Mineradora "engole" vilarejo na Grande BH
19/06/09
O pequeno povoado Souza Noschese, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), passará a existir apenas na memória de quem já esteve no lugar. Depois de décadas de história entre o Rio Paraopeba e os trilhos da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), hoje MRS Logística, as cerca de 20 casas estão sendo derrubadas para dar lugar ao progresso. Mesmo com a crise mundial e a depreciação do preço do minério de ferro, a mineradora Ferrous Resources do Brasil e o Terminal Serra Azul (TSA), controlado pela Minerita, vão ampliar sua atuação no Quadrilátero Ferrífero e precisam da área ocupada pelo vilarejo. Resultado: compraram praticamente todas as casas no local.
As duas últimas famílias que ainda resistem são as da aposentada Dalzira Gonçalves Dias, 69 anos, e do operador de transporte Celso Ferreira Araújo, 48 anos. Conhecida como dona Nina, Dalzira quer deixar para trás a poeira de minério e os tremores que os caminhões e tratores provocam ao passar pra lá e pra cá durante o dia, a noite e a madrugada ? e já aceitou a oferta das empresas. Por outro lado, suspira ao pensar que não pescará mais nas águas do Paraopeba. ?Quero sair, mas não vai ser fácil começar de novo?, disse. Natural de Jequié (Bahia), com sete filhos, 37 netos e oito bisnetos, ela conta que mudou para a região ao se casar, há 50 anos.
O marido morreu em um acidente de trabalho. Para manter a casa de cinco cômodos, dois cachorros e ainda cuidar da tireoide que a levou a conviver com uma traqueostomia, dona Nina conta somente com o dinheiro da aposentadoria. O rendimento é pouco para recomeçar. ?Me pagaram pouco mais de R$ 30 mil. Comprei uma casa em Mário Campos. Estou para mudar. Meus gastos vão aumentar. Não pagamos água aqui e não terei mais peixe para o almoço e o jantar?, lamenta, ao observar, da poltrona colocada na porta de casa, os poucos dias que lhe restam no Souza Noschese.
Araújo, casado e pai de quatro filhos, é o único que ainda não vendeu a casa aos empresários do minério. ?Me ofereceram R$ 45 mil. Mas, com esse valor, não consigo comprar nada. Criei meus filhos com sacrifício. Não vou sair daqui para um barraco de favela?, afirmou. Com esse valor, não conseguirá comprar uma casa com um rio no quintal como hoje, onde pesca curimba e até cascudo. Sem contar o pomar, com pés de manga, mexerica, laranja, acerola, limão e banana. Foi depois de se casar que ele também chegou ao Souza Noschese. Nasceu em Teófilo Otoni (Vale do Mucuri), veio criança para Belo Horizonte e cresceu no Jóquei Serra Verde (Venda Nova). ?Minha paixão é domar e treinar cavalos para corrida. Ganhei muitos prêmios aqui e fui para o Rio de Janeiro. Mas conheci minha mulher e vim viver com ela aqui. Será muito complicado viver em outro lugar?, disse.
Entulhos e fantasmas
Dos vizinhos, sobraram entulhos e construções fantasmas. Parte das casas vendidas à Ferrous darão lugar ao projeto de captação de água da empresa, que adquiriu, no local, a Mineradora Esperança ? nome que hoje soa de forma irônica aos dois últimos moradores da vila. Aquelas compradas pelo TSA darão espaço à infraestrutura de transporte do terminal, que traz minério de ferro de diferentes siderúrgicas, como ArcelorMittal e Usiminas, para carregamento nos vagões da MRS rumo ao litoral.
Para o economista do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Antônio Lannes, os projetos são um sinal positivo e uma aposta acertada na recuperação do setor. Em razão da crise, os aportes para os próximos cinco anos, em todo o país, caíram de US$ 57 bilhões para US$ 47 bilhões. Mas agora já há indícios de recuperação, como os volumes de exportação. Segundo Lannes, a média diária de exportação, que era de 25 milhões de toneladas de janeiro a outubro de 2008, caiu para 15 milhões no auge da turbulência econômica e, agora, voltou para 19 milhões. ?Saímos do fundo do poço?, avalia. Pode ser. Mas Souza Noschese virou, tal como a Itabira de Carlos Drummond de Andrade, apenas um retrato na parede.
Estado de Minas