Efeito Japão freia recursos para urânio sul-americano
04/04/11
Os reflexos da crise nuclear do Japão chegaram à América do Sul. Mineradoras que buscam urânio na região dizem que o impacto do vazamento de radiação da usina japonesa limita neste momento a disposição de investidores em financiar e refinanciar projetos de exploração do minério. Ainda pouco desenvolvidas, as minas sul-americanas são consideradas a nova fronteira mundial do urânio.
Argentina, Paraguai, Colômbia, Guiana e Peru são alguns dos países onde mineradoras privadas mantêm atualmente projetos de prospecção de urânio. Ainda não há produção em nenhum deles. O Brasil é o único na região que vem extraindo o minério, chave para a indústria nuclear. Aqui é a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) que concentra as atividades.
“Houve uma venda maciça de fuga das nossas ações assim como aconteceu com todos os papéis de empresas [do setor do] urânio”, disse Nancy Chan-Palmateer, vice-presidente de relações com investidores da mineradora canadense, U3O8. “Avaliamos que será difícil levantar capital para projetos até que os investidores vejam alguma estabilidade na situação do Japão.” A empresa mantêm projetos na Colômbia, Guiana e Argentina.
Na avaliação de Robert Tyson, presidente e CEO da Cue Resources, outra companhia canadense que busca urânio na região, “definitivamente houve [nos mercados] uma reação negativa em relação ao urânio e aos preços do urânio nos primeiros dias após a tragédia no Japão”.
Tyson diz que já se vê uma recuperação parcial nos preços das ações de muitas empresas afetadas (incluindo a Cue). “Minha expectativa é que os investidores restabeleçam a confiança total nas atividades de prospecção e mineração de urânio pelo mundo e que voltem a apoiá-las financeiramente.”
Mas pouco mais de três semanas depois do terremoto no Japão que danificou o complexo nuclear de Fukushima Dai-Ishi e pôs o país numa crise nuclear, investidores ainda resistem em financiar ou refinanciar projetos ligados à extração de urânio, disse Tyson.
Os temores têm muito a ver com as previsões sobre a demanda do minério. O efeito Japão levou alguns países a pisaram no freio em projetos de energia nuclear. Entre eles a Alemanha, que suspendeu as operações em sete usinas e prometeu dar mais velocidade no processo de transição para energias renováveis. China e Índia indicaram que poderão rever seus planos de expansão nuclear e a Rússia disse apoiar um acordo que venha a proibir a construção de usinas em locais com histórico de terremoto.
A pergunta é se as reservas em relação à energia nuclear que ganharam corpo depois do desastre no Japão serão mesmo temporárias, como crê a indústria, ou se enfraquecerão daqui para frente o interesse por essa fonte de energia.
Antes do desastre, o balanço feito pela Associação Nuclear Mundial dava conta de que 62 reatores estavam em construção em 15 países, além de Taiwan – na China (quase a metade), Coreia do Sul e Rússia. A previsão era que o ritmo de construção seguisse aumentando nas próximas décadas, puxando a demanda por urânio. Esse cenário levou as mineradoras a uma corrida por novas minas pelo mundo, corrida que há alguns anos chegou à América do Sul.
“Acreditamos que a América do Sul tem o mesmo potencial geológico que a África tinha há 10 anos. Dessa forma, a U3O8 está fortalecendo sua posição naquela que consideramos ser a nova fronteira de exploração e produção de urânio”, disse Nancy Chan-Palmateer.
A U3O8 e a Cue Resources afirmam que, apesar da virada repentina no humor em relação à energia atômica, não fizeram nenhuma mudança em seu cronograma de operação nos projetos na América do Sul nem em suas previsões de longo prazo. Desde 2006, a U3O8 investiu cerca de US$ 30 milhões na América do Sul. A Cue Resources gastou US$ 23 milhões.
A mineradora argentina Uramerica, do empresário Omar Adra, também aposta que o setor voltará ao ritmo normal no médio prazo. “Nós faremos um processo de IPO este ano e estamos para começar as perfurações na província de Chubut [Argentina], como havíamos planejado antes do que o ocorreu no Japão”, disse Adra. Segundo ele, a empresa também está fechando uma negociação para a formação de uma aliança estratégica com uma das cinco maiores produtoras de urânio do mundo e o fato de o terremoto não ter provocado uma tragédia nuclear de proporções muito mais sérias acabou fortalecendo a imagem de segurança das usinas. Por isso, diz, não deverá afetar a demanda por urânio, uma vez passado o primeiro impacto de Fukushima. A Uramerica faz planos de um dia ajudar a atender a demanda argentina por urânio – e principalmente a da China.
Valor Econômico