Para vencer traumas do Pará, setor privado ocupa espaço público
11/05/09
No Pará, grandes empresas, como Vale e Alcoa, passaram a cumprir atividades que vão muito além da mineração e estão fazendo obras dignas de Estado, como rede de saneamento, construção de estradas, de escolas e até um Fórum judicial.
Os novos empreendimentos privados – antes comuns em empresas estatais – marcam a mudança na postura das grandes mineradoras que não querem mais conviver com um cinturão de miséria à sua volta. Ao invés de cobrar do Estado educação, moradia e outros serviços básicos escassos no Pará, como água, esgoto e energia elétrica, elas iniciaram projetos próprios com as comunidades e estão desenvolvendo cidades inteiras. A Alcoa está reconstruindo a cidade de Juruti, e a Vale está criando centrais com escola básica, cursos profissionalizantes e ampla rede esportiva junto a várias comunidades próximas aos seus projetos estratégicos.
Para solucionar os protestos locais, as empresas, no passado, procuravam soluções de curto prazo, que atendessem a reivindicações específicas e imediatas das comunidades, como a construção de uma ponte. Ou o repasse de cestas básicas para a prefeitura nas cidades atingidas pelos empreendimentos. Isso foi feito durante décadas quando a Vale era estatal e criou uma cultura paternalista entre as comunidades. Para corrigir esse passivo, grandes empresas que investem no Pará estão abandonando essa visão de “dar um troco” às comunidades. Elas saíram do assistencialismo e estão realizando projetos estruturantes. Com isso, procuram mudar o modelo representado pela Casa da Vale – local que já recebeu visitas ilustres, como o Príncipe Charles, do Reino Unido, foi o ponto de encontro da equipe econômica durante a formulação do Plano Cruzado, em 1986, e virou símbolo da “elite” da empresa em oposição à miséria de muitas cidades paraenses.
Além da falta de infraestrutura básica e da precária condição social, o Pará convive com pelo menos três grandes “síndromes” que dificultam a realização de investimentos importantes para a economia – hidrelétrica de Tucuruí, Carajás e Eldorado dos Carajás.
A síndrome de Carajás é um sentimento local de que grandes empresas chegam ao Pará, abrem imensos buracos nas terras, tiram a riqueza e não deixam nada para a população. A pobreza local contrasta com o tamanho e o faturamento bilionário das empresas. Para superar esse contraste, Vale e Alcoa desenvolveram novas estratégias. A Alcoa abandonou totalmente o conceito de “company town” antes mesmo de se instalar em Juruti, em 2005.
As “companies towns” eram uma espécie de “campo de concentração de luxo”, onde tudo funcionava em torno da grande empresa, explicou Maria Amélia Enriquez, assessora para Mineração e Desenvolvimento do Ministério das Minas e Energia, autora de uma tese de doutorado sobre o impacto da mineração em pequenas cidades. “Isso criou castas porque o empregado da companhia ascendia a uma classe mais alta, enquanto o resto da população permanecia em outra.” Agora, as empresas querem evitar essa visão de que elas são um enclave isolado no meio de um cinturão de miséria.
Já a síndrome de Tucuruí é a grande barreira para projetos próximos aos grandes rios da Amazônia, como a Usina de Belo Monte, no rio Xingu. Tucuruí foi construída, em 1975, pelo governo militar, sem licenciamento ambiental, e levou à inundação de 2,8 mil quilômetros quadrados no rio Tocantins, desabrigou 20 mil pessoas, atingiu três áreas indígenas e extinguiu espécies de flora e fauna.
A hidrelétrica tornou-se um antiparadigma que, hoje, afeta a perspectiva de novos investimentos energéticos no Estado. Prevista para ser licitada em outubro próximo, Belo Monte enfrenta forte oposição de ambientalistas e movimentos sociais. Todas as grandes empresas com negócios no Pará têm interesse em Belo Monte, pois a usina seria uma forma de captar energia de maneira mais eficiente e barata para os empreendimentos. A Alcoa, por exemplo, terá de gerar energia própria para retirar bauxita de Juruti. A empresa está construindo uma mini central térmica para tanto. Sem Belo Monte, a Vale estuda construir uma usina à base de carvão em Barcarena.
