Entrevista: Vale vai focar compra de empresas em cobre e carvão
13/08/08
Diante da expectativa de que o mercado de minério de ferro e metais seguirá aquecido nos próximos anos, a Vale apresentará daqui a dois meses seu novo plano de crescimento estratégico, com mais de dez projetos adicionais ao original, que previa investimentos de US$ 59 bilhões para o período entre 2008 e 2012. Com isso, esse valor será substancialmente maior. Além de expandir as atividades de minério de ferro e níquel, equivalentes a mais de 70% da sua receita, a empresa dará atenção especial aos setores de cobre e carvão. Depois de uma maratona de entrevistas para a divulgação dos resultados da empresa, onde ressaltou o foco no crescimento orgânico, o diretor Executivo de Finanças e de Relações com Investidores, Fábio Barbosa, conversou com as jornalistas Mônica Ciarelli, Natalia Gómez e Teresa Navarro.
Na entrevista exclusiva à Agência Estado, o executivo diz que a compra de empresas faz parte dos planos, como um complemento dos investimentos. “Sempre usamos aquisições como parte do processo de crescimento da empresa”, afirma. Pela primeira vez, a Vale admitiu que os alvos de compras são ativos de cobre e carvão, como o mercado vinha especulando. Até, então, falava-se apenas que os investimentos seriam focados nessas áreas. Juntos, os dois setores representaram cerca de 6% do faturamento da mineradora no segundo trimestre.
No segmento de cobre, a companhia estuda ampliar a produção prevista para o projeto Salobo, no Pará, o que deve contemplar uma segunda e até terceira etapa do empreendimento. É possível que a meta de produção total de cobre da empresa seja elevada de 592 mil toneladas para 1 milhão de toneladas. Em carvão, o maior potencial de crescimento está na Austrália. O executivo diz que investimentos já anunciados pela empresa no setor de logística, siderurgia e fertilizantes serão incluídos no novo plano estratégico. Somente um dos projetos, o de siderurgia no Pará, pode representar um adicional de US$ 3 bilhões .
Tradicionalmente uma referência mundial na negociação dos preços do minério de ferro, a Vale admite que o jogo mudou. Para 2009, Barbosa acredita que não haverá um percentual único de reajuste para todas as mineradoras e todos os tipos de insumo. Como já foi sinalizado neste ano, existe uma tendência, na sua opinião, de o mercado diferenciar os preços de acordo com a localização e a qualidade do insumo. E a Vale pretende obter novamente um prêmio para o preço do minério extraído das suas minas devido à sua maior qualidade.
Neste ano, a Vale conseguiu um prêmio para o minério extraído de Carajás, mas as mineradoras australianas obtiveram um reajuste ainda maior junto a seus clientes asiáticos devido à sua proximidade, que diminui custos com frete. “É um processo um pouco mais complicado, mas que talvez reflita com mais propriedade as diferenças efetivas dentro de cada tipo de minério”, diz. A seguir os principais trechos da entrevista:
Agência Estado – A Vale anunciou que pretende ampliar seu plano de crescimento estratégico, inicialmente previsto para US$ 59 bilhões entre 2008 e 2012. Quais serão as principais mudanças no planejamento?
Barbosa – Diante das circunstâncias atuais de mercado, este plano não é suficiente para cobrir todas as possibilidades de criação de valor que temos ao alcance. Já estamos fazendo um grande esforço na área de minério de ferro, podemos ampliar ainda mais esse esforço em 2013 e 2014. Temos uma plataforma ambiciosa de crescimento em níquel. E há um escopo muito grande de ampliação dos projetos na área de cobre. O carvão, em particular, também receberá reforços.
AE – A ampliação do planejamento estratégico significa mais recursos ou aportes em áreas diferentes de atuação?
Barbosa – Será um aumento expressivo de valor e de números de projetos. Acrescentaremos empreendimentos nas diversas áreas, como minério de ferro e níquel, e de forma mais concentrada no cobre e carvão, tendo em vista que ainda temos uma produção relativamente modesta nestes mercados, onde temos ambições maiores.
AE – E para quanto passaria esse valor?
Barbosa – Ainda estamos avaliando, mas seria um aumento bastante expressivo, especialmente no caso do cobre e do carvão. No carvão chegaremos a 15 milhões de toneladas em 2012, meta muito modesta em relação ao que queremos alcançar em 2013 e 2014. Temos que acelerar efetivamente os investimentos. A companhia decidirá os detalhes em até dois meses.
AE – Quantos novos projetos vão entrar nesse plano?
