Presidente da Vale defende reforma política
08/09/08
SÉRGIO MALBERGIERKENNEDY ALENCAREnviados especiais da Folha de S.Paulo ao Rio
O presidente da Vale do Rio Doce, Roger Agnelli, 49, cujos negócios estão intrinsecamente ligados ao governo, se entusiasma ao falar do presdidente Lula. `Genial, genial`, afirma ele, para quem o presidente e seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, são faces de uma mesma moeda.
Agnelli defende uma reforma política e diz que troca de celular toda semana. Cauteloso, faz elogios aos quatro principais presidenciáveis de 2010 e recrimina Getúlio Vargas e o regime militar pela ditadura política.Rafael Andrade/Folha ImagemO presidente da Vale Roger Agnelli, na sede da companhia no centro do Rio
Um dos mais internacionais de nossos executivos, com cadeira em conselhos importantes como o da Bolsa de Nova York e o do Brookings Institution, Agnelli aconselha os empresários brasileiros a buscarem a África. Diz não se ver como um executivo estrela, o que, segundo ele, tem mais a ver com a cultura empresarial americana que a brasileira, mais “low profile”, que “não celebra o sucesso”.
Aos acionistas preocupados com a queda das ações da Vale neste ano, diz que os fundamentos da mineradora no longo prazo são muito positivos. Agnelli também é contra mudanças na legislação sobre a exploração mineral em estudo pelo governo, argumentando que o Brasil já taxa mais o setor do que outros países.
Agnelli conta ainda como é sua rotina à frente da maior empresa privada do país. Quando está no Rio, cidade que o paulistano palmeirense diz adorar, a primeira coisa que faz no dia é uma hora de fisioterapia para a coluna. Nos fins de semana que pode, vai para Angra dos Reis passear de barco pelo “lugar mais bonito do mundo”.
Leia a seguir trechos da entrevista realizada na sede de Vale, no Rio de Janeiro, continuação da publicada na edição da Folha de S.Paulo (só para assinantes) desta segunda-feira.
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FOLHA – O Brasil vive um forte avanço econômico. A classe política está à altura dos desafios?AGNELLI – Este é o Brasil. Está representado o que é o Brasil. Se você for ao Congresso, lá está o Brasil. Todos nós temos a evoluir. Há regiões que talvez não estejam tão evoluídas quanto outras. Com toda a tranqüilidade, já conversei isso com o próprio presidente. A democracia brasileira está num estágio em que precisa de uma reforma política. A gente não pode só criticar, tem de olhar também as melhorias que nós tivemos nos últimos anos. A democracia hoje é forte, profunda. A sociedade tem cobrado mais dos políticos.
FOLHA – Quais pontos teriam essa reforma política?AGNELLI – Ter partidos fortes. Fortalecer os partidos políticos. A fidelidade partidária é outra aspecto importante. O financiamento público de campanha é outro passo.
FOLHA – O sr. defende apenas financiamento público ou um sistema misto?AGNELLI – Pode ser misto, mas uma coisa é certa: tem de ter maior transparência. É preciso ter uma aceitação muito claro do que é o financiamento.
FOLHA – Um aliança PT-PSDB faria bem ao país?AGNELLI – Sim.
FOLHA – Ela é viável?AGNELLI – Se ela faz sentido, talvez em algum momento possa se tornar viável.
FOLHA – No PT, dizem que o sr. poderia ser um excelente vice para a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) disputar a Presidência em 2010, algo parecido como o José Alencar e o Lula.AGNELLI – [Risos] Não sou político. Sou executivo. Descarto, descarto.
FOLHA – O sr. tem medo de grampo?AGNELLI – O respeito à individualidade, à vida privada, é fundamental. Eu não tenho medo, mas troco de celular toda semana [risos].
FOLHA – DE zero a dez, quanto dá a Getúlio Vargas?AGNELLI – Não gosto de ditadura. Pode ter feito o que tenha feito. Não daria mais de cinco.
FOLHA – JK.AGNELLI – Gosto de desenvolvimento. Daria bem mais de cinco.
FOLHA – Ditadura militar.AGNELLI – Não daria mais de cinco, por causa da ditadura, mas trouxe coisa positiva, como investimentos em infra-estrutura. Mas foi ditadura.
FOLHA – Sarney.AGNELLI – Pegou uma época complicada, né? Prefiro não dar nota.
FOLHA – Collor.AGNELLI – [Rindo] Muito curto para dar nota.
FOLHA – Itamar Franco.AGNELLI – Também prefiro não dar.
