Empresas enfrentam custo índio para investir
26/02/07
Tribos têm conseguido paralisar ou adiar grandes projetos de infra-estrutura para pressionar companhias a doar recursos às suas comunidades, causando prejuízo de milhões de dólares Paulo Paiva
Reuters – 19/10/06
Índios xikrins ocuparam a base da Vale, em Carajás, em outubro: repasse anual de R$ 9 milhões à triboNo passado, o índio brasileiro, segundo uma conhecida marchinha de carnaval, só queria apito. Hoje, quer bem mais. Organizados em comunidades rurais ou fincados em aldeias espalhadas pelos 110 milhões de hectares que compõem o total de terras indígenas no país (respeitáveis 12,9% do território nacional), o índio do século 21 tem exibido uma nova face, até então desconhecida da maior parte dos brasileiros. E é uma face guerreira. O novo índio aprendeu, por exemplo, táticas de guerrilha rural para pressionar grandes empresas a doar verbas cada vez mais vultosas para suas comunidades. Aprendeu também que tem o poder de paralisar ou adiar grandes projetos de infra-estrutura, como hidrelétricas e ferrovias. O aprendizado foi tão eficiente que as empresas já se referem ao seu relacionamento com as comunidades indígenas como ?custo índio?. De fato, rusgas entre índios e empresas têm sido cada vez mais freqüentes. A Companhia Vale do Rio Doce, por exemplo, enfrentou no fim de 2006 a invasão, pelos índios xikrins, de suas instalações em Carajás, no Pará. Um ano antes, os índios krenaks já haviam paralisado a Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), no Vale do Rio Doce, em Minas, também operada pela Vale, em represália à inundação de suas terras pela Usina Hidréletrica de Aimorés, controlada pela mineradora e pela Cemig. Em dezembro, índios tupiniquins e guaranis invadiram o Portocel, no Espírito Santo, controlado pelas fabricantes de celulose Aracruz e Cenibra. Em todas essas operações, o custo índio foi oneroso: a Vale deixou de exportar cerca de 250 mil toneladas de minério de ferro, equivalentes a US$ 12 milhões. Aracruz e Cenibra perderam outros US$ 14 milhões. Em ambos os casos, os índios queriam dinheiro. A Vale calcula que, entre 2004 e 2006, tenha perdido cerca de US$ 50 milhões em exportações não embarcadas em virtude do custo índio. O caso da Vale é o mais emblemático. Carajás está fora de qualquer reserva indígena. A estrada de ferro Carajás, que escoa a produção da mina, apenas passa pelos limites da reserva. Mesmo assim, a mineradora repassa anualmente cerca de R$ 9 milhões aos xikrins ? ao todo, a empresa gasta anualmente cerca de R$ 26 milhões com as etnias de índios que estão próximas a suas áreas (xikrins, krenaks e os guajas, guajajaras e urubu ka-apor, no Maranhão).
Fábio Vicentini/Gazeta – 12/12/06
Em dezembro, índios tupiniquins e guaranis invadiram o Portocel, no Espírito Santo: perda de US$ 14 milhões Os xikrins, contudo, acharam que o repasse era pouco e invadiram Carajás para pressionar pelo aumento das doações. Irritada, a Vale classificou o episódio como ?chantagem?, foi à Justiça e decidiu depositar os recursos em juízo. Em dezembro, a Justiça determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) sacasse apenas os R$ 300 mil mensais comprovadamente gastos pelos índios em saúde, educação, atividades produtivas e administração da comunidade ? um gasto que, na verdade, caberia ao Estado brasileiro. DENÚNCIA Foi exatamente o descaso do governo na questão indígena que levou a Vale a denunciar o Estado brasileiro na Organização dos Estados Americanos (OEA). A denúncia foi apresentada pelo jurista Hélio Bicudo, presidente da Fundação Interamericana de Direitos Humanos no Brasil. ?Apresentamos um ofício com denúncia de violação dos direitos humanos dos índios pela Funai. Hoje, a Vale repassa determinada importância para o governo brasileiro para suprir as necessidades dos índios instalados em áreas onde ela atua, como serviços médicos, trabalho e alimentos. Mas a empresa não está tendo o retorno desses serviços, o que representa violação clara dos direitos indígenas?, diz Bicudo. Em resumo, o que a Vale quer é que os recursos repassados aos índios via Funai sejam efetivamente usados pela fundação para o bem-estar dos índios, pondo um ponto final às constantes invasões de suas instalações. ?Quando os índios não têm suas necessidades atendidas, eles só têm uma maneira de atuar: atos de violência?, garante Bicudo. A OEA deverá realizar uma audiência coletiva em julho para apreciar a denúncia. Enquanto isso, a Vale vai se virando como pode. A empresa fechou este mês um acordo com os guaja, guajajaras e urubu ka-apor, no Maranhão. Pelo acordo, a Vale bancará o capital de giro para que os índios consolidem projetos agropecuários e de piscicultura, até se tornarem independentes. Serão quase R$ 8 milhões em 10 anos. Acordo semelhante será fechado com os krenaks, em Minas. ?Esse acordos são condizentes com nossa filosofia, que é desenvolver a capacidade e a vocação econômica dos índios, de forma sustentável. Mas o Brasil tem que resolver o que vai fazer com o índio, e como acabar com o paternalismo?, diz Tito Martins, diretor-executivo de assuntos corporativos da Vale. São perguntas para as quais o governo brasileiro ainda não apresentou respostas.
Jornal Estado de Minas