Djalma Barbosa da Cunha: ?A guerra das águas minerais?
06/04/09
Marcelo Hollanda – Repórter de Economia
Ele foi balconista em lojas de tecidos, serviu o Exército por dois anos, quatro meses e 11 dias, foi motorista de ônibus, vendedor de imóveis e diretor administrativo de jornal (convidado por Aluízio Alves, em 1963, trabalhou na Tribuna do Norte). Foi gerente de Banco e auditor fiscal em Pau dos Ferros. Hoje, aos 70 anos, Djalma Barbosa Cunha é mais conhecido como o empresário que fundou a Água Mineral Cristalina, que comemora, em 2009, 15 anos de vida. Nascido em Macau, criado dentro de estabelecimentos comerciais do Alecrim, Djalma deu origem a um negócio que sobrevive à sazonalidade e à concorrência de outras 15 marcas, num mercado complexo onde só os muito talentosos vingam. E, no caso da Cristalina, com sucesso. Considerado bem mineral, fiscalizado pelo DNPM, a fonte nasceu justamente quando Djalma Barbosa Cunha queria se aposentar. Nessa entrevista, ele oferece lições preciosas de obstinação, senso de oportunidade e vantagens quando se aposta na tecnologia para controlar custos.Quando o senhor entrou no negócio de água mineral, em 1994, já sabia o queria?Na verdade, comecei o negócio numa época em que queria mesmo era me aposentar. A chácara onde abri o poço, em Macaíba, era para ser um lugar de repouso, onde receberia os amigos, e a água serviria apenas para irrigar plantações de mamão e maracujá. Foi quando, conversando com um amigo, ele me perguntou: ?Mas você vai usar toda essa água para irrigação?? Foi ai que começou a se desenhar a idéia de aproveitar aquela fonte de água mineral em escala comercial.
Já existia uma demanda pelo produto naquela época?Existia sim. Tanto que, na ocasião, quatro empresas locais já serviam o mercado. Só que elas não pareciam muito preocupadas com o produto em si, com os processos que levassem à qualidade desse produto. Havia certa letargia, um adormecimento.
Como assim? As empresas donas de fontes de água mineral, naquela época, tinham o produto nas mãos, mas não sabiam exatamente como explorá-lo. Elas apenas engarrafavam e vendiam. Não havia ? talvez por não existir o mercado competitivo que há hoje ? um foco na qualidade do produto que se estendesse à sua distribuição e, por conseguinte, à satisfação do cliente.
Quando se fala da água mineral em si, qual a diferença que existe entre uma marca e outra?Basicamente não há diferenças substanciais. O lençol freático de onde se extrai é um só. Todas são ótimas águas. Dependendo de onde se esteja, há certa influência na leveza e na doçura da água. São diferenças sutis que devem ser valorizadas por quem toca o negócio. Da mesma maneira que consumidor habituado ao consumo preza essas qualidades.;
Como o senhor, sendo o quinto na época a entrar nesse negócio, conseguiu impor a sua marca?Como tudo na vida não foi fácil. Naquela época, quem consumia cotidianamente água mineral eram pessoas das classes A e B. Pessoas da classe C, gente humilde, não bebia água mineral. E olha que naquela ocasião já existia em Natal águas de todos os preços ? de R$ 2,50, R$ 3,00, R$ 3,50 e até de R4 4,00 o garrafão de 20 litros. Eu passei oito anos vendendo minha água por R$ 1,00 real o garrafão. Só para mostrar que as pessoas mais humildes também podiam tomar água mineral.; Foi assim que começamos a ganhar o mercado.
Como o senhor conseguiu a proeza de manter sua oferta com esse preço?Investindo em tecnologia, gerindo bem os processos de produção, gastando bem cada centavo que ia entrando, reinvestindo todas as sobras no próprio negócio e não esbanjando na satisfação dos donos. Simples assim. Quem primeiro passou a armazenar água mineral dentro de tanques de aço inox no Rio Grande do Norte foi a Cristalina. Até porque todas as outras fontes armazenavam a água dentro de caixas revestidas de azulejo. Esse é apenas um exemplo de muitos investimentos feitos pela empresa. Quando comecei o negócio, não tinha dinheiro para comprar uma grande quantidade de garrafões. Meu fornecedor em Recife acreditou no meu potencial, mandou o triplo de garrafões que eu havia encomendado e ainda deu prazo de 60 dias para pagar. Em 15 dias vendi tudo, paguei a conta do fornecedor e pedi mais.
