Hora de inovar
28/10/16
A balada pela queda dos preços das matérias-primas e com a imagem manchada pelo impacto de desastres ambientais, a indústria de mineração de todo o mundo se encontrou no Rio de Janeiro para debater o futuro. Responsável por 5% do PIB do planeta, o setor precisa encontrar uma saída. O 24° Congresso Mundial de Mineração reuniu especialistas, empresários, investidores e ambientalistas de 40 países para traçar os rumos da retomada. Durante quatro dias se discutiu inovação, tecnologia, governança e sustentabilidade. São os pontos-chave para livrar o setor da estagnação e garantir maior segurança aos negócios. “Não há economia forte sem mineração”, disse Józef Dubinski, presidente do Congresso Mundial de Mineração (WMC 2016), que ocorreu entre os dias 18 e 21. “Estamos reencontrando o caminho do nosso desenvolvimento e o setor mineral será a alavanca do progresso”, afirmou José Fernando Coura, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração – IBRAM. “Muitos ainda se recusam a enxergar os recursos naturais com fonte de desenvolvimento”, disse Clóvis Torres Junior, presidente do conselho diretor do IBRAM e diretor de recursos humanos, integridade corporativa e consultoria-geral da Vale.
Há quatro anos, a indústria de mineração está em baixa. A queda livre na cotação internacional das matérias-primas minerais, com a redução da demanda da China e o excesso de produção, afetou os investimentos e impactou a balança comercial de países exportadores como o Brasil. A indústria foi abalada ainda pela reação de comunidades à implantação de novos campos no Peru, pelos impactos sociais e ambientais, e pelo desastre da Samarco, com o rompimento de uma barragem que deixou um rastro de destruição em Mariana (MG). Um dos desafios agora é reconstruir a imagem para pavimentar o futuro. A tônica está em inovação, tema que pautou os quatro dias do encontro.
Tecnologia, sustentabilidade, governança e participação das comunidades foram objeto de debate no Centro de Convenções SulAmérica, lotado por mil visitantes por dia atentos aos 120 palestrantes que se revezaram nos microfones.
Alguns especialistas destacaram a importância de a indústria se reinventar. “O modelo de negócios da mineração do futuro incluirá os participantes externos em todas as áreas das mineradoras”, disse o consultor George Hemingway.
“É fundamental para empresa do setor o diálogo com comunidades das áreas de operação”, afirmou Torres Junior, da Vale, na abertura do evento. “O mundo necessita da mineração, mas a indústria precisa mudar”, considerou Kulvir Singh Gill, diretor da consultoria estratégica Clareo Partners e integrante da Rede de Inovação Kellogg, que reúne líderes de negócios em todo o mundo com foco em inovação. Os percalços não impedem apostas ousadas. “Nos últimos seis anos, nosso investimento em mineração cresceu quase duas vezes. Temos 80 projetos novos que empregam mais de 15 mil pessoas”, disse Zamir Saginov, secretário-executivo do Ministério de Investimentos e Desenvolvimento do Cazaquistão, que vai sediar na capital, Astana, o 25° Congresso Mundial de Mineração, em 2019. Nono maior país em extensão do mundo, com uma população de 17,5 milhões de pessoas, o Cazaquistão tem mais de 2 mil empresas mineradoras. É rico em reservas de urânio, zinco, prata e carvão. O setor de mineração investiu em transparência e compliance para se aproximar dos padrões ocidentais sem descuidar do grande consumidor do outro lado da fronteira: a China.
O maior mercado de minérios do mundo também faz suas apostas. Uma delas é aumentar a produção de carvão mineral em mais 500 milhões de toneladas nos próximos cinco anos. A China já produz mais de 800 milhões de toneladas anuais. Para equilibrar oferta e demanda, busca otimizar a estrutura produtiva da indústria. “O desenvolvimento de novas tecnologias é importante para que o salto seja dado com o menor impacto ambiental possível. Queremos promover a utilização limpa do carvão e reduzir o nível de emissões de carbono do setor”, disse Wang Xianxheng, presidente da Associação Nacional de Carvão da China.
