Mineradoras cavam (muito) mais fundo em busca de ouro
17/02/11
Com a escassez de novas jazidas mundiais de ouro que podem ser transformadas em minas lucrativas, as mineradoras de ouro da África do Sul planejam agora cavar mais fundo que nunca para conseguir explorar os veios mais ricos.
Os planos geram questionamentos sobre como produzir com segurança e lucro vários quilômetros abaixo da superfície. Ter sucesso nessa empreitada implica superar problemas como possíveis desabamentos de rochas, alagamentos e problemas de ventilação, bem como projetar tecnologias para lidar com esses riscos.
Mark Cutifani, diretor-presidente da AngloGold Ashanti Ltd., tem no escritório uma foto sua num dos locais mais profundos da África, a cerca de 4.000 metros abaixo da superfície, numa mina da empresa chamada Mponeng, ao sul de Joanesburgo. Cutifani não vê nenhum motivo para que Mponeng, que já é o mais profundo complexo de mineração do mundo, não possa com o tempo operar outros 1.000 metros mais ao fundo.
“O maior desafio para todos nós na África do Sul são a profundidade e o esgotamento das reservas”, disse Cutifani numa entrevista.
A mineração em grandes profundidades não é fácil nem agradável. Quanto mais profunda a mina, maior o risco de terremotos subterrâneos, desabamentos, vazamentos de gás e alagamentos. E, para os trabalhadores, as condições ficam cada vez mais desconfortáveis por causa do calor e dos espaços apertados..
A África do Sul está na vanguarda da mineração em grande profundidade. Enquanto a Mponeng chega a 4.000 metros, a mina da Agnico-Eagle Mines Ltd. no noroeste da província canadense de Quebec, a LaRonde, uma das mais profundas fora da África do Sul, opera a cerca de 2.200 metros de profundidade. Em nenhum outro lugar as minas são tão profundas quanto na África do Sul, e as lições aprendidas no país com as tentativas de outras empresas de estender a vida útil das jazidas serão aplicadas mundialmente, não apenas para o ouro mas para outros minérios obtidos das entranhas do planeta.
A África do Sul, antes líder, começou a perder posições no ranking mundial de produção de ouro em 2006 e continua caindo, porque as mineradoras já esgotaram as jazidas de alta pureza de suas minas. O país caiu ainda mais em 2009, dessa vez para quarto, depois da China, dos Estados Unidos e da Austrália, e executivos locais preveem que a tendência continuará. As duas maiores mineradoras de ouro do país, a AngloGold e a Gold Fields Ltd., têm planos de reagir e manter o nível de produção nos próximos anos ? com minas cada vez mais profundas e extensas.
Segundo as empresas, a AngloGold produziu 4,599 milhões de onças troy (143.000 toneladas) em 2009. A Gold Fields produziu 3,497 milhões de onças troy no ano fiscal encerrado em junho de 2010. A canadense Barrick Gold Corp. é a maior mineradora de ouro do mundo, tendo produzido ano passado 7,42 milhões de onças troy.
A produção de ouro da África do Sul caiu 5,8% em 2009, para 204.922,8 quilogramas do metal, segundo a associação setorial Câmara das Minas da África do Sul.
Mas Nicholas Holland, diretor-presidente da Gold Fields, segue otimista. “A indústria de mineração de ouro da África do Sul tem futuro; temos sido pessimistas demais”, diz ele.
Mas a mineração na África do Sul em geral tem enfrentado problemas com alta dos custos, operários sindicalizados exigindo reajuste de dois dígitos e a elétrica estatal liberando aumentos médios de 25% por ano desde 2007 nas tarifas cobradas de empresas e residências. Para as mineradoras sul-africanas de ouro, a valorização do rand, a moeda local, que subiu quase 10% em relação ao dólar em 2010 e mais de 30% entre 2008 e 2010, também anulou parte da alta na cotação do ouro em dólar, que subiu cerca de 25% ano passado.
A África do Sul não é a única a enfrentar problemas, diz Holland. “A cotação do ouro dobrou em quatro anos, mas, mundialmente, a indústria estagnou e luta para substituir as jazidas.”
Para a AngloGold e a Gold Fields, respectivamente a terceira e a quarta maiores produtoras do metal no mundo, isso significa adquirir ativos em outras partes da África, na América do Sul e em outras regiões quando surgem oportunidades. E também buscar novas maneiras de produzir ouro nas jazidas que já têm em seu próprio país.
Nem toda mina de ouro pode operar cinco quilômetros abaixo da superfície, como a AngloGold quer fazer, mas Cutifani criou uma equipe de especialistas de 30 empresas, como a General Electric Co. e a 3M Co., para pesquisar tecnologias que permitam aos operários da Mponeng minerar a essa profundidade. O que a equipe da AngloGold aprender pode ser então aplicado em outras minas.
Peter Major, analista da Cadiz Corporate Solutions, divisão da administradora de fundos Cadiz, de Cape Town, diz: “Se você estivesse abrindo uma nova mina e dissesse que planeja produzir a essa profundidade, os investidores nem iam querer ouvi-lo. Mas a AngloGold tem as minas e já produz a 4.000 metros, então a situação é diferente”.
Cavar ainda mais fundo em Mponeng provavelmente será um projeto de cinco anos ou mais, mas, se for bem-sucedido, dará à mina mais 20 ou 30 anos de vida útil a um custo baixo, diz Cutifani, da AngloGold.
Major diz que a AngloGold levou analistas para visitar minas como a Mponeng, para mostrar a viabilidade de produzir a profundidades crescentes. “Se cavarmos outros 1.000 metros ou mais, os ativos da AngloGold provavelmente valerão mais do que o estabelecido pelo mercado agora”, diz ele.
A empresa está envolvida no desenvolvimento de novas tecnologias e métodos de mineração e Cutifani diz que suas descobertas poderão ser aplicadas em todas as minas profundas.
“Há outras 100 milhões de onças troy [de ouro] em nossas áreas, e estamos pensado agora em como chegar até elas”, diz Cutifani. “É um tesouro grande demais para ser abandonado. Mesmo que a cotação do ouro fosse menor, ainda faríamos isso.”
O maior sindicato do país, a União Nacional de Mineradores, tem se manifestado bastante sobre o que afirma ser o alto índice de fatalidade das minas do país, apesar da melhora contínua dos últimos anos. Números do governo mostram que 128 mineiros morreram no trabalho no ano passado, ante 168 um ano antes e 684 em 1990.
Gideon du Plessis, vice-secretário geral do sindicato Solidariedade, diz que a AngloGold garantiu que toda a mineração abaixo de 4.000 metros será totalmente mecanizada e terá poucos mineiros, para minimizar o perigo, e que nenhum emprego será eliminado por causa disso.
Major, da Cadiz, que passou mais de uma década em mineradoras antes de se tornar analista, continua um pouco desconfiado. “Não tenho certeza qual será o benefício da mecanização [a essa profundidade], mas qualquer mecanização ajuda.”
The Wall Street Journal