O rei do carvão
14/10/08
Carlos de Faria, dono da maior mineradora de carvão do país, aproveita os problemas no suprimento de gás para lucrar no mercado de energiaPor Suzana Naiditch e Gladinston SilvestriniEXAME O empresário carioca Carlos de Faria costuma mostrar a quem visita a sede de sua empresa, a mineradora Copelmi, localizada num prédio antigo do centro histórico de Porto Alegre, uma foto tirada há 120 anos. Na imagem, a princesa Isabel inaugura um elevador construído para levar operários às galerias de uma das primeiras minas de carvão da empresa, no município gaúcho de Arroio dos Ratos. Naquela época, o negócio ainda não pertencia à família de Faria ? seu avô Ademar de Faria só colocou os pés na empresa em 1920. Como representantes da terceira geração à frente do negócio, Carlos e seu irmão, César, prevêem que a Copelmi ? a maior do setor, detentora dos direitos de exploração de jazidas carboníferas de 3 bilhões de toneladas, equivalentes a 40% das reservas conhecidas no Brasil ? está prestes a entrar em uma fase tão notável quanto aquela em que uma boca de mina atraía integrantes da família real brasileira. ?Neste ano vamos bater recordes de vendas?, diz Carlos de Faria. ?Em 18 anos trabalhando aqui, nunca vi nada igual. Agora, sim, vamos ser os reis do carvão.?A razão para o otimismo de Faria é uma perspectiva de recuperação da importância do carvão mineral ? uma fonte de energia cada vez mais condenada por seu potencial poluidor ? na geração de energia elétrica no país. Nos últimos dois anos, com a insegurança em relação ao fornecimento de gás da Bolívia, o carvão ressurgiu como alternativa para alimentar as caldeiras de indústrias do Sul e do Sudeste. A demanda por carvão aumentou em 44% desde 2002, o que fez o faturamento da Copelmi quase dobrar, para 160 milhões de reais neste ano. Os irmãos Faria estão envolvidos em alguns dos maiores projetos de ampliação do emprego do carvão no setor elétrico. O principal deles é a Seival Sul Mineradora, uma sociedade firmada no início da década com o empresário Eike Batista, dono do grupo MPX. A Seival fornecerá combustível a uma termelétrica que o MPX pretende construir a partir de 2009 na cidade gaúcha de Candiota. Os Faria também suprirão outra usina na mesma cidade, do grupo Tractebel, cujas obras devem se iniciar ainda neste ano.O mesmo movimento ? para horror dos ambientalistas ? tem se dado mundialmente, impulsionado pelo encarecimento do petróleo. O carvão já responde hoje por 42% de toda a energia gerada no planeta, e esse número deve atingir 46% na próxima década. No Brasil, as poucas usinas termelétricas que adotam o carvão como combustível somam uma capacidade de geração de apenas 1 400 megawatts ? menos de 2% do potencial de todo o sistema elétrico. Sua importância não vem da escala, mas da polêmica estratégia traçada pelo governo. No ano passado, as termelétricas trabalharam no limite máximo para poupar as represas das hidrelétricas e evitar o risco de apagão. A onda possibilitou que antigos projetos fossem tirados da gaveta e, agora, a previsão de construção de novas usinas a carvão indica que o parque de geração pode ser quadruplicado até 2015 ? boa parte dele no Rio Grande do Sul, na vizinhança da Copelmi.Nova perspectivaLevar adiante os novos negócios ocupa boa parte do tempo de Carlos de Faria, um economista de 54 anos, que vive em Porto Alegre desde 1990, quando a sede da Copelmi foi transferida do Rio de Janeiro. No Rio foi mantido um escritório onde trabalha seu irmão, César, um engenheiro de 64 anos e oficialmente o presidente da empresa. Duas vezes por semana, os irmãos se reúnem por videoconferência. ?Eu toco a cozinha, o dia-a-dia?, diz Carlos. Apesar de ele ter crescido no Rio de Janeiro, distante 1 500 quilômetros das minas, o carvão sempre fez parte de sua vida. Seu avô Ademar, um advogado que tinha participações em instituições financeiras, como o antigo banco Sulbrasileiro, começou a comprar cotas da Copelmi na década de 20, até assumir seu controle integral em 1948. O direito de exploração das minas vem sendo renovado ano a ano, sem limite de prazo ? como ocorre em qualquer empresa do setor de mineração, desde que o concessionário preste contas ao Ministério de Minas e Energia e demonstre que está cumprindo todas as regras legais. De 1996 a 1998, os Faria tiveram como sócia a britânica Rio Tinto, uma das maiores empresas internacionais de mineração. ?Naquela época, a Rio Tinto já acreditava que o carvão seria importante na matriz energética brasileira?, diz Carlos. Mas, como as regras do setor elétrico no país permaneceram incertas, a Rio Tinto saiu da sociedade. Nas últimas décadas, com a estagnação do parque de geração elétrica a carvão, a Copelmi vinha se dedicando mais ao fornecimento industrial, especialmente aos setores petroquímico, de celulose, de cimento e de alimentação. A empresa detém 80% desse mercado.A perspectiva que anima os irmãos Faria, de ver sua montanha de carvão se transformar em ouro, causa arrepios em quem enxerga nesse combustível um dos principais vilões ambientais. Segundo dados do governo dos Estados Unidos, a energia gerada pelo carvão emite 300 vezes mais dióxido de carbono do que a mesma quantidade produzida pela turbina de uma hidrelétrica. ?É uma irresponsabilidade pensar em aumentar a participação do carvão na matriz energética brasileira?, diz o professor Luiz Augusto Horta Nogueira, especialista em energias renováveis da Universidade Federal de Itajubá e ex-diretor técnico da Agência Nacional do Petróleo. ?Diante de todas as possibilidades de gerar energia no Brasil, que vão das reservas de gás natural do campo de Tupi ao bagaço de cana e à energia eólica, o carvão deveria ser a última das alternativas.?Apagar a péssima imagem que o carvão deixou no passado ? só na região da cidade catarinense de Criciúma as atividades das empresas carboníferas degradaram mais de 6 000 hectares de terras e 80% dos rios foram contaminados ? talvez seja o principal desafio dos produtores. Atualmente, as mineradoras catarinenses cumprem uma sentença da Justiça Federal e calculam já ter investido 7 milhões de reais na recuperação dos danos ambientais, boa parte deles gerada entre os anos 50 e 90. ?A tecnologia evoluiu muito e hoje o carvão é uma alternativa segura?, diz Faria, também presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Extração de Carvão Mineral. Segundo ele, após extrair o carvão do solo, a empresa recupera o terreno e a vegetação ? tem 1 100 hectares de área recuperada para 234 hectares degradados. Com o investimento para tornar a atividade mais limpa, os irmãos Faria esperam provar que o carvão é uma fonte confiável para suprir a energia de que o Brasil precisará para crescer. Historicamente, o carvão brasileiro ? pobre em calorias e rico em cinzas e impurezas, e por isso rejeitado pelas siderúrgicas, que preferem importar o insumo ? passou para o primeiro plano apenas nos momentos em que a energia ficou escassa. Foi assim durante as duas guerras mundiais e nos anos 70, com o choque do petróleo. ?Tudo indica que o carvão vai ganhar respeito?, diz Carlos de Faria. ?Agora que o vento está a favor, vamos recuperar o tempo perdido.?
Portal Exame