São movimentos que animam a vislumbrar uma retomada do crescimento na mineração mundial. A volta por cima deve começar no final de 2017. “Estamos vendo a luz no fim do túnel e não é um trem na contramão”, afirmou o analista sueco Magnus Ericsson, da Universidade Técnica de Lulea. Há indicações positivas da retomada como o aumento no portfólio de pedidos das empresas de equipamentos.
O setor extrativo responde por 5% do PIB mundial, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), algo em torno de US$ 3,9 trilhões. No rastro da desvalorização das matérias-primas minerais, depois de um ciclo de alta que durou de 2003 a 2012, o setor se encaminha para o quarto ano de queda nos investimentos: ¬30,7% em 2013, ¬24% em 2014 e -11% no ano passado, de acordo com a SNL Metal Mining. Os aportes, que chegaram a US$ 24,4 bilhões, em 2012, caíram para pouco mais de US$ 10 bilhões, em 2015.
No Brasil, líder mundial na exportação de nióbio e terceiro entre os exportadores de minério de ferro, a indústria sentiu o baque. Ainda assim, tem participação importante no saldo da balança comercial: US$ 30,2 bilhões em 2012, US$ 32,5 bilhões em 2013, US$ 26,3 bilhões em 2014 e US$ 15,1 bilhões no ano passado. A participação do setor no PIB brasileiro é de 4%. “Podemos chegar logo a 6% do PIB. Esperamos a retomada dos investimentos no país, principalmente para o setor mineral. Temos base mineral diversa e uma plataforma industrial para fomentar a exportação em maior escala”, disse o ministro interino de Minas e Energia, Paulo Pedrosa.
No Brasil, a nova fronteira da mineração, de acordo com especialistas reunidos no Rio, é a Amazônia. O potencial é proporcional aos desafios de operar em áreas isoladas, com limitações relativas a reservas ambientais e à presença de populações indígenas. A região é rica em xisto, manganês e urânio. “A Amazônia será a principal fonte de crescimento das mineradoras no país”, afirmou o diretor de assuntos ambientais do IBRAM, Rinaldo Mancin. Toda a América do Sul está no radar das grandes mineradoras internacionais. Apesar do aumento dos investimentos na Ásia e na África, a região ainda é o principal mercado das empresas de mineração canadenses. A Argentina espera atrair US$ 20 bilhões em investimentos para o setor até 2021, segundo anúncio do presidente da Câmara de Mineração Argentina, Gustavo Koch. “Trabalhamos junto ao governo canadense para avançar em acordos de livre comércio com países da região. Se não for possível uma abertura comercial, pelo menos que haja proteção aos investimentos”, ponderou Pierre Gratton, presidente da Associação de Mineração do Canadá.
A insegurança jurídica não é o único problema. “É impossível conceber o Peru sem mineração, mas o país enfrenta forte resistência à implantação de novos projetos. Há grandes investimentos, como a mina de cobre Las Bambas, parada por causa de protestos da comunidade, há conflito”, disse Romulo Mamani, ex-vice-ministro de Energia e Minas do Peru. Ao passar a “Falum Lamp”, símbolo do congresso, ao embaixador do Cazaquistão no Brasil, Kairat Sarzhanov, no fim do evento, Coura deixou encaminhadas as discussões que deverão mobilizar a indústria nos próximos três anos.
A alternativa de fomentar um novo mercado consumidor caso a China decida reduzir seus investimentos em infraestrutura e a possibilidade de acordo de redução da produção para conter a queda dos preços talvez precisem ser decididas antes do encontro de Astana, assim como a resposta às questões mais imediatas da indústria que talvez não possam esperar até lá. “A indústria pode ser sustentável e limpa, mas para isso há algo fundamental: depois do que aconteceu com a Samarco é preciso haver engajamento com a comunidade”, afirmou Ruben Fernandes, presidente da Anglo American no Brasil. “As mineradoras precisam se modernizar para o século XXI”, resumiu Dubinki.
Valor Econômico