FOLHA – FHC.AGNELLI – Bem mais de cinco. Consolidou muita coisa no país. O início da preocupação pelo social. A estabilização da economia, que exigiu medidas corajosas.
FOLHA – Lula.AGNELLI – Olha… da forma como o país está indo, pelo crescimento do país, pelas questões sociais, pela liderança dele, eu daria perto de dez. [Rindo] E pela sorte também. É genial, genial. Ele é a síntese de tudo. Partir de onde ele partiu e onde ele está. É um exemplo em todos os sentidos. A intuição política é extraordinária. Impossível não gostar dele, impossível não gostar dele, impossível não gostar dele. Muito otimista, é otimista até com o Curingão dele. É carismático. Ando o mundo inteiro, e todos elogiam o presidente, me dá muito orgulho ser brasileiro.
FOLHA – Dilma Rousseff.AGNELLI – Determinada, eficiente, sabe o que quer. Briga bastante por aquilo que quer. Tem sido o esteio do governo Lula, um pilar de sustentação muito importante.
FOLHA – José Serra.AGNELLI – É uma coisa interessante. Primeiro, é palmeirense, o que é uma virtude enorme. Outro lado que as pessoas não conhecem muito é que ele tem muito daquela figura do italiano, o italiano emocional, sentimental. Tem muito da solidariedade. É um gestor duro. Cobra muito. Muitas vezes interpretado como centralizador. Normalmente, quem cobra muito é centralizador. É um homem determinado, um bom governante.
FOLHA – Ciro Gomes.AGNELLI – Figura política importante para o país. Tem liderança. Tem algumas visões, às vezes, controversas. Um bom amigo.
FOLHA – Aécio Neves.AGNELLI – Carismático, um ótimo gestor, muito intuitivo, determinado, um gênio político.
FOLHA – Que conselho daria aos outros empresários brasileiros?AGNELLI – Investir na África, que é uma nova fronteira. O futuro está na África. Os empresários chineses e indianos estão investindo brutalmente lá. O empresário brasileiro tem de olhar para a África. Tem muitas similaridades com o Brasil, inclusive com laços afetivos. Há muitos recursos naturais, muita coisa a ser descoberta Está no meio do caminho entre a Ásia e os maiores mercados do Ocidente. É um lugar lindo. Há países avançando institucional e economicamente, com bons arcabouços regulatórios. A África está andando para frente. A Vale está firme lá.
FOLHA – O governo vem falando que é preciso aumentar a tributação do setor mineral porque a rentabilidade é alta. O que o sr. acha?AGNELLI – É como a máxima do futebol. Em time que está ganhando, não se mexe. O que o governo deve cobrar desses setores são os investimentos para continuar crescendo de forma auto-sustentável. A Vale tem priorizado o seu crescimento investindo, muito aqui no Brasil. Investimentos em mineração exigem um capital intensivo e de longo prazo, o que faz importante a estabilidade das regras. O nível de tributos aqui é dos maiores da indústria da mineração no mundo.Há outra vertente que defende igualar os tributos da mineração aos do petróleo. São duas indústrias completamente diferentes. Uma plataforma em alta explora um campo de petróleo que, normalmente, tem uma vida útil muito curta comparada a uma mineração. A plataforma usada pode ser tirada dali e levada para outro lugar. No caso da mineração, faz um investimento fixo que não se tira ao final da mineração.
FOLHA – Há a possibilidade de a ação da Vale fechar o ano em queda, após sete anos de altas muito fortes. O que o sr. diria aos acionistas?AGNELLI – Ele está investindo na melhor empresa de mineração do mundo, com os melhores ativos. Os fundamentos da indústria não se alteraram. Os preços das commodities flutuam. De janeiro a junho, os preços das commodities subiram. Todo mundo nadou em dinheiro. Aí vem o ajuste. Isso é normal. Uma empresa como a Vale não pode olhar o curto prazo. Tem de olhar o longo prazo. A saúde financeira da empresa nunca esteve tão boa. O volume de produção nunca esteve tão bem como está. A demanda continua muito forte. A empresa nunca teve o tamanho que tem hoje, e vai continuar crescendo. Inauguramos neste ano oito novos grandes projetos na companhia. Em 2010, também. Quem está investindo na Vale deve ter tranquilidade.
