Siderúrgicas investem em processo limpo
05/09/06
Na semana passada, enquanto a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) discutia nos Estados Unidos seus planos de fusão com a Wheeling-Pittsburgh, numa tentativa de fortalecer sua posição no mercado global, a empresa era alvo no Brasil de denúncia do Ministério Público à Justiça Federal por crimes ambientais. A acusação se refere ao lançamento de grandes quantidades de benzo-a-pireno no Rio Paraíba do Sul e de benzeno (substância capaz de causar leucemia) no ar de Volta Redonda (RJ), entre 1990 e 2000. Há cerca de um ano, a 3ª Vara Federal de Volta Redonda já havia condenado a empresa a pagar uma indenização para recompor o ecossistema atingido pela sua atividade no passado. Na sentença – da qual a CSN recorre -, a juíza Adriana Rizzotto reconhece os recentes esforços da companhia em diminuir o impacto ambiental das suas operações, mas não a exime de ressarcir a comunidade. Atenta ao lucro líquido da empresa, a juíza declara que a CSN “é capaz de, confortavelmente, resgatar o seu lamentável passivo ambiental, transformando a Cidade do Aço (…) em exemplo mundial de recuperação ecológica e conduta ambientalmente responsável”. Procurada pelo Valor, a empresa não se pronunciou.
Os recentes episódios envolvendo a maior siderúrgica brasileira são emblemáticos para apontar o desafio que as companhias do setor têm pela frente. A crescente pressão da sociedade em torno de processos industriais que agridam o mínimo possível o meio ambiente combina-se ao aumento da competitividade em nível mundial, fazendo com que as empresas brasileiras disputem espaço com players cada vez mais poderosos, a exemplo do mega conglomerado Arcelor Mittal. Dentro desse contexto, a palavra-chave é sustentabilidade: as siderúrgicas precisam desenvolver procedimentos mais eficientes e limpos. E isso não só para reverter a imagem de empresas poluidoras e se prevenirem de possíveis indenizações milionárias, mas para tornar-se mais produtivas também.
“A questão ambiental e a industrial não são antagônicas”, diz Luiz Antonio Rossi, gerente de meio ambiente da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), que pertence ao grupo Arcelor Brasil, do qual fazem parte também a Belgo e a Vega do Sul. “Pelo contrário: ao integrar o sistema de gestão ambiental ao produtivo é possível obter um dos menores custos de produção do mundo”, diz o executivo. A começar pelo destino dos resíduos sólidos da fabricação do aço, que já foram fonte de preocupação ambiental para as siderúrgicas e hoje são reutilizados no próprio processo produtivo ou vendidos para outros setores da economia. Neste último caso, servem de matéria-prima para diferentes produtos, como concreto, cimento, fertilizantes e em substituição à brita na pavimentação rodoviária.
De “escória”, os resíduos passaram a ser chamados de “co-produtos”, e vêm compondo uma parcela crescente do faturamento. Na CST, por exemplo, eles devem representar uma receita de US$ 50 milhões este ano, com destaque para a acerita, especialmente desenvolvida para o capeamento asfáltico. Segundo José Otávio Andrade Franco, assessor da gerência corporativa de meio ambiente da Belgo, além de gerar receita, os co-produtos permitem reduzir o montante de resíduos não recuperáveis, que precisam ser tratados para o depósito em aterro controlado. “Tanto o tratamento quanto a incineração costumam representar um custo em torno de R$ 100 por tonelada”, afirma.
Outra boa iniciativa da indústria siderúrgica no quesito ecoeficiência está na geração de energia elétrica a partir do reaproveitamento de gases nocivos à atmosfera. “Hoje, com as nossas quatro centrais termelétricas, somos auto-suficientes em energia”, diz Rossi, da CST.
Tanto a companhia quanto a Belgo estão em busca de créditos de carbono – títulos obtidos a partir da redução de gases de efeito estufa, que podem ser comercializados com governos, bolsas ou companhias de países “em débito” com a atmosfera. A iniciativa faz parte do Tratado de Kyoto, que começou a vigorar em fevereiro do ano passado. No projeto encaminhado pela CST, está a meta da empresa de impedir a emissão de cerca de 330 mil toneladas de gás carbônico (CO²) durante sete anos, contados a partir de 2004. No mesmo período, a Belgo tem um contingente de CO² bem maior para reduzir: 9,5 milhões de toneladas. “A iniciativa faz parte do Programa Belgo de Sustentabilidade, que envolve a ampliação do plantio de eucaliptos e a adoção do carvão vegetal nos altos-fornos”, diz Marcos Vinícius Cantarino, da gerência corporativa de meio ambiente da Belgo.Meta é não só reverter a imagem de empresas poluidoras mas também ganhar mais produtividade
Dispostas a reverter a fama de potenciais poluidoras do meio ambiente, as siderúrgicas vêm investindo de maneira significativa. No período pós-privatização, entre 1994 e 2005, o Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS) estima que as empresas tenham destinado, juntas, R$ 1,16 bilhão a projetos ambientais. Daqui para frente, o volume deve diminuir: será da ordem de R$ 314 milhões entre 2006 e 2010, informa o IBS, uma vez que se destinam principalmente à manutenção e melhoramento dos processos.
Ainda assim, empresas como a Usiminas – que, sozinha, já investiu R$ 1,12 bilhão em gestão ambiental – têm medidas importantes a tomar nos próximos anos. “Vamos aplicar R$ 396,3 milhões até 2008 com o principal objetivo de minimizar em 65% a presença de partículas de aço no ar”, diz João Eustáquio Wanderley Costa, superintendente de meio ambiente.
Paralelamente ao aprimoramento de índices de ecoeficiência, as siderúrgicas tendem a se voltar mais para o relacionamento com a comunidade. Depois de se concentrarem na busca pela certificação ISO 14001 (que atesta responsabilidade ambiental), na reutilização de água doce e salgada (que nas grandes siderúrgicas chega a um nível próximo de 100%, incluindo em alguns casos o reuso de efluente sanitário), e na ampliação do “cinturão verde” para separar as atividades industriais da área urbana (na Gerdau Açominas, por exemplo, essa área cobre 1,7 mil hectares), entre outras iniciativas, as empresas querem convencer a sociedade de que já não são as mesmas. Isto envolve desde projetos de educação ambiental, presentes na maioria das companhias, até a participação profunda na recuperação do ecossistema urbano, que muitas ajudaram a destruir anteriormente.
É o caso da Cosipa, situada no pólo industrial de Cubatão (SP), cidade que já foi considerada a mais poluída do mundo. “A mentalidade mudou muito internamente e procuramos explicitar isso”, diz Marco Paulo Penna Cabral, superintendente geral da usina da Cosipa, ex-estatal que hoje faz parte do Sistema Usiminas. “Antes, não havia a preocupação de fazer a manutenção adequada em um equipamento de despoeiramento, por exemplo: se ele quebrava, a produção continuava”, afirma. “Com isso, a máquina se deteriorava e o investimento ia por água abaixo”.
Hoje, segundo Cabral, a maior prova do compromisso da Cosipa com o meio ambiente está na sua atuação como líder da chamada Agenda 21 de Cubatão – iniciativa da prefeitura com empresas locais que prevê projetos de desenvolvimento sustentável para serem implantados até 2020.