Outorga cria novas disputas em Serra Pelada
05/12/06
A possível visita de Luiz Inácio Lula da Silva à região é a notícia mais comentada na vila de Serra Pelada. Todos estão confiantes de que o presidente em pessoa levará para os garimpeiros, enfim, o documento que lhes garanta o direito de voltar a procurar ouro. Vinte e quatro anos se passaram desde que um presidente da República pisou naquelas terras. Em 1982, João Batista Figueiredo chegou de helicóptero para garantir que Serra Pelada seria dos garimpeiros.
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Maior garimpo de ouro a céu aberto do qual já se teve notícia no mundo, Serra Pelada ainda alimenta sonhos de prosperidade no sul do Pará. A exploração manual foi encerrada há quase duas décadas, mas agora milhares de ex-garimpeiros esperam lucrar com a concessão do direito minerário para uma empresa disposta a investir em exploração mecanizada.
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Os garimpeiros recuperaram definitivamente o direito de explorar Serra Pelada em 2002. Até então, os direitos eram da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Mas só agora a outorga dos títulos está, de fato, prestes a ser concedida. O documento é fundamental para que os garimpeiros possam firmar contrato com alguma empresa.
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Há pelo menos duas companhias interessadas no negócio, a americana Phoenix Gems e a canadense Aura Gold. E o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) já deu sinais de que poderá financiar a reabertura de Serra Pelada caso os próprios garimpeiros, reunidos em uma cooperativa, estejam dispostos a assumir a exploração.
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A primeira oferta, da Phoenix Gems, foi feita há dois anos. Somava US$ 300 milhões, sendo U$ 200 milhões para rateio entre os sócios da cooperativa, US$ 40 milhões para construir uma vila para os garimpeiros que vivem no local e US$ 60 milhões em equipamentos.
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O negócio acabou não saindo do papel porque a cooperativa não conseguiu cumprir as exigências mínimas para receber a outorga. Não tinha número de CNPJ, o cadastro nacional de pessoa jurídica, muito menos um estatuto aprovado de acordo com a atual lei do cooperativismo. Desde 2003, os garimpeiros tentam regularizar a situação. Mas o que poderia parecer simples, como o recadastramento de sócios e a aprovação de um estatuto, tomou dimensões de alta complexidade em Serra Pelada.
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Os últimos anos no garimpo foram marcados por conflitos, com dois grupos rivais querendo assumir a liderança das negociações. Afinal, o que está em jogo poderá render dividendos – e mudar a vida – de até 67 mil ex-garimpeiros. Este é o número de homens que poderiam ter direito à exploração de Serra Pelada, de acordo com os registros da Receita Federal.
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Os entraves, porém, não arrefeceram os ânimos das empresas interessadas na reabertura do garimpo. A canadense Aura Gold, em parceria com a brasileira Acimco, apresentou no início de novembro uma proposta que, até agora, é a que mais agrada aos garimpeiros.
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Os canadenses estão dispostos a construir uma vila para os moradores na região, indenizar pelos barracos de madeira os garimpeiros que preferem voltar para suas cidades de origem, pagar três salários mínimos para cada sócio da cooperativa durante o período de instalação dos equipamentos – estimado em oito meses – e dar aos garimpeiros 50% dos lucros com a futura exploração do ouro.
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Segundo os garimpeiros, que andam eufóricos com a proposta canadense, representantes da Phoenix Gems teriam informado que a companhia americana pode elevar a proposta original, chegando a US$ 500 milhões.
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O que motiva as empresas é a expectativa de que ainda exista muito ouro embaixo da imensa cava aberta na década de 80, hoje um lago. Todos comentam um estudo que teria sido feito pela Docegeo (antiga subsidiária da Vale) apontando mais de 20 toneladas só na lama do fundo do lago e mais 250 toneladas nos veios subterrâneos, abaixo do ponto onde os garimpeiros pararam de escavar. É mais do que as 100 toneladas extraídas manualmente nos anos 80.
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A Vale, porém, nega que tenha realizado esse estudo. “Tudo ainda precisa ser confirmado com pesquisa e vai depender dos resultados”, afirma Euvaldo de Almeida, proprietário da Acimco e representante dos canadenses nas negociações com os garimpeiros.
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Para confirmar o potencial da operação, a Aura Gold e a Acimco estão dispostas a colocar R$ 6 milhões em pesquisa. “Sabemos que tem ouro, mas precisamos saber quanto”, explica Almeida. Enquanto os investidores tentam amarrar um acordo, os garimpeiros correm para conseguir a outorga dos direitos minerários.