Por fim, o Pará convive com a síndrome de Eldorado dos Carajás, que cria impasses no agronegócio. Quando há invasões de sem-terra em grandes projetos agropecuários e a Justiça determina a reintegração de posse, as forças policiais locais têm receio de agir por conta das 19 mortes naquela cidade, durante conflito em abril de 1996. As operações para a reintegração são bastante complexas, pois envolvem logística para levar tropas a locais de difícil acesso e duras negociações com os sem-terra.
Praticamente todas as cidades em que grandes empreendimentos econômicos – da pecuária à mineração – são desenvolvidos no Pará convivem com grande exclusão social, sem estado de direito pleno. Um dos problemas é a distância entre a capital e os empreendimentos. “A elite pensante do Estado fica em Belém, enquanto os grandes projetos empresariais se localizam no sudeste e no oeste do Estado”, afirmou Ophir Cavalcante Junior, representante do Pará no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
As empresas chegam a cidades mais de mil quilômetros distantes da capital e encontram situações características de ausência de Estado: falta de saneamento, condições precárias de saúde e educação, policiamento ineficiente e dificuldades no cumprimento de decisões judiciais. “A exploração de minério no Pará possui uma dimensão internacional e, no entanto, não sentimos a presença da mineração em Belém”, lamentou Maria Amélia Enriquez.
Essa ausência de Estado leva comunidades locais do sudeste e do oeste a defender a criação de novos entes federativos independentes, como o Estado de Carajás, no sudeste, e o Estado do Tapajós, no oeste. O primeiro é apoiado por fazendeiros que sofrem com as constantes invasões de sem-terra e viram a criação do Estado de Tocantins, em 1988, numa região vizinha a que atuam. O segundo é defendido por comunidades de Santarém – a segunda maior cidade do Pará, que sofre com enchentes e a falta de condições básicas, como saneamento.
“Há uma luta homérica com relação a cada projeto desenvolvido por uma grande empresa no Pará”, disse Ophir. O maior problema, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), está na demora para a concessão de licenciamento ambiental. “É um processo moroso e inibe novos investimentos”, afirmou André Reis, coordenador do;Ibram;na Amazônia. Segundo ele, existem R$ 23 bilhões em investimentos novos no setor mineral, em energia e logística na região. Apesar da crise financeira internacional, não houve cancelamentos. Apenas adiamentos. A Usina Siderúrgica de Marabá, na qual a Vale deverá gastar R$ 5 bilhões está mantida, exemplificou Reis. Mas não há prazo para as obras.
O governo do Pará também passou a acompanhar de perto os investimentos e desenvolveu alguns projetos com as empresas para que elas comprem mais do Estado, contratem trabalhadores locais e financiem bolsas científicas para os paraenses. A Vale comprou R$ 2 bilhões da economia local, financiou 63 bolsas de mestrado e outras 23 de doutorado, informou Maurílio de Abreu Monteiro, secretário de Ciência e Tecnologia do Pará. “Gostaríamos de exportar não apenas o minério, mas tecnologia de mineração”, afirmou.
Por outro lado, a companhia ainda não concordou com a nova sistemática de compensação ambiental, pela qual as empresas devem depositar 1,57% relativos ao total de cada grande projeto de investimento. A Alcoa depositou uma primeira parcela de R$ 25 milhões referentes ao seu investimento de mais de R$ 3 bilhões em Juruti. Mas a Vale ainda não concordou com essa nova metodologia de cálculo desenvolvida pelo governo.
“São projetos que apoiamos”, afirmou Cláudio Puty, chefe da Casa Civil do governo do Pará, a respeito dos projetos sociais da Vale e da Alcoa. “É muito importante que as empresas tenham compromissos sociais, pois sabemos que o Estado tem limites para resolver os eventuais impactos ambientais de seus projetos, que levam a migrações e criam outros passivos.”
Valor Econômico