FOLHA – O negócio com a Xstrata não se realizou por quê? Houve veto ou pressão do Palácio do Planalto, preocupado com a mudança do centro de decisão da Vale do Brasil para o exterior?AGNELLI – Não houve [pressão ou veto]. O que posso dizer é o seguinte: era uma negociação absolutamente privada e fechada. Pouquíssimas pessoas tiveram acesso à estratégia da Vale na negociação. Muitas pessoas emitiram opiniões sem saber do que se tratava. É normal isso acontecer. Da parte do presidente, as preocupações aconteceram. Mas jamais houve por parte da Vale, da diretoria, dos acionistas, a falta de visão de que a Vale é uma empresa brasileira e vai continuar sendo uma empresa brasileira.
FOLHA – Depois daquele jantar do sr. com o Lula aqui no Rio, o governo ficou mais calmo em relação à negociação com a Xstrata.AGNELLI – A relação com o presidente é ótima. Eu o admiro como presidente e como pessoa. Além de tudo, tem sorte, o que é fundamental. Na conversa, nós não entramos em detalhes da negociação, mesmo porque não cabia. O presidente nunca colocou uma posição contrária. Algumas desinformações sobre o episódio Xstrata nasceram dentro do mercado de capitais. Com a velocidade da informação hoje, houve efeitos internacionais. Houve desinformações e fofocas que a gente, pela obrigação do sigilo, não podia esclarecer. Da parte do governo, naquilo que é pertinente e necessário, nunca faltou apoio à Vale.
FOLHA – O sr. fez críticas ao plano do governo de mudar a Lei de Petróleo? O que acha de a União querer arrecadar mais com uma descoberta da magnitude do petróleo do pré-sal?AGNELLI – Não critiquei. Disse que havia espaço no atual arcabouço regulatório para atender aos interesses legítimos da sociedade e do próprio governo em ter mais recursos para investir em educação. Deus queira que a descoberta do pré-sal faça dar tudo certo, porque a dimensão fará do Brasil outro país. Não há necessidade de rasgar contratos.
FOLHA – O governo diz que respeitará os contratos, mas estabelecerá novas regras para os contratos futuros.AGNELLI – Sem problema.
FOLHA – Concorda com a criação da petro-sal, uma estatal não-operacional para administrar as reservas do pré-sal ainda não leiloadas?AGNELLI – Temos a Petrobras, que é extremamente eficiente. Para desenvolver o pré-sal, vai requerer muito dinheiro. Temos esse dinheiro? Não serão necessária parcerias público-privadas?
FOLHA – E uma nova estatal?AGNELLI – Não sei se é uma estatal ou se é fundo. Na Noruega, é um fundo administrado por agentes privados.
FOLHA – Tem a Petoro, que é um escritório na prática.AGNELLI – Tem, mas quem administra os recursos são bancos que cuidam do fundo. O fato é que já começou uma discussão acalorada. As informações que tenho são de que vai requerer muito investimento, mas ninguém tem os dados exatos de quanto será necessários. Só se sabe que serão investimentos vultuosos pelo tamanho e a complexidade de explorar petróleo a 7 mil metros de profundidade. O governo não precisa investir. Faz e estabelece o arcabouço. E dentro do atual arcabouço existe espaço para acelerar a implantação dos projetos, buscando recursos lá fora. Ninguém precisa se preocupar, porque o petróleo está aqui. Ninguém vai pôr na mala e levá-lo embora.
FOLHA – É um prioridade enfrentar o aquecimento global?AGNELLI – A gente vive numa bolinha. Tudo o que se passa nela merece preocupação. O mundo está consciente desse problema, e o Brasil está na linha de frente. O planeta está super-habitado, o crescimento das economias acontece num ritmo forte, o nível de interferência no meio ambiente é forte. é preciso se desenvolver com responsabilidade. Os recursos naturais são escassos. O equilíbrio do planeta é delicado. No entanto, o ser humano é criativo. Supera desafios. Sou otimista em relação à resposta que será dada. A resposta.
FOLHA – sr. é um paulistano e palmeirense que diz que virou carioca. O que é isso?AGNELLI – Sou apaixonado pelo Rio. Quando se chega aqui, você quer ajudar que o Rio melhore a cada dia. O Rio é lindo. Tem uma paisagem fantástica. Morar no Rio é um privilégio. Ser carioca é um estado de espírito mais leve, mais alegre. É ter um relacionamento mais intenso pelo lado humano. Nasci em São Paulo, sou cidadão fluminense e cidadão carioca. Brinco com meus amigos paulistas, dizendo que sou carioca. Eles ficam bravo. Agora, de time não mudo, não. Meu time é o Palmeiras.
