Setor de serviços concentra maior fatia de aportes
08/12/08
O enxugamento da liquidez mundial poderá reduzir, mas não levar a uma parada radical ou descontinuar o fluxo de investimento direto estrangeiro (IDE) para o Brasil. Na opinião de economistas e analistas, o país conquistou uma posição privilegiada na geopolítica do capital produtivo e apresenta todas as condições para manter e até melhorar sua posição no ranking de atração de investimento – hoje ocupa a quinta posição atrás de China, Índia, EUA e Rússia. As projeções, inclusive do Banco Central, apontam para este ano entradas superiores a US$ 35 bilhões, superando o recorde de US$ 34,6 bilhões de 2007.
Marisa Cauduro / Valor
Bazire, do BNP Paribas: principal vantagem do Brasil em relação aos vizinhos é o tamanho de seu mercado interno
Para 2009, a expectativa dos analistas é de que haja uma redução do fluxo de IDE no mundo de 30% a 50%. O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, estima que o fluxo de investimentos para o Brasil em 2009 se reduza para US$ 27 bilhões. “Em 2010 deve haver uma retomada. No curto prazo, o investidor está mais preocupado em fazer caixa”, diz. Vale acredita que a tendência no longo prazo é positiva para os países emergentes. Ele vê melhores perspectivas para China e para o Brasil. “A Rússia deve sofrer mais por causa de sua dependência em relação aos preços do petróleo, além de enfrentar uma situação política não muito clara. A Índia, por sua vez, não exibe uma situação macroeconômica muito estável”, analisa.
Para Vale, o Brasil ocupa uma posição destacada em relação a outros países da América Latina. “O México, por conta de sua proximidade com os Estados Unidos, está em recessão e vive problemas políticos por falta de maior respaldo popular de seu presidente. O cenário na Argentina é de desaceleração econômica, resultado de políticas equivocadas, e a Venezuela padece da atuação desastrosa do presidente Hugo Chavez”, diz.
O Brasil, na opinião do economista, só deixará de ser atrativo para os investimentos se a estabilidade macroeconômica não for mantida. “O governo tem perseguido, principalmente com a política monetária, o controle da inflação, o que dá uma perspectiva importante para qualquer planejamento de longo prazo”, afirma.
Para Louis Bazire, presidente do BNP Paribas, a principal vantagem do Brasil em relação a seus vizinhos é o tamanho do seu mercado interno. “O país é menos dependente de exportações, como México, por exemplo, e essa é a questão chave para os investidores estrangeiros.”
Os dados da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet) apontam o crescimento da participação de investimento estrangeiro direto na indústria extrativa mineral. Em meados dos anos 90, a fatia desse setor no estoque de IDE no Brasil era de 1,6%. Em 2008, esta indústria responde por 22,3% dos fluxos de IDE recebidos. Com a perspectiva de exploração das reservas petrolíferas do pré-sal, estimadas em 80 bilhões de barris de petróleo, essa tendência deve se acentuar.
O setor de bioenergia, ainda amplamente dominado por capital nacional, é apontado pelos analistas como um dos mais promissores no longo prazo. “Recebemos muitas visitas de clientes europeus interessados em investir em etanol”, diz Bazire do BNP Paribas. “Mas ainda é preciso uma definição melhor em relação a parcerias”, observa.
Há outras questões que colocam obstáculos para um interesse maior dos investidores no curto prazo. “Com o preço muito barato, o petróleo se torna um importante competidor para o álcool”, diz Luis Afonso Lima, presidente da Sobeet. Ele observa que, por mais vantajosa que seja a utilização do combustível limpo, a questão econômica pesa no curto prazo. “Tanto a economia americana como a européia precisam diversificar sua matriz energética, mas ainda não há uma posição oficial de aceitação do etanol da cana como sendo uma solução”, observa.
O fluxo de IDE tem crescido nas áreas de mineração e petróleo impulsionado pelo boom de commodities. Mas os setores mais importantes são os de indústria (39%) e serviços (47%), incluindo telecomunicações, intermediação financeira e comércio varejista. Segundo Luís Afonso Lima, em 2009, como reflexo da crise, o maior volume de investimento deverá ser direcionado para o setor de serviços e para aqueles que não exportam e são menos dependentes de crédito. A Telefônica, empresa da qual Lima é economista-chefe, prevê um aumento de 25% no volume de investimentos no país. EUA, Espanha e Holanda respondem por mais de 50% dos recursos destinados ao Brasil desde 2000.
Para Sergio Vale, da MB Associados, o mercado doméstico ainda vai ser o carro-chefe do investimento, repetindo o que vem acontecendo nos últimos anos. “Os investidores vão continuar olhando os mercados domésticos que tenham potencial de investimento muito forte”. Ele acredita que o setor imobiliário, que ainda é muito pequeno no Brasil, possa ter expansão e voltar a receber investimentos no longo prazo, assim que passar a crise e for retomado o processo gradual de recuperação de renda e de redução das taxas de juros.
O setor de infra-estrutura recebeu 24% de todo o volume de IDE que ingressou no Brasil desde 1996, o que representa quase US$ 80 bilhões. Boa parte desses recursos foram para privatização e venda de ativos. Nos últimos anos, com a estabilização da moeda, os investimentos estão sendo feitos por empresas estrangeiras radicadas aqui utilizando fontes de financiamento em reais, para não assumir descasamento de moedas nos investimentos. “O investimento estrangeiro na infra-estrutura passou a ser pouco relevante”, diz Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib).
Para ele, as obras de infra-estrutura são importantes como instrumento anticíclico para compensar a retração em outras atividades econômicas. Por essa razão, ele acredita que o setor terá toda a atenção tanto do governo como de investidores privados, embora haja um limitador. “Com o enxugamento do crédito no mundo, empresas que tinham acesso a fontes externas de financiamento, como a Petrobras, vão começar a se socorrer de crédito interno. Só o financiamento do BNDES não será suficiente para atender a carteira já contratada de R$ 100 bilhões. Precisaremos de crédito complementar. Eu não vejo perspectiva de vinda de recurso externo em 2009 que seja capaz de ajudar nesse movimento. Vamos ter que conviver com os créditos de poupança interna”, diz.
Valor Econômico