MINERAÇÃO: ALÉM DA QUEDA, O COICE…
27/11/08
Rodolpho Tourinho Neto*
;
O cenário econômico internacional revela, a cada dia, aspectos de tenebroso pesadelo. Ninguém assume, com um grau mínimo de responsabilidade, qualquer previsão otimista até para um futuro próximo. Há, por isso mesmo, uma convergência sombria de políticos responsáveis e economistas de diferentes escolas quanto ao aprofundamento da atual crise que muitos já consideram pior que o crack de 29.
Governos de importantes países ? em alguns casos com o expresso apoio dos respectivos congressos ? adotam medidas estimuladoras da atividade produtiva, visando a amortecer os nefastos reflexos, sobretudo sociais, dessa crise sobre o mercado de trabalho. Não obstante esses esforços, já se contam em milhares as legiões de desempregados nos países desenvolvidos da América, Europa e Ásia.
A essa altura já não é mais a crise de crédito o fator de maior preocupação para os governos dessas nações. É a dramática redução de preços e da demanda de vários produtos, sobretudo as commodities. Esse encolhimento do mercado atinge em cheio países como o Brasil, cuja balança comercial repousa muito nessas matérias-primas. Os preços caem, enquanto os volumes exportados já vão se reduzindo.
Nesse contexto, produtos como o minério de ferro ? que ocupa posição de liderança em nosso comércio exterior ? e o aço sofrem diretamente os efeitos dessa retração de demanda. Exemplo disso é a recente decisão da Vale de diminuir em 30 milhões de toneladas (cerca de 10% de sua produção total) a atividade de suas minas em território mineiro. Além disso, a empresa ? que é líder mundial em minério de ferro ? teve de desistir de um pedido de reajuste de 12% no preço de seu produto vendido a clientes asiáticos. Em outubro, a China, seu melhor cliente, reduziu a produção de aço em 7,1 milhões de toneladas em relação a setembro. Alguns analistas antecipam que, em 2009, ao invés de um aumento de 20%, nosso minério poderá sofrer uma redução de preço de até 40%. Quanto ao aço, a produção nacional já foi menor 0,1% em outubro, indicando uma tendência altamente preocupante para o setor siderúrgico.
O governo Lula ? que a princípio tentou minimizar a gravidade da crise ? logo se deu conta de que o quadro atual já é suficientemente grave para deixar para mais tarde providências fiscais, tributárias e outras que visem a proteger a economia brasileira dos efeitos devastadores que a crise já vem causando em vários países do mundo. Expansão do crédito, maior disponibilidade de divisas para o mercado de câmbio, ampliação dos prazos de pagamento de certos tributos, afora outras, têm sido algumas dessas medidas que, por sinal, têm contado com a louvável participação do próprio Banco Central.
É precisamente nesse contexto, já de si bastante conturbado, que tramita na Câmara dos Deputados o há muito anunciado projeto de reforma tributária, através da respectiva PEC enviada pelo presidente Lula. Os objetivos centrais claramente definidos pelo Executivo com esse projeto de emenda seriam a simplificação dos tributos, a criação de um imposto de valor agregado federal, o IVA-F, a unificação das 27 diferentes legislações estaduais do ICMS e o fim da guerra fiscal entre os estados, que tantas distorções provoca na economia do país, sem que o atendimento a esses objetivos viesse propiciar aumento de arrecadação.
Entretanto, essa reforma ? se afinal vier a ser aprovada ? não deveria aumentar a já elevadíssima carga tributária do país. Este foi um item importante sempre colocado pelo governo ao longo de inúmeras negociações com os setores produtivos. O próprio relator do projeto de reforma, o deputado Sandro Mabel, na comissão especial presidida pelo deputado Antônio Palocci, tratou de criar uma trava ao crescimento da arrecadação no seu relatório final. Certamente atendeu aos anseios de todos os brasileiros, cansados de pagar impostos excessivos. Mas não foi coerente, pois no setor industrial ? o da mineração ? ignorou aquele compromisso, ao propor aumentar em 50% (passa dos atuais 2% para 3%) a alíquota da CFEM sobre vários minerais.
Mas ainda não é o pior. O deputado Sandro Mabel, atendendo possivelmente a setores governamentais que viram no aumento da CFEM uma possibilidade de aumentar, no curto prazo, receitas estaduais, propõe uma radical mudança na base de cálculo daquela contribuição financeira. Ele sugere que a CFEM seja calculada não mais ? como é hoje ? sobre o faturamento líquido, mas sobre o bruto. Se for aprovada essa alteração, e considerando apenas um grupo dos principais minérios, a incidência da CFEM aumentaria em cerca de 96%. Em certos segmentos, como mármore e granito, a elevação poderá atingir a marca dos 1.000%!!!;;;;;
Como seu parecer cria um novo artigo no corpo da Constituição (o 20º) que, por isso, exige posterior regulamentação, ele simplesmente propõe que todas as alterações entrem logo em vigor após sua aprovação pelo Legislativo, mesmo sem a indispensável regulamentação do texto.
A mineração chegará ao final deste ano como diretamente responsável por algo próximo de 50% do saldo da balança comercial do país. Evidentemente, se tal despropósito viesse a ser admitido pelos parlamentares, essa liderança da mineração fatalmente cairia, em decorrência de sua inevitável e progressiva perda de competitividade.
Os países mineradores do mundo reconhecem que a atividade mineradora é altamente criadora de empregos, divisas e outros impostos normalmente cobrados das demais empresas. Nada de sobrecarga específica sobre um setor tão importante, que venha abalar sua competitividade no mercado mundial.
Não há como negar a incoerência no relatório aprovado pela Comissão Especial da Câmara, aumentando a carga tributária do setor mineral, que não havia sido objeto da proposta original do Executivo, da qual não constava qualquer alteração no atual critério de cobrança da CFEM.; Com a alteração introduzida no projeto original, o setor mineral sofre um castigo perverso. Assim, a mineração, além da queda já representada pelos menores preços de seus produtos exportados e pela redução da demanda, receberá o coice da redução em sua rentabilidade. Difícil sobreviver a tantas estocadas internas e externas.
Já bastam as pesadas nuvens que pairam sobre o horizonte da economia brasileira para que atitudes infelizes com esta ? se aprovadas pelo Legislativo ? venham agravar ainda mais as dificuldades com que já se defrontam vários setores produtivos do país. O que se espera, por isso mesmo, é que a maioria dos parlamentares tenha suficiente dose de bom senso e espírito realmente republicano para rejeitar mais um inconcebível aumento de carga tributária.
;
* O autor é ex-ministro de Minas e Energia e ex-senador pela Bahia.
;