FOLHA – Tem medo de morar no Rio? Sente diferença na segurança pública em relação a São Paulo?AGNELLI – Com toda a franqueza, acho que a gente se sente mais seguro no Rio do que em São Paulo. No Rio, há os lugares que você sabe que não deve ir. Em São Paulo, como a cidade é muito maior, aberta, não tem as montanhas, não há locais de insegurança tão identificados como no Rio, há uma sensação maior de segurança no Rio.O problema de segurança não é só do Rio ou de São Paulo. É do Brasil inteiro. Há problemas de tráfico de drogas em pequenas cidades.
FOLHA – Qual a receita para melhorar o Rio?AGNELLI – Já está melhorando. De novo, é uma receita para o Brasil. Investir mais em educação. O Rio tem uma vocação turística, que deve ser sempre ressaltada e priorizada. O petróleo é outra realidade. O Rio tem todas as condições de ser muito mais do que é em todos os sentidos.
FOLHA – É mais difícil ser diretor do Bradesco ou presidente da Vale?AGNELLI – Com paixão e dedicação pelo que se faz, a dificuldade é a mesma. Trabalhei 22 anos no Bradesco, com um ritmo de trabalho intenso, como é aqui na Vale. Minha esposa diz que, se eu for para outro lugar, o ritmo de trabalho vai ser intenso do mesmo jeito.
FOLHA – Quantas horas o sr. trabalha por dia?AGNELLI – Bastante, o necessário. Se tiver de trabalhar 15 horas, trabalho. Se tiver de trabalhar, 20 horas, trabalho.
FOLHA – Como é o dia do Agnelli?AGNELLI – Quando estou no Brasil, levanto e faça fisioterapia das 6h30 até as 7h30. Tomo banho, café e venho para a empresa. Chego entre 8h30 e 9h. Almoço na Vale. Procuro não jantar fora de casa. Se estou no Brasil, procuro sempre dormir em casa.
FOLHA – Fisioterapia para quê?AGNELLI – Coluna. Tô ficando velho e tenho de cuidar da minha coluna.
FOLHA – O sr. dorme quantas horas por noite?AGNELLI – Cinco, seis horas.
FOLHA – É suficiente?AGNELLI – Se eu passar o final de semana em Angra [dos Reis, litoral do Rio], é suficiente. Se estou no Brasil, vou passar o final de semana lá. É o lugar mais lindo do mundo.
FOLHA – Quantos dias por ano o sr. passa fora do Brasil?AGNELLI – Tenho voado em média entre 900 e 1.000 h oras por ano. Faça a conta.
FOLHA – Jato da Embraer?AGNELLI – [Rindo] Um da Embraer e outro canadense.
FOLHA – Tem um hobby?AGNELLI – Passear de barco nas ilhas todas de Angra.
FOLHA – O sr. é religioso?AGNELLI – Ah, tenho minha Nossa Senhora por tudo quanto é lado.
FOLHA – Que tipo de filme prefere?AGNELLI – Gosto de filme leve, de documentário. Adorei um seriado que passou na Globo, sobre a Revolução de 32, aquela Semana de Arte Moderna. Que delícia, que coisa linda de ver. Passei um final de semana vendo.
FOLHA – Vê TV?AGNELLI – Não muito.
FOLHA – É viciado em notícia?AGNELLI – Já fui aquele fanático, quando era do mercado financeiro. Ficava ligado no terminal de computador, lia tudo quanto é jornal, o diabo a quatro, ficava ligado. Hoje, tô mais light, tô focado.
FOLHA – Essa vida na Vale é boa, hein?AGNELLI – [Rindo] Boa, né? Recebo meu clipping diário. De alguma forma, participo mais da notícia do que leio.
FOLHA – O sr. comanda a maior empresa privada do Brasil. Teremos no país a cultura dos executivos estrelas, como nos EUA?AGNELLI – Não me vejo como estrela, mas como trabalhador. Tenho vontade de fazer as coisas e deixar as coisas para o país. A cultura brasileira não é uma cultura que celebra sucesso. É uma cultura um pouco mais “low profile”.
FOLHA – Qual será o seu próximo desafio profissional já que não vai entrar na política?AGNELLI – Meu objetivo é ter uma Vale querida, admirada, que daqui a vários anos meus filhos possam olhar e dizer que o pai deles deixou algo perene para o país. No exterior, vemos a Vale respeitada. O desafio não é só gerir a maior empresa privada brasileira, mas gerir a maior empresa de mineração do mundo.
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