Hoje existem 16 empresas explorando o negócio de água mineral. Cabe tanta gente assim num negócio só?Não posso ser contra a concorrência. Ela existe em todos os ramos. De fato, há muita gente que pensa no engarrafamento de água como um grande negócio, sem perceber os custos envolvidos. Maquinário, tecnologia, paciência, disposição, obstinação ? tudo isso custa tempo e, principalmente, dinheiro.;Mas, afinal, o mercado está ou não saturado?É obvio que o mercado está saturado. Além das 16 empresas existentes há outras 22 na fila para entrar. Sinceramente, não sei onde isso irá parar. Haverá um dia em que as empresas não terão mais como vender sua produção. Hoje, consumo ficou infinitamente menor do que a capacidade de produção.
Quem controla a exploração do negócio?É o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). É de lá que se controla o que é engarrafado, vendido, faturado e recolhido.
E os impostos são altos?Altíssimos. Sobre cada garrafão são 17% de ICM, 10% de imposto sobre o instituto e 2% para ser recolhido ao DNPM ? fora PIS, Confins, Pasep, Imposto de Renda, INSS e outras obrigações existentes.
Se a carga tributária é pesada e a concorrência é grande, como as empresas continuam no negócio?Porque é mais barato ficar do que sair. Uma vez que se está dentro a coisa vira um desafio. Graças a Deus, o meu filho Djalminha (o principal executivo da empresa) adora desafios. Desde cedo instituímos aqui obsessão por qualidade. Isso influenciou processos hoje praticados na produção, como, por exemplo, a esterilização por ozônio dos garrafões. Práticas que nos garantiram a certificação ISO 9001.; Somos os únicos do estado com essa certificação que, em última análise, coloca o nosso cliente numa posição privilegiada. Ele compra e recebe 100% pelo que pagou.
Essa obsessão que o senhor atribui ao seu filho pela qualidade nasceu do senhor?Sabe, acho que essa é uma preocupação me acompanha desde que me entendo por gente. Minha criação foi dentro de estabelecimentos comerciais, tratando com o público. Para mim, o consumidor é o meu maior parceiro. Por isso estou sempre procurando saber se ele está contente com a minha água, porque deixou de comprar minha água, se ele a está consumindo regularmente, o que está faltando para que fique mais satisfeito… É como eu disse – uma obsessão. E meu filho herdou isso, sem dúvida.
A empresa atua em outros estados?;; Vendemos para a Paraíba e o Ceará. Temos a Cristalina do Oeste, perto de Mossoró, onde o custo do frete para o mercado cearense sai bem mais em conta. Mas atendemos, principalmente, a todo o Rio Grande do Norte. Não há um recanto aqui em que não chegamos.
Esse negócio de água mineral tem sazonalidade?Tem sim. Água é mais ou menos como sorvete ? as pessoas consomem mais no verão e menos no inverno. No começo do inverno, as vendas caem 40%. E não é só com a Cristalina que se verifica essa retração, é em todas as empresas.
E quando isso acontece, como as empresas do ramos agem?Não sei como ela; agem, eu começo a controlar o negócio, reduzir custos aqui e ali e, se possível, até reduzir um pouco meu quadro de funcionários. Diminuir custos para equilibrar o capital sempre foi o norte para mim em matéria de comportamento empresarial. E, é claro, sem deixar de cumprir minhas obrigações para com empregados e fornecedores.
Como é a sazonalidade da água mineral?Já a partir de abril os negócios do ramo começam a alterar suas rotinas, tendo em vista a queda na produção. Em setembro, com a proximidade do verão, o negócio volta a aquecer, atingindo o ápice em janeiro,; mês do veraneio, quando as pessoas vão se refugiar nas praias. Nessa época elas passavam a beber muito mais água.
