O jogo ficou pesado para a Vale
26/07/07
A palavra frenzy, em inglês (ou “frenesi”, em português), é a expressão da moda no mundo dos negócios para definir o entusiasmo do mercado com as cifras estratosféricas e o ritmo alucinado que as fusões e aquisições têm atingido. Operações de várias dezenas de bilhões de dólares, antes raras e complicadas de realizar, são cada vez mais freqüentes. No último dia 12, esse frenesi tomou o próspero mundo da mineração, com a oferta de 37 bilhões de dólares da australiana Rio Tinto pela canadense Alcan, a terceira maior produtora de alumínio do mundo. A oferta, praticamente imbatível, deixou uma vítima pelo caminho: a americana Alcoa, a segunda maior do mundo, que havia feito uma proposta de 27 bilhões pela Alcan em maio. Como é comum nesses casos, ao desistir da Alcan, a Alcoa — empresa que poucos anos atrás dificilmente seria vista como alvo — imediatamente entrou na mira de outros compradores, por estimados 50 bilhões de dólares. Entre as possíveis candidatas à compra estão a australiana BHP Billiton (com valor de mercado de 200 bilhões de dólares) e a brasileira Vale do Rio Doce (120 bilhões de dólares). A especulação faz sentido, uma vez que há crédito jorrando no mercado internacional e boa vontade no mercado com grandes negócios. …………………………………………………………………………………………………………………………………….O dilema da empresa A onda de compras da mineração mundial colocou a Vale diante de duas alternativas arriscadas Primeira alternativa Entrar no jogo e disputar a compra da Alcan ou da Alcoa Segunda alternativa Não entrar na disputa Vantagens A empresa se tornaria uma gigante em alumínio, seguindo adiante em sua estratégia de diversificação; A opção preserva a saúde financeira da companhia, que ainda assimila a compra da canadense Inco, no ano passado Riscos O valor de mercado das empresas é alto.AVale ficaria endividada demais e poderia perder valor de mercado; AVale ficaria pequena diante das rivais Rio Tinto e BHP e poderia se tornar uma presa na onda de consolidação no setor …………………………………………………………………………………………………………………………………….O que o brilho das fusões ofusca é que o jogo pode estar ficando pesado demais, mesmo para uma gigante como a Vale. A escolha que os executivos têm diante de si é a seguinte: crescer endividada ou perder peso em relação aos concorrentes, tornando-se mais vulnerável. Uma mostra disso aconteceu durante o próprio processo de venda da Alcan. Embora não admitam oficialmente, os principais executivos da Vale não só avaliaram a possibilidade de comprar a empresa como chegaram a desenhar uma proposta superior aos 27 bilhões oferecidos pela Alcoa, imaginando que seria suficiente. Mas, segundo um interlocutor desses executivos ouvido por EXAME, foram surpreendidos pela “agressividade” da proposta da Rio Tinto e decidiram não se envolver em um leilão. “Não é questão de ter ou não bala na agulha, mas sim de decidir não fazer bobagem com as finanças”, diz esse interlocutor. Tradução: embora pudessem ter o crédito necessário, os executivos da Vale acharam que a Alcan havia ficado cara demais. Não seria bom negócio, segundo esse raciocínio, endividar-se para cobrir a oferta da Rio Tinto. A Vale ainda digere a compra, em outubro de 2006, da também canadense Inco, líder mundial em níquel, por 18 bilhões de dólares. E, apesar de ter sua dívida toda renegociada, teme ser malvista pelas agências internacionais de risco e acabar punida com a perda do grau de investimento — atestado de boa pagadora que garante juros baixos no mercado internacional. Os executivos da Vale ainda avaliam a viabilidade de uma oferta pela Alcoa, mas adotam uma posição de cautela. “O mercado penaliza quem vira um gigante abobalhado, com dificuldade para se mexer. É preciso tomar cuidado com isso”, afirma Tito Martins, diretor de assuntos institucionais da Vale, que nega tanto o interesse da empresa na Alcan como na Alcoa. “A Vale não descarta fazer aquisições no futuro, mas não há nada definitivo a respeito agora.” A declaração protocolar não contempla a complexidade do momento. A compra da Alcoa, com faturamento de 30,4 bilhões de dólares e produção anual de 3,5 toneladas, poderia transformar a Vale do Rio Doce, que já é a maior produtora de minério de ferro e de níquel do mundo, também na líder mundial em alumínio. Hoje, a produção de alumínio representa pouco mais de 10% dos 20 bilhões de dólares que