Indústria mineradora enfrenta retração mais brusca da história
17/11/08
Até alguns meses atrás, as empresas de mineração não conseguiam produzir o suficiente para dar conta da demanda. Agora, elas lutam para sair de um buraco muito profundo.
Poucos setores foram atingidos pela retração econômica tão brutalmente como as mineradoras que satisfazem o apetite mundial por ferro, cobre e outras matérias-primas industriais básicas. Elas tiveram enormes lucros nos últimos anos, com a acentuada alta no preço das commodities. Mas essa fase por enquanto já passou.
O mais recente sinal veio na sexta-feira, quando a maior mineradora do mundo, a anglo-australiana BHP Billiton, informou que grandes clientes chineses estão tentando sair de acordos para compra de minério de ferro, por causa da paralisação do boom de construções na China. A BHP informou que suas entregas podem cair pelo menos 20% até o fim do ano.
Em outubro, o preço dos metais desabou 35% em apenas quatro semanas – a queda mais brusca jamais registrada, segundo a Barclay`s Capital. O preço do paládio, ingrediente fundamental para o catalisador dos automóveis, caiu 70% desde meados do ano, agora que o mercado automobilístico encontra poucos compradores. Hoje, pelo menos metade da produção mundial de alumínio é deficitária.
As mineradoras, um termômetro significativo da saúde econômica global, estão fechando minas e despedindo milhares de trabalhadores na África do Sul, Austrália, Canadá e Rússia.
Semana passada, a anglo-australiana Rio Tinto cortou 10% da sua produção de minério de ferro – a exemplo da maior produtora mundial da commodity, a brasileira Companhia Vale do Rio Doce. Na quinta-feira, a anglo-suíça Xstrata PLC anunciou planos de fechar duas minas de níquel em Sudbury, Ontário, Canadá. A americana Alcoa Inc. já cortou cerca de 15% da sua capacidade anual.
Quase todos os minérios foram atingidos. O molibdênio, que é usado para reforçar o aço, caiu 60% para US$ 26,49 o quilo no ano passado. Fundições de estanho da Indonésia, de onde sai cerca de 25% da produção mundial, estão suspendendo as operações.
Nos últimos anos a mineração esteve entre os setores de crescimento mais rápido na economia mundial. O dinheiro fluiu para os quatro cantos do mundo. Um boom de construção na China, por exemplo, estimulou ondas de investimento na África, uma região empobrecida, porém rica em recursos naturais.
Isso está mudando, agora que a demanda chinesa engata uma ré e consumidores ao redor do mundo fecham suas carteiras. Nos últimos dias, o maior produtor mundial de ferro-cromo, metal usado na fabricação do aço, anunciou o fechamento de seis de suas fornalhas na África do Sul. Um projeto de US$ 25 milhões para a extração de titânio no Quênia também foi suspenso.
A questão é saber se esses cortes, embora consideráveis, bastarão para estabilizar os preços e o setor como um todo. Os mercados ganharam um breve ânimo segunda-feira passada, quando a China anunciou um pacote de gastos de quase US$ 600 bilhões para estimular sua economia, por meio da construção de novas estradas e ferrovias, entre outras coisas. Já na terça-feira, porém, os preços de muitas commodities retomaram a queda com a percepção de que talvez nem mesmo os projetos chineses bastem para aumentar a demanda mundial no curto prazo.
“Você pode cortar o quanto quiser neste momento e provavelmente não será o bastante”, diz John Reade, um analista de commodities do UBS em Londres.
Com os atuais preços de mercado, é difícil ganhar dinheiro com muitas das minas, que incorrem em altos custos com equipamentos e mão-de-obra e também consomem muita energia no refino. Cerca de 30% das minas de níquel e 15% das de zinco se tornaram deficitárias devido à queda nos preços.
Há duas semanas, a North American Palladium Ltd. informou que vai demitir 350 trabalhadores e interromper a produção na sua mina de Lac des Illes, perto de Thunder Bay, no Canadá, pois não conseguiu mais lucrar depois que os preços caíram de um recorde de US$ 582 por onça troy em março para o patamar atual de cerca de US$ 180.
O impacto negativo de fechamentos como esse é especialmente agudo em locais que dependem exclusivamente, ou quase, da mineração. Como as minas se situam em locais remotos – muitas ficam em lugares de difícil acesso e constituem o único grande empregador da cidade -, um fechamento pode dizimar a economia local.
Há duas semanas, a Blue Note Mining fechou sua mina de zinco e chumbo em Bathurst, cidade de 12.000 habitantes nos arredores de New Brunswick, Canadá. Os trabalhadores mais jovens provavelmente deixarão a cidade, diz o prefeito Stephen Brunet. Mas o fechamento atinge mais duramente os mais velhos, muitos dos quais foram despedidos há alguns anos da fábrica de papel da cidade.
“Eles já pagaram pelas suas casas e não vão querer ir embora”, diz Brunet.
Na África, muitos novos projetos que deveriam começar este ano e no ano que vem, de urânio, minério de ferro e titânio, entre outros, estão suspensos. É uma má notícia para o continente africano, que vinha desfrutando de um raro boom econômico. Nos últimos anos, as atividades de mineração ajudaram a puxar as taxas de crescimento para seus níveis mais altos em décadas, oferecendo uma nova esperança de um fim para os ciclos de pobreza do continente.