Barbosa – Existem muitos projetos que já anunciamos e que não foram associadas ao plano de crescimento orgânico atual. Entre eles estão a frota dedicada à Ásia, os projetos de fertilizantes na Argentina e em Sergipe, projetos de carvão na Austrália, onde só um pequeno projeto já foi considerado. Podemos e devemos ser bem mais ambiciosos no desenvolvimento do carvão. No caso do cobre, por exemplo, o presidente Roger Agnelli chegou a mencionar uma meta de 1 um milhão de toneladas. Hoje a meta estimada é de 592 mil toneladas. Neste segmento teremos a segunda e eventualmente a terceira etapa do projeto Salobo, que não foram incluídos no planejamento estratégico. Temos ainda siderúrgica do Pará, que também não está incluída.
AE – Qual é o valor do investimento no Pará?
Barbosa – Temos a possibilidade do investimento de 2,5 milhões de toneladas anuais, que poderia chegar próximo de US$ 3 bilhões aos custos de hoje.
AE – Vocês vão adicionar cerca de dez novos projetos no novo plano de crescimento orgânico?
Barbosa – Pode ser até mais que isso, estamos avaliando. Esta não é uma lista exaustiva dos projetos que podem ser adicionados.
AE – O custo vai impactar os novos investimentos que a Vale vai anunciar?
Barbosa – Os projetos novos são mais caros que os antigos. O projeto de Brucutu saiu a US$ 40 por tonelada, e o projeto de Serra Sul vai sair a US$ 120 por tonelada, é três vezes mais do que o custo de Brucutu. Quando estimamos aportes de US$ 59 bilhões a conjuntura de taxa de câmbio era outra. Como a parte mais relevante dos nossos investimentos é no Brasil, a maior parte dos custos será em reais. Isso significa que os custos vão se elevar.
AE – É possível realizar o crescimento em carvão e cobre sem contemplar aquisições?
Barbosa – É difícil, mas é possível. O caminho mais lógico e fácil seria buscar aquisições. Não estou descartando que isso aconteça, mas não é a prioridade. Buscaremos crescer com diversos projetos que já temos, como o projeto de carvão Moatize, em Moçambique. Temos também a opção de exploração na Austrália no projeto de carvão Belvedere. Este é um conjunto de alternativas que temos para explorar, sem ignorar as dificuldades naturais encontradas em relação à logística. Alternativas de aquisições em carvão serão um complemento.
AE – A Vale é uma empresa global inserida em um mercado que vive um processo intenso de consolidação. Não é estranho que a empresa insista em falar em crescimento orgânico neste contexto?
Barbosa – Existem empresas que só podem crescer via aquisição porque têm baixo investimento em pesquisa mineral e têm um escopo limitado de crescimento. Não é o nosso caso. Nos últimos anos, conseguimos combinar bem o crescimento orgânico com algumas aquisições estratégicas e assumimos uma posição de liderança. Por meio do crescimento orgânico pelos 23 projetos que entregamos nos cinco últimos anos, nós atingimos a posição que atingimos no minério de ferro. Depois de concluídas as aquisições em minério de ferro em 2001, conseguimos dobrar a produção. Isso consolidou nossa posição como líderes em minério de ferro e nos permitiu buscar uma diversificação em níquel.
AE – A afirmação de que a empresa opta pelo crescimento orgânico é uma resposta ao temor do mercado de que Vale passe a ter uma alavancagem muito elevada?
Barbosa – Aquisições sempre foram um complemento da nossa estratégia. E nós temos sido muito disciplinados nesse processo. Discutimos a possibilidade de Alcan, da Noranda no passado, mas saímos porque não concordamos com o preço. Naquela época, falar em aquisições significava imediatamente um desconto no preço da ação porque as pessoas não entendiam um ciclo longo como é hoje. No caso da Xstrata, a questão não foi preço, foi comercial. Temos uma reputação de disciplina muito respeitada no mercado de capitais. Quando dizemos que vamos buscar um crescimento orgânico não é porque temos medo do que os analistas eventualmente vão dizer sobre o assunto. É possível buscar ser forte e ser um dos líderes da indústria baseado em crescimento orgânico. Mas nós nunca dissemos que seria um avanço exclusivamente orgânico. Sempre usamos as compras como parte do processo de crescimento da empresa.
AE – O que vocês estão estudando em compras de empresas?
Barbosa – Nós sempre estamos vislumbrando tudo. Nós temos uma área da companhia para desenvolvimento de novos negócios, sob minha supervisão, que está sempre olhando. Tenho a possibilidade de discutir sobre qualquer ativo do setor de mineração.
AE – Qual setor interessaria mais?