a Vale fatura por ano. Como em muitos negócios, na mineração os ganhos de escala são essenciais, e por isso um dos objetivos declarados do planejamento estratégico da Vale é ser a maior mineradora do mundo. Ao lado do minério de ferro e do níquel, o alumínio é um dos metais de maior liquidez no mercado. Mesmo com uma performance abaixo da média, com preços estáveis há meses, existe grande expectativa de valorização do metal no futuro. O PROBLEMA É QUE, CASO A VALE compre a Alcoa, terá de absorver unidades dedicadas a todas as etapas de produção, não apenas a área de mineração de bauxita, a matéria-prima do alumínio. A Alcoa é uma empresa que atua em todo o processo de fabricação, dos lingotes às chapas usadas para fazer latas, material de construção e peças de avião. São divisões consideradas muito grandes, pouco eficientes e fora do foco da Vale. Uma alternativa seria dividir os 50 bilhões de dólares a ser pagos pela Alcoa com algum parceiro que ficasse com as fases finais de produção ou, então, vender essas divisões o mais rápido possível. Mesmo assim, ainda sobraria algo como 20 bilhões para a Vale, que chegaria a dobrar seu índice de endividamento. “Não é que a Vale não possa se endividar. Depende de para que e como ela faria isso. Se adotar uma estratégia muito perigosa, o mercado vai avaliar mal”, diz Rodrigo Ferraz, analista de mineração da Brascan. Nesse aspecto, a melhor aposta era mesmo a Alcan. A empresa é considerada a mais competitiva do mundo em alumínio — vantagem conquistada por ter acesso a energia extremamente barata no Canadá. Não à toa os executivos do setor chamam o alumínio de energia em barra, uma vez que o custo da energia pode representar até metade do preço final do produto. Justamente para ganhar escala e reduzir custos, Alcoa e Alcan passaram os últimos oito anos fazendo aquisições. O mundo das grandes fusões, no entanto, não é feito só de números e lógica empresarial. Em jogo, além do futuro das empresas e de seus funcionários, está a reputação de grandes executivos — figuras como o presidente da Alcoa, Alain Belda, uma estrela do mundo corporativo. Marroquino naturalizado brasileiro, Belda está na Alcoa desde 1979. Visto como o responsável pelos sucessos — e fracassos — da empresa até hoje, ele enfrenta agora o momento mais difícil de sua carreira. “Ter perdido a Alcan foi a pior coisa que poderia acontecer a Alain Belda. Agora ele vai ter de enfrentar um bom período de turbulências até conseguir superar seu erro de estratégia”, diz um analista de um banco de investimentos. O período de turbulências já começou. No dia seguinte ao anúncio da venda da Alcan para a Rio Tinto, as ações da Alcoa subiram 4,5%. O movimento refletia a expectativa de que a empresa fosse alvo de uma oferta que, segundo os jornais, estava sendo preparada pela BHP Billiton (no mesmo dia, as ações da BHP caíram 1%). Pouco depois, novas notícias davam conta de que a BHP não faria mais oferta alguma. As ações da Alcoa caíram 4% num único dia, e as da BHP subiram 4%. “A ordem agora é fazer a Alcoa sangrar”, diz um executivo do setor. A Vale pode até não entrar nessa disputa agora, como sustentam seus executivos. Ao fazer isso, a empresa preservará suas finanças, mas passará a ser a terceira, e não mais a segunda maior do mundo em mineração. Além disso, mesmo tendo conseguido, com a aquisição da Inco, reduzir sua dependência do minério de ferro, a Vale perderia a chance de diversificar ainda mais seus negócios e surfar em mais ondas do chamado superciclo das commodities. Ainda é possível, por exemplo, crescer em cobre e carvão. “Hoje há essa mania de achar que é obrigatório comprar empresas para mostrar que é competitivo. E não é assim. Temos uma carteira de projetos absurda e estamos crescendo a um ritmo bom”, diz Tito Martins. A Vale tem planos de investir mais de 30 bilhões de dólares nos próximos três anos no desenvolvimento de áreas próprias. Ainda assim, oportunidades como a compra da Alcan ou mesmo da Alcoa não aparecem todos os dias. Segundo os observadores ouvidos por EXAME, a onda de consolidação no setor ainda está longe do final. “Sempre haverá oportunidades, mas os bons negócios só serão fechados a preços cada vez mais altos”, diz Felipe Hirai, analista do banco Merrill Lynch. Ou seja, o jogo continuará a ficar cada vez mais pesado, e a Vale vai ter de estar preparada para enfrentá-lo.
Exame