Ingerência estatal ameaça Vale
25/03/11
Analistas e empresários alertam que investida do governo para tirar Roger Agnelli do comando da mineradora arranha a imagem do país e pode comprometer a competitividade da empresa
Os efeitos colaterais da investida do governo para trocar o presidente da Vale, Roger Agnelli, podem ir muito além da desvalorização das ações da companhia já observada neste ano ? ontem, os papéis preferenciais PNA da mineradora (Vale 5) sofreram nova queda, de 1%, e o volume financeiro de movimentação das ações caiu a R$ 493 milhões, ante ritmo que chegava a R$ 1 bilhão. Empresários, executivos do setor e analistas de investimentos alertam que a ingerência estatal sobre a Vale pode comprometer a capacidade de competição da segunda maior mineradora do mundo e afetar até mesmo a percepção do Brasil no exterior.
Para um tarimbado executivo da indústria da mineração, a interferência do governo vai arranhar a imagem do país como porto promissor de investimentos e pode, sim, atrapalhar a Vale na disputa com concorrentes do peso do setor, como a angloaustraliana Rio Tinto e o grupo Anglo American, além da líder do ramo, a angloaustraliana BHP Billiton. ?Nunca houve esse tipo de ingerência nas maiores companhias do mundo como a Vale?, diz. ?Cria uma imagem que se acreditava superada e o temor de que o Brasil se transforme numa Venezuela?, acrescenta, em referência à política estatizante do presidente Hugo Chávez.
O desempenho da Vale nos últimos anos, sob o comando de Roger Agnelli, permitiu que a companhia saísse, antes da privatização, da décima posição no ranking mundial das maiores mineradoras para o segundo lugar. De 2001 a 2010, a empresa criou R$ 194 bilhões em valor para os seus acionistas e distribuiu no período R$ 17,4 bilhões em dividendos. Ao escalar degraus no ranking, lembra o executivo, a Vale se transformou na maior exportadora de minério de ferro do planeta e dinamizou outros segmentos de produção, como a bauxita (minério de alumínio) e o carvão explorado na Austrália e na Colômbia. Sozinha, a empresa respondeu no ano passado por 14,4% das exportações brasileiras, participação quase três vezes maior que a observada em 2002.
Com a investida estatal sobre a Vale, a mensagem que fica para concorrentes e investidores, avalia o analista de mineração e siderurgia do Banco Geração Futura, Rafael Weber, é a de que, a qualquer momento, os interesses do governo podem ser preponderantes. ?Mineração é um negócio globalizado, altamente competitivo?, diz Weber. ?É preciso trabalho de executivos com essa visão global, e há uma série de grandes investimentos da Vale para serem feitos nos próximos anos?, completa.
ARROJO Um empresário do setor que também é acionista da Vale sai em defesa da gestão de Agnelli. Para ele, a percepção é de um executivo com visão arrojada, que bateu na mesa dos clientes chineses e conseguiu preços de US$ 160 por tonelada de minério de ferro, quando a matéria-prima havia chegado a ser vendida a troco (a até US$ 16) às vésperas da privatização.
Com a valorização do ferro, hoje a própria Vale já trabalha na extração do chamado minério 3.0, de baixíssimos teores de ferro, mas que têm valor no mercado internacional. ?A economia brasileira levou bilhões de dólares em investimentos da Vale privada e muito dinheiro foi para os acionistas e para quem se desfez de jazidas em Minas Gerais?, acrescenta o industrial e acionista da Vale.
A reação à tentativa de interferência do governo na empresa também incomoda trabalhadores da mineradora. Um grupo de funcionários da sede da Vale no Rio de Janeiro promete se vestir em luto hoje como forma de protesto. A iniciativa também repercutiu entre empregados da sede da companhia em Minas Gerais. ?É muito ruído ao mesmo tempo para uma só empresa. Não dá para comparar essa situação com a dos concorrentes?, disse Pedro Galdi, analista da SLW Corretora. As cotações das ações da Vale recuaram 5% neste mês e acumulam queda de 2,7% no ano.
Estado de Minas