MST é impedido de atacar Vale
20/03/08
Justiça do Rio concede liminar à empresa para impedir sem-terra de promover ações que interrompam as atividades da companhia. Líder do MST João Pedro Stédile, porém, afirma que movimento não recuará
Wilton Junior/AEJoão Pedro Stédile, em Aula Magna na UFRJ: ?A Vale está desesperada?Rio de Janeiro ? Preocupada com possíveis novos ataques do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) as instalações da empresa, a Vale conseguiu, na 41ª Vara Cível do Rio de Janeiro, uma liminar que impede os camponeses e um de seus líderes, João Pedro Stédile, de ?incitar a prática de atos violentos contra as instalações (da Vale), bem como de ?promover ações que importem na interrupção de suas atividades, sob pena de multa de R$ 5 mil por cada ato violento ou interrupção?. O pedido de liminar foi feito pela Vale sob a alegação de que o MST, liderado por Stedile, vem promovendo investidas violentas, causando a interrupção de atividades da companhia e significativos prejuízos, além de danos à imagem corporativa. Em nota, o MST afirmou que ?os diretores da Vale devem ficar preocupados com a decisão do plenário do Tribunal Regional da Justiça Federal, de dezembro de 2005, em Brasília, que sentenciou pela anulação do leilão de privatização da mineradora, acolhendo um dos 107 processos (entre ações populares, ações civis públicas e mandados de segurança) que ainda correm na Justiça?. Para os sem-terra, a Vale ?deveria trabalhar para resolver os problemas sociais e ambientais das áreas onde está instalada, prejudicando comunidades em Minas Gerais, Maranhão e Pará, em vez de criar obstáculos para a realização de manifestações legítimas que fazem parte da democracia?. Aula magna Numa surpreendente aula magna, como convidado especial do reitor Aloísio Teixeira na abertura do ano letivo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Pedro Stédile, ideólogo e dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirmou que o movimento mudou sua estratégia no governo Lula e que, ao contrário da ?reforma agrária clássica?, a ordem agora é afetar o trabalho de unidades de multinacionais em setores como transgênicos e agronegócios. ?Percebemos que nossos inimigos principais agora são as empresas transnacionais. Enquanto houver um sem-terra respirando, vamos lutar para expulsar do país todas as empresas transnacionais que nos exploram na agricultura?, disse Stédile, aplaudido de pé por uma platéia de cerca de 200 alunos e professores, no auditório do Roxinho, no câmpus da Ilha do Fundão. Na Aula Magna, intitulada ?Terra, saberes e democracia?, Stédile negou-se a falar de ações planejadas para um ?abril vermelho? de invasões e disse que não recuará mesmo diante da decisão da 41ª Vara Cível do Rio de Janeiro. Ele chamou a medida de ?idiotice? e ?ditatorial? e disse que a Vale está ?desesperada?. Inimigas ?Eles vivem com essa paranóia porque têm culpa no cartório. Deveriam contratar um especialista em movimento social para entender que o povo só se mexe quando há uma causa. Eles que tentem entender porque o povo do Pará, vira e mexe, pára o trem?, disse Stédile, que durante sua palestra mapeou os principais alvos do MST e de sua irmã de invasões, a Via Campesina, também controlada por ele. Tanto quanto os latifúndios, agora as multinacionais de transgênicos Monsanto, em São Paulo, e Syngenta, no Rio de Janeiro, a mineradora Vale do Rio Doce, no Pará, a Aracruz Celulose, no Espírito Santo, e as unidades da Stora Enso e Bunge & Born no sul do país também são ?inimigas?. Outras integrantes da lista negra do MST são empresas como Votorantim, Cargill, Du Pont e Bayer que, segundo Stédile, ?agridem o meio ambiente e os direitos dos trabalhadores?. No início de mês, mulheres da Via Campesina ocuparam uma unidade de pesquisa biotecnológica da empresa americana Monsanto e destruíram um viveiro e o campo experimental de milho transgênico, em Santa Cruz das Palmeiras, no interior de São Paulo. Em 2006, integrantes da Via Campesina destruíram o horto florestal da empresa Aracruz Celulose, em Barra do Ribeiro, no Rio Grande do Sul. Lula poupado Alternando bom humor com críticas ferinas, Stédile só evitou críticas mais pesadas ao governo Lula. O que me dá dó no Lula é que nem ele tem consciência do papel que tem?, desdenhou o líder do MST, dizendo que é muito simplista personalizar culpados. Ele defendeu a