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Quando a Phoenix Gems fez a primeira oferta, a Cooperativa Mista dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) tinha pouco mais de 10 mil sócios ativos. No início de novembro, já eram 39 mil.
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A notícia de que a exploração do ouro pode finalmente ser retomada correu tão rápido quanto a da descoberta do ouro em janeiro de 1980. Calcula-se que perto de 100 mil homens chegaram a trabalhar no garimpo nos anos 80, embora a Receita registre apenas 67 mil.
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As negociações com os americanos foram o estopim de mais uma violenta disputa no garimpo, liderada pelo sindicato dos garimpeiros para afastar os antigos dirigentes da cooperativa, ligados ao militar reformado Sebastião Rodrigues de Moura, o “major Curió”, primeiro interventor do garimpo nomeado pelo ex-presidente João Batista Figueiredo.
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Ex-agente secreto do Serviço Nacional de Informações (SNI), Curió era idolatrado pela maioria no garimpo. Foi eleito deputado federal em 1982 com os votos dos garimpeiros. Uma área de 2,3 mil quilômetros quadrados no entorno de Serra Pelada virou um novo município no sul do Pará, em 1989, e foi batizada como Curionópolis em homenagem ao ex-deputado.
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Hoje, Curió é o prefeito desta cidade, pelo segundo mandato consecutivo. Mas está longe de ser o ídolo do passado. É acusado de defender interesses financeiros próprios e de uma minoria – os antigos donos de barrancos, os “investidores” ou “fornecedores” que ficavam com a maior parte do ouro encontrado pelos “meia-praças”, os que faziam o trabalho pesado.
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Em julho, um grupo de oposição tomou a direção da Coomigasp, impugnando a candidatura de um aliado de Curió e elegendo Valder Falcão como presidente, por aclamação da maioria da assembléia. Desde então, o clima é de tensão entre os grupos rivais.
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Em 12 de novembro, domingo em que a reportagem do Valor chegou a Serra Pelada, o Exército garantia a segurança na assembléia convocada para aprovar o novo estatuto da Coomigasp. “Não é fácil administrar os interesses de tantos homens”, desabafa o presidente Falcão. Sua estimativa é de que 10 mil garimpeiros, de diferentes partes do país, tenham voltado a Serra Pelada no fim de semana da assembléia.
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A assembléia decidiu que ex-garimpeiros poderão se recadastrar até 17 de dezembro. Até o fim do prazo, estima-se que o quadro de 39 mil sócios do início de novembro chegue a 45 mil. Podem se recadastrar quem conserva a “carteira amarela”, identificação que garantia acesso ao garimpo nos tempos da intervenção militar, ou conste do registro de sócios da Coogar, a primeira cooperativa, fundada em 1984. Um documento registrado em cartório com testemunho de dois sócios ativos que o reconheçam como garimpeiro de Serra Pelada também valerá.
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Mais complexa que a requalificação dos sócios e a aprovação do novo estatuto foi equacionar a questão financeira da Coomigasp. Seus precatórios somam R$ 180 milhões. Entre dívidas trabalhistas e faturas não quitadas de fornecedores, a lista de credores da Coomigasp tem 78 pessoas físicas e jurídicas. Sem uma solução para elas, a Coomigasp não pode receber a outorga dos direitos minerários.
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Depois de muitas consultas jurídicas, os garimpeiros decidiram criar o Complexo Cooperativo de Carajás, uma espécie de central que reúne todas as seis cooperativas de Serra Pelada. Assim todos os sócios de uma cooperativa poderão ser absorvidos no quadro social de outra. Na prática, isso significa que a outorga dos direitos minerários poderá ser feita para o complexo cooperativo ou para qualquer uma das cooperativas que conseguir cumprir as condicionantes impostas pelo Ministério de Minas e Energia.
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“É uma boa solução jurídica e política”, comenta o coordenador interministerial de Serra Pelada, Lourival Andrade. Há três anos, ele trabalha para a Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral tentando encontrar uma solução para o garimpo. “O que queremos é fazer justiça garantindo inclusão social.” O direito de lavra para os garimpeiros é promessa antiga de Lula, que esteve no garimpo nas campanhas de 1989 e 1994. Segundo Andrade, a visita de Lula não é invencionice dos garimpeiros. O assunto está em discussão na Presidência da República.
Ivana Moreira – Valor Econômico