incentivos de agências regulamentadoras para pôr em prática esses projetos-piloto, na ausência de alguma lógica comercial mais atraente.
Como funciona a captura do carbono? A maioria das companhias de eletricidade está interessada em uma das três concepções básicas. A mais simples, e mais fácil de ser agregada a usinas existentes, trata o dióxido de carbono como qualquer outro poluente e o extrai dos gases de exaustão. Quando esse gás atravessa uma solução de substâncias químicas denominadas aminas, o dióxido de carbono é absorvido, mas o nitrogênio não. O dióxido de carbono pode ser liberado posteriormente, mediante o aquecimento da solução, para subseqüente liqüefação e armazenagem. Muitas empresas, por exemplo, já usam esse técnica de “esfregão de amina” para remover o dióxido de carbono do gás natural. Mas ela não é tão prática para emprego em larga escala, porque as aminas são caras, e é também dispendioso o processo de aquecê-las para liberar o dióxido de carbono capturado. A energia adicional necessária reduziria a eficiência geral de uma moderníssima usina supercrítica em cerca de 10%, segundo a AIE.
As usinas que usam o oxigênio como combustível contornam as dificuldades da separação do oxigênio e do nitrogênio contidos nos gases de exaustão mediante a queima do carvão em oxigênio puro, em vez de fazê-lo no ar. O gás resultante é quase dióxido de carbono puro. Mas a energia usada para separar o oxigênio do ar antes da queima é quase tão grande quanto a necessária para, posteriormente, excluir o nitrogênio por meio de filtragem, resultando em perda similar de eficiência. Os entusiastas das usinas a combustível oxigênio dizem que as usinas modernas podem ser facilmente retroconvertidas para funcionar como usinas “oxy-fuel” (que usa o oxigênio como combustível).
A terceira abordagem, denominar “ciclo combinado de gaseificação integrada” (IGCC, na sigla em inglês), também exige oxigênio, mas para uso numa reação química, e não para queima. Quando aquecido na presença de oxigênio, o carvão reage formando dióxido de carbono e hidrogênio. Uma solução de amina então absorve o dióxido de carbono, ao passo que o hidrogênio é queimado em uma fornalha modificada. O “esfregão de amina” é mais barato do que o usual, uma vez que a reação gera dióxido de carbono numa forma mais concentrada. Estão ainda em teste membranas que permitiriam a passagem do hidrogênio, mas não a do dióxido de carbono.
Existem quatro usinas piloto IGCC em operação nos EUA e na Europa, embora nenhuma atualmente capture permanentemente o dióxido de carbono; em vez disso, ele é simplesmente liberado na atmosfera. As novas usinas planejadas pela AEP obedecerão a uma arquitetura similar. O atrativo das usinas IGCC, além de de seu potencial de captura do carbono, é que elas produzem menos poluentes tradicionais e também geram hidrogênio, que podem ser usado industrialmente ou queimado. Mas a maioria das companhias de eletricidade duvida de que as usinas IGCC são adequadas para funcionar como tecnologia predominante de geração de eletricidade, devido aos custos mais altos de capital e panes freqüentes. Os defensores retrucam que esses problemas são naturais, porque a IGCC é uma tecnologia ainda nova, que combina processos antes não interrelacionados provenientes de diferentes setores tecnológicos.
Seja como for, George Bush é um defensor dessa opção. Em 2003, ele anunciou um esquema subsidiado para construir uma usina IGCC com “emissão zero” de poluentes denominado FutureGen até 2013. A União Européia (UE), por sua vez, vem financiando companhias de eletricidade que estão fazendo experiências com o combustível oxigênio, entre outros esquemas. Subsídios dos contribuintes são necessários, argumentam as companhias de eletricidade, uma vez que a tecnologia em questão ainda não está madura. Mas é difícil acreditar que ela algum dia amadurecerá, a menos que os subsídios deêm lugar a medidas mais vigorosas, como limites de longo prazo ou cobrança de impostos sobre as emissões de dióxido de carbono. As tecnologias para eliminar as emissões produzidas por usinas de eletricidade a carvão existem, mas não serão adotada sem incentivos regulatórios dos governos. (Tradução de Sergio Blum)
Mais no site www.iea.org
The Economist / Valor Econômico