volta de grandes mobilizações de massa no país, lamentando que a última delas tenha sido a greve dos petroleiros em 1995. Ele criticou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a quem chamou de ?calhorda a serviço do banco de Boston? (Meirelles foi presidente mundial do BankBoston) e disse que concordava com o jurista Fábio Konder Comparato, para quem Fernando Henrique Cardoso cometeu crime de lesa-pátria ao vender a Vale do Rio Doce. Stédile defendeu ?prisão perpétua? para o ex-presidente ou que ele seja ?assentado num lote na Amazônia?. Na aula magna, reservada pela UFRJ para pessoas com ?notória responsabilidade nos meios culturais e acadêmicos?, o economista Stédile falou da questão fundiária no país desde o Brasil colônia até o governo Lula. Citando intelectuais como Josué de Castro, Milton Santos, Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Caio Prado Jr. e Paulo Freire, Stédile disse que a burguesia brasileira abandonou suas idéias nacionalistas e que cabe agora aos movimentos sociais resistir à invasão multinacional. Stédile ainda agradeceu ao reitor Aloísio Teixeira pela ?coragem? de tê-lo convidado. ?Espero que não atrapalhe sua carreira acadêmica?, brincou. O reitor disse que a UFRJ quer criar um centro de estudos para movimentos sociais e elogiou o empenho do líder do MST de educar os integrantes do movimento. Hoje o MST tem 2.862 estudantes na universidades brasileiras, 180 fazendo mestrado e doutorado, todos ?filhos de assentados?, segundo Stédile. A parceria UFRJ-MST já garante um curso de especialização em filosofia para líderes sem-terra, que já está na segunda turma. Empresa tem medo de novas açõesCarlos Eller/Especial para o EMOcupação da Estrada de Ferro Vitória-Minas, em 10 de março: Vale teme repetição de ataques em abrilBeneficiada com uma liminar da Justiça que impede ataques do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a suas propriedades, a Vale prepara-se para uma nova possível manifestação, que estaria marcada para o dia 7 de abril em Parauapebas (PA), por onde passa a Estrada de Ferro Carajás. A ferrovia liga a cidade paraense, dona da maior jazida de minério do mundo, a São Luís (MA). De acordo com o diretor de Meio Ambiente e Projetos Institucionais da empresa, Walter Cover, a Vale trabalha com informações de que os manifestantes podem usar de violência contra o patrimônio, conforme ocorreu na semana passada na Estrada de Ferro Vitória-Minas, em Resplendor, a 445km de Belo Horizonte. No dia 11, integrantes do MST e da Via Campesina paralisaram a ferrovia e foram acusados de danificar trilhos e impedir a saída do maquinista do trem. ?Estamos certos de que vai haver ocupação em Parauapebas. Já avisamos as autoridades e esperamos que o estado aja rapidamente?, diz. Por meio da assessoria de imprensa, o movimento negou qualquer ação em Parauapebas em abril ? tradicional mês de manifestos por causa do massacre de Eldorado de Carajás ? e afirmou que se trata de uma ?especulação da Vale, como forma de intimidar os trabalhadores e moradores do local?. Cover acredita que a empresa, alvo de oito ocupações nos últimos oito meses, sirva de bode expiatório para o movimento negociar suas bandeiras de luta com os governos estaduais e federal. ?Somos objeto de uma luta política e ideológica. Com as ocupações, o MST consegue espaço na mídia, consegue negociar com o governo. Mas nós não vamos negociar com o MST?, avisa. No Pará, a Vale investiu US$ 4 bilhões em 2007. A previsão da empresa para os próximos quatro anos é investir mais US$ 20 bilhões somente no estado, com a contratação de 35 mil trabalhadores. Citada por João Pedro Stédile na aula magna ministrada ontem na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Monsanto manifestou-se, em nota, sobre as ofensivas do movimento contra a transnacional: ?A Monsanto lamenta que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se dedique a combater e destruir pesquisas com plantas geneticamente modificadas no Brasil. O segmento de pequenos agricultores é um dos que mais poderia se beneficiar da biotecnologia, como já têm demonstrado os exemplos do Brasil no exterior?. Editora: Ana Paula Macedo// ana.paula@correioweb.com.brSubeditores:Lourenço Florese-mail :lourenco.flores@correioweb.com.brHumberto Rezendee-mail :humberto.rezende@correioweb.com.brTels. 3214-1172
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