Barbosa – Temos uma posição já muito forte em minério de ferro e níquel, com liderança. Há setores que poderíamos eventualmente considerar como possibilidade, como o cobre e o carvão. Mas só depois de realmente passá-los pelo crivo das possibilidades de crescimento orgânico. Não teríamos nenhum problema em buscar alguma alternativa de aquisição se este fosse o entendimento mais apropriado. Nossa prioridade é caminhar em direção ao crescimento orgânico. Mas se tiver oportunidades interessantes, vamos buscá-las. Nós temos esta capacidade, que nem todas as companhias do setor têm.
AE – Neste ano as mineradoras australianas conseguiram um prêmio para o preço do minério devido à proximidade com a Ásia, maior mercado consumidor. Como deve ser o desenho da nova negociação em 2009?
Barbosa – A proliferação de produtores de minério de baixa qualidade, aumenta o valor do minério de alta qualidade, como o nosso. Assim como a geografia determina, deve ocorrer uma diferente apreciação do minério de melhor qualidade. Há uma crescente estratificação do mercado no sentido de diferenciar preços seja de acordo com a geografia, disponibilidade, ou com seu valor intrínseco, o que é mais racional. O minério de melhor qualidade tem que ter este valor plenamente reconhecido, considerando que a demanda continua forte e que a oferta é complementada com minério de qualidade inferior ao nosso.
AE – A negociação de 2009 terá vários tipos de reajuste, dependendo da localização e da qualidade?
Barbosa – A negociação deste ano manteve o espírito das negociações anteriores mas com uma diferenciação em função de um elemento: geografia. Na prática nós também fizemos isso quando tivemos o minério de Carajás e pelotas com percentual diferenciado. É um processo um pouco mais complicado mas que talvez reflita com mais propriedade as diferenças efetivas dentro de cada tipo de minério.
AE – Os aumentos serão fortes ou a desaceleração mundial pode reduzir o ritmo de alta do minério de ferro?
Barbosa – Nossa visão é de que demanda continuará forte. A China isoladamente vai aumentar sua capacidade de produção de aço em 130 milhões nos próximos anos. Hoje eles produzem 540 milhões de toneladas. Este avanço da China já é um crescimento expressivo da demanda. Nós vemos a economia nos próximos anos crescendo a uma taxa média de 3,8% ao ano, sendo que as economias emergentes devem crescer 5 a 6 pontos porcentuais acima das economias maduras. Isso representa um crescimento forte da demanda por minerais e metais. Não vemos o mercado fraco nos próximos anos.
AE – Como está o mercado à vista de minério na Ásia?
Barbosa – O mercado de curto prazo nas próximas semanas pode ter alguma fraqueza relativa, mas ele ainda está cerca de US$ 40 acima do preço de contrato de referência (benchmark) ajustado pelo frete. Ainda que haja alguma flutuação no curto prazo, não será suficiente para reverter uma trajetória extremamente positiva que nós vemos no futuro. O alto custo dos novos projetos ajuda a manter esta tendência. Por exemplo, o projeto de Serra Sul, de US$ 10 bilhões, teve dois terços do investimento voltado para logística. O custo operacional também subiu em função de escassez de mão-de-obra, da alta dos combustíveis, da energia, e da apreciação da moeda.
AE – A Vale decidiu sair do bloco de controle da Usiminas, mas está esperando o melhor momento para concluir a operação devido ao tombo da Bolsa de Valores nos últimos meses?
Barbosa – Falaremos sobre isso oportunamente.
AE – A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) estuda uma cisão de seus ativos para valorizá-los. A Vale tem algum estudo nesta linha?
Barbosa – A Vale tem uma estratégia definida de crescimento orgânico, com vários projetos na área de mineração. A companhia já está bem focada. Estamos avaliados pelo mercado desta forma, como uma empresa com grande possibilidade de crescimento e oportunidades de geração de valor.
AE – As ações da Vale acumulam queda de cerca de 30% neste ano. Existe alguma perspectiva de recuperação dos papéis no segundo semestre?
Barbosa – Empresas que têm exposição às commodities têm algum grau de volatilidade. Mas na nossa visão os fundamentos do mercado estão plenamente fortes e atraentes e é por isso que vamos usar os recursos que captamos na nossa oferta global de ações de US$ 12 bilhões para investir mais e aumentar nossa exposição a este mercado. Entendo o eventual desconforto de curto prazo, mas no longo prazo os retornos são bastante interessantes. Nos últimos cinco anos encerrados em 2007, o retorno médio das ações da Vale em dólar foram na faixa de 60% e 70% ao ano. Nossa visão é de que o mercado continua forte o suficiente para ser atraente para uma empresa como a Vale.
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Agência Estado / Infomine