Mas quando o preço das commodities cai, volta a ser difícil convencer os investidores a aplicar na África. Países como o Congo têm depósitos lucrativos de minerais, mas tanto ali como em outras grandes partes da África faltam as estradas e portos necessários para processar e exportar minérios. Muitas regiões também são politicamente instáveis ou perigosas, o que colabora para desanimar os investidores.
As dificuldades não se limitam aos países pobres. Alguns economistas temem que o declínio da mineração contribua para arrastar a Austrália para uma recessão. O país, um dos maiores produtores mundiais de níquel e minério de ferro, viu sua moeda cair mais de 30% desde julho em relação ao dólar americano devido ao esfriamento da mineração.
A OZ Minerals Ltd., de Melbourne, comunicou recentemente que estuda o fechamento de algumas minas na Austrália, incluindo possivelmente sua operação nas vizinhanças do Monte Isa, que é atualmente a segunda maior mina de zinco a céu aberto do mundo. Cortes como esses podem deixar dezenas de cidades espalhadas pelo inóspito deserto australiano praticamente sem razão de existir.
Essa rápida reviravolta é notável em um setor onde os lucros aumentaram 20 vezes em cinco anos, alcançando US$ 80 bilhões em 2007 – eram US$ 4 bilhões em 2002. Há apenas alguns anos, as minas tinham dificuldade para contratar pessoal suficiente para atender a uma demanda global sem precedentes.
Algumas empresas estavam tão desesperadas por equipamentos que foram obrigadas a, literalmente, buscar velhos pneus descartados em depósitos de lixo para colocar em seus caminhões gigantes, devido à grave escassez de pneus no mercado. Na África do Sul, as concessionárias de eletricidade não davam conta de fornecer a energia necessária para manter em funcionamento as prósperas minas do país.
O setor já passou por outros ciclos, e sua volatilidade é bem conhecida. Mas os analistas dizem que não conseguem se lembrar de um declínio tão súbito e acentuado nos preços.
Naturalmente, esse declínio ainda está em sua fase inicial. Os preços podem se recuperar se a economia chinesa conseguir se equilibrar. Afinal, a China, a Índia e outros países em desenvolvimento continuam precisando de doses maciças de cobre, zinco e outros metais, agora que tentam alcançar os padrões de vida dos países ricos. Atualmente o consumo de cobre per capita da China corresponde a apenas um terço do da Alemanha.
Na última fase de baixa dos preços das commodities, no fim da década passada e início desta, as mineradoras foram muito atingidas. O preço do cobre caiu cerca de 50% depois da crise financeira asiática de 1997, logo seguida pela recessão americana de 2001.
A indústria mineradora só se levantou de novo quando a demanda na China começou a decolar, por volta de 2002 e 2003.
Desta vez, as maiores mineradoras – entre elas BHP Billiton, Vale, Anglo-American e Barrick Gold – vão provavelmente aproveitar a retração para tentar ganhar uma fatia de mercado das concorrentes menores, conhecidas como “mineradoras júnior”, que brotaram como cogumelos nos últimos anos, quando era mais fácil levantar capital. Enquanto muitas mineradoras júnior têm pesadas dívidas, as gigantes do setor acumularam formidáveis reservas de caixa nos últimos anos, e muitas estão à espreita para comprar barato firmas menores em dificuldades.
As mineradoras júnior estiveram entre as primeiras a cortar a produção ou fechar suas minas. Por exemplo, a australiana Minara Resources Ltd., dona de uma mina de níquel de custos relativamente altos no deserto australiano que luta para se manter no azul, há pouco tempo decidiu adiar uma expansão das suas atividades de extração de níquel no valor de US$ 200 milhões.
A atual volatilidade dos preços foi intensificada pela crise financeira mundial. Muitos fundos de hedge, fundos de pensão e outros investidores, desesperados para levantar capital agora que tiveram grandes prejuízos com seus ativos em ações e títulos, se apressaram a se desfazer de seus papéis de commodities nos últimos meses. Isso derrubou os preços do cobre, zinco e níquel mais depressa do que em fases anteriores de declínio
Há cinco anos, o níquel era cotado a US$ 9.000 a tonelada. Um ano atrás, o preço chegou a mais de US$ 40.000, em parte devido à demanda, mas também porque muitos fundos de hedge e outros investidores estavam apostando no setor. A situação se inverteu nos últimos meses: a demanda declinou um pouco, mas os investidores fizeram com que a queda dos preços fosse muito mais rápida. O níquel agora está cotado a cerca de US$ 11.600 a tonelada.
Em última análise, porém, os problemas do setor estão enraizados na debilidade da demanda, em especial na China, e não na crise financeira.
Nos últimos anos, a expansão da economia chinesa consumiu quantidades sem precedentes de matérias-primas, enquanto o país construía estradas e arranha-céus, automóveis e telefones celulares a um ritmo recorde. Com a migração de dezenas de milhões de pessoas do campo para as cidades, que gerou uma febre de construções de proporções épicas, muitos analistas continuam acreditando que o boom dos metais na China ainda pode durar mais uma década.
Agora, porém, o país está sofrendo um golpe econômico duplo. O mundo está comprando menores quantidades dos produtos de suas fábricas, e os próprios consumidores chineses também estão fugindo do mercado imobiliário.
Por isso, o crescimento econômico chinês está se desacelerando acentuadamente, tendo baixado para 9% no terceiro trimestre, ante quase 12% no ano passado. Alguns analistas temem que esse índice caia para menos de 8% no ano que vem.
(Colaborou Sue Feng)
Valor Econômico