Investimento foi adiado, não cancelado, diz Coutinho
04/05/09
A crise no Brasil, ao contrário do desenho de um “U” longo que deve marcar a economia dos países mais desenvolvidos, terá um movimento semelhante a um “V”. A diferença entre as duas pernas será a velocidade. No lugar da queda abrupta que marcou a entrada do país na crise no último trimestre do ano passado, a retomada virá mais lenta. Mas já começou, segundo avaliação do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho. Para ele, quatro pilares marcam a diferença do Brasil com o restante do mundo: o mercado interno, os investimentos em infraestrutura, a cadeia de petróleo e gás (animada pelo pré-sal) e a construção residencial (que vinha forte e foi favorecida pelo Minha Casa, Minha Vida).
Coutinho não teme que a queda no ritmo dos investimentos produtivos (a formação bruta de capital fixo caiu 9,8% no último trimestre do passado em relação ao terceiro, na série com ajuste sazonal, situação que deve se repetir no primeiro trimestre deste ano, ainda que em menor intensidade) seja um empecilho à retomada mais forte da economia brasileira no futuro. “As empresas postergaram projetos, mas eu não tenho notícias de cancelamento de investimentos. A desistência ocorre diante de uma perspectiva de recessão prolongada, mas quando a perspectiva de retomada está colocada, eles ficam à espera”, pondera Coutinho, acrescentando que esta é sua leitura da posição da indústria brasileira. E seu argumento está nos números do BNDES: o estoque de projetos já enquadrados pela instituição (segunda etapa do processo de financiamento) soma R$ 146 bilhões, sem contar os R$ 25 bilhões já reservados para a Petrobras. “Esses são investimentos que vão ocorrer”, diz ele, listando a forte demanda em energia elétrica, telecomunicações (onde nenhum empresa quer perder a onda do 3G) e construção. Em média, informa, cerca de 90% dos projetos enquadrados viram aprovações.
O prazo médio de maturação de um investimento, pondera Coutinho, é de 18 meses. E o empresário sempre olha para frente. Neste momento, quando o nível de utilização da capacidade na indústria caiu mais de 10 pontos (em média) e abriu espaço para um atendimento da oferta mesmo sem novos projetos, a atitude de adiar investimentos faz sentido do ponto de vista de negócios.
“Mas, à medida em que a demanda retoma, o gatilho vai sendo acionado e os projetos voltam”, argumenta o presidente do BNDES, que tem R$ 100 bilhões para emprestar este ano e deve ver a instituição ganhar espaço na formação bruta de capital fixo do país. No ano passado, o banco desembolsou R$ 90,8 bilhões e com isso contribuiu com 13,3% da formação de capital produtivo no país. Para 2009, esse percentual deve crescer.
Coutinho vê uma retomada distinta entre os setores. No Brasil, ao contrário de outros países, a massa de rendimentos caiu muito pouco (com ajuda do salário mínimo e por boa parte dos benefícios previdenciários, corrigidos pelos mesmos 12%) e o próprio emprego já dá sinais de recuperação. A dupla renda-emprego, diz ele, favorece os setores focados no mercado interno.
As empresas mais voltadas à exportação terão uma recuperação muito mais lenta, mas mesmo assim segmentos como siderúrgico, de papel e celulose,;mineração, entre outros agora fortemente atingidos pela recessão mundial, terão oportunidades de sair na frente dos concorrentes do resto do mundo quando a economia internacional chegar à perna de subida do seu longo “U”. “A indústria brasileira destes segmentos é mais competitiva, o que lhe dá vantagens sobre concorrentes, que possuem custo mais alto, e podem até sair do mercado, abrindo espaço para um aumento da participação brasileira”, avalia o presidente do BNDES.
Para Coutinho, a retomada brasileira não demora. No fim do ano, estima, a economia brasileira já estará crescendo a um ritmo anualizado de entre 3% e 4%, fazendo com que, ao longo de 2009, esse seja o tamanho do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Ajudarão nesta trajetória o pacote de habitação, a queda da taxa de juros e as demais medidas anticíclicas adotadas pelo governo. Nesse ritmo, avalia, os projetos já começarão a sair da gaveta.
Valor Econômico