Pela regulação da energia nuclear
26/08/08
Faz todo sentido o Brasil investir nessa matriz, pois há em nosso solo algumas das maiores reservas de urânio do mundoAo inaugurar, em Uberlândia (Minas Gerais), o Complexo Hidroelétrico Amador Aguiar II em maio de 2007, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi enfático ao defender a expansão da matriz energética brasileira.Na ocasião, o presidente afirmou que o País tem duas alternativas concretas: ou se fazem hidroelétricas ou o País entrará em uma espécie de “era da energia nuclear”.Cerca de um ano depois, com as usinas do rio Madeira leiloadas, o governo compreendeu que a solução hidroelétrica e a nucleotérmica não são excludentes.Nesse sentido, foi recentemente criado o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, com a tarefa de delinear as atividades nucleares no País.Dentre os motivos de tal ato, se focarmos o setor elétrico, podem ser elencados a inviabilidade técnica e mercadológica de uma grande expansão de matrizes eólicas e solares; os impactos ambientais e financeiros na queima de óleo; a complexidade de repotencializar todas as usinas hidroelétricas no curto prazo; e o risco perene de desabastecimento do gás proveniente da Bolívia.A energia nuclear, que em 1970 tinha uma participação 0,1% na produção elétrica mundial, passou a ser, em meados dos anos noventa, a terceira fonte de geração mais importante do mundo, com 17% da produção global.No Brasil, o complexo termonuclear de Angra dos Reis representa 2,2% da capacidade instalada.E as perspectivas são muito promissoras para a expansão dessa matriz energética no País. Tão promissoras a ponto de o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, manifestar um grande interesse em que as obras da Usina de Angra 3 se iniciem já no mês de setembro.Faz todo sentido o Brasil investir nessa matriz, pois existem em solo tupiniquim algumas das maiores reservas de urânio do mundo, há o domínio completo do enriquecimento desse minério, e o País é um dos poucos que vetam, constitucionalmente, o uso nuclear para fins não pacíficos.Poucos Estados possuem tantas características favoráveis. Japão e França utilizam de forma intensiva a energia nuclear. Argentina e Inglaterra recentemente decidiram enveredar por esse caminho.O mundo nuclear já é multipolar.Assim, o projeto nuclear brasileiro precisa deixar de ser estritamente um anseio geopolítico para se inserir na agenda energética, como aconteceu com Itaipu.Para tanto, o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro precisará promover uma verdadeira reengenharia na governança dos órgãos do setor elétrico e da indústria nuclear. Por exemplo, deve ser ponderado qual é o papel que se deseja para a Eletronuclear, empresa de sociedade mista que tem como finalidade operar e construir as usinas termonucleares do País.A Eletronuclear é controlada pela Eletrobrás e, por conseguinte, está vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Por outro lado, existe a Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), estatal controlada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. A função da INB é explorar as reservas de urânio do País e produzir o combustível usado nas usinas de Angra.Paralelamente, é imprescindível uma harmonização de competências entre o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Devem-se estipular, dentre outras coisas, os limites da fiscalização, da regulação, da criação de índices técnicos de qualidade.Por outro lado, o discurso dúbio do governo em relação às agências reguladoras pode dificultar muito a atração de investimentos em um setor tão sensível, que precisa de regras claras.No mesmo sentido, se o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro for conduzido da mesma forma que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), o País jamais saberá quais serão as decisões, pois nem sequer as atas do CMSE são publicadas.A falta de transparência dos atos dificulta a atração de capital privado, o que precisa ser observado para a expansão dessa matriz no País.Tal necessidade pode ser suprida, no curto prazo, pelo rearranjo societário que permita que a Eletronuclear lance ADRs (American Depositary Receipts) no mercado de balcão.No longo prazo, pode ser viável fixar um marco regulatório específico, que pode contemplar, por exemplo, parcerias público-privadas para usinas nucleares.A forma de remuneração tarifária também precisa ser equacionada.Os empreendimentos termonucleares têm uma característica térmica, que os aproxima daquelas usinas que utilizam o gás como energético, mesclada com um monopólio estatal do manejo do urânio, fato que impõe um ordenamento determinativo por parte do Poder Concedente.Tal peculiaridade acarreta uma dificuldade para fixar preço para essa energia.Atualmente, a remuneração da energia da Eletronuclear é realizada mediante contrato de compra e venda de energia firmado com Furnas e que está sujeito a revisão tarifária anual.O presidente foi muito realista ao afirmar que nenhum empresário investirá no Brasil nos próximos anos se não houver a certeza de que este país terá energia para oferecer às indústrias.Não adianta contar apenas com a solução hidráulica, suscetível de variáveis climáticas em pleno período conhecido como o de aquecimento global e em um momento no qual as águas passam a ter utilizações múltiplas. O País precisa refletir seriamente sobre a solução nuclear, limpa em emissão de CO2 e de abastecimento constante.O custo da energia termonuclear é competitivo em relação às termoelétricas a gás, mas ainda falta ao governo a fé inabalável de que órgãos técnicos, caso das agências reguladoras, são o melhor caminho para conferir estabilidade e transparência para implementar um parque nucleotérmico com investimento privado.
DCI