O senhor diria que problemas ambientais como a contaminação das águas por nitrato ajudaram o seu negócio?Infelizmente, sim. Os geólogos comentam muito que quanto mais água houver no subsolo, melhor para diluir o nitrato. Mas isso não é fácil. A chuva; deste ano vai aparecer no sistema no próximo ano. As águas subterrâneas passam um ano para receber as águas do inverno anterior. Ou seja, as águas que caíram do céu em 2009, atingirão o subsolo apenas em 2010. E como Natal é uma cidade que não atingiu um quantitativo de saneamento satisfatório, as águas sob proteção ambiental passaram a fazer toda a diferença. Hoje, enquanto negócio, nossa atividade é fiscalizada rigorosamente pelo DNPM, Covisa, Sovisa e isso é muito bom. Graças a essa vigilância, as águas minerais do Estado são todas de excelente qualidade.;
Mas, voltando a questão da concorrência, o senhor acredita que deveria haver uma contenção para novas fontes de água mineral?Acho sim, que deveria haver uma proporcionalidade em relação à população existente e coberta pelos produtos em oferta no mercado. Digamos, para 1 milhão de habitantes de uma determinada área deveriam existir apenas tantas fontes de água mineral.; Ora, Natal tem 15 fontes quando, na verdade, a cidade só comporta a existência de cinco fontes. Resultado: 35% da produção sem mercado. Ou seja, não existe consumo para a oferta atual. Não há nada mais trágico para um mercado do que isso.
Ainda bem que o estoque não é perecível…Mas é muito triste você ter investido em estrutura e pessoal e não poder ligar as bombas porque não tem consumo. O resultado disso é que passamos cinco anos para conseguir subir centavos o valor de um garrafão por conta da demanda e da concorrência. Isso porque enquanto uma empresa quer subir, a outra não quer. Porque uma tem um custo diferente da outra. Depende do seu processo de engarrafamento, de seu quadro técnico, dos seus empregados, de seu chefe de engarrafamento, do seu gerente de estoque… Cada empresa tem seus custos.
A Cristalina ocupa que posição no mercado?Somos líderes de mercado, embora muita gente até duvide disso. Talvez porque algumas marcas apareçam mais do que outras na mídia. Mas isso não traduz a realidade do mercado. O consumidor de água mineral é exigente?Eu diria que muito mais do que no passado. Hoje ele quer saber detalhes da produção, como a água que ele bebe é engarrafada, que tipo de lacre é usado, que tipo de limpeza é feita no garrafão, qual a temperatura usada no processo de engarrafamento. Muitos consumidores começam a se preocupar com isso.
A Cristalina não nunca quis entrar no segmento dos carbonatados (refrigerantes). Por quê?Esse é um segmento que concentra uma concorrência muito grande. Tem gente muito forte nesse negócio e o pequeno não tem vez. Há casos de fontes de engarrafamento de refrigerante que já fecharam. Nós sabemos perfeitamente o que queremos do que fazemos. Esse é um grande segredo: foco empresarial. Nós automatizamos progressivamente a produção para ganhar eficiência e controlar custos. Isso foi sendo feito ao longo dos anos e conseguimos domar esse processo. Sabemos exatamente onde nos meter e onde não nos meter. Esse é o segredo da sobrevivência.
É verdade que a água mineral mais barata do Nordeste é de Natal?É verdade, pode pesquisar. Onde existiam 57 fontes em Pernambuco e água custava R$ 0,80, R$ 1,00, hoje essa mesma água é R$ 4,00 o garrafão. Mesmo num quadro de grande concorrência, hoje não se vende um garrafão de água mineral por menos do que isso. Nossa água, mesmo com todo o investimento feito nos últimos anos, custa ao consumidor final R$ 3,00. Isso nos obriga a gerir o negócio a partir de detalhes, operando dentro de uma margem estreita. E, acredite, crescer assim é um desafio constante à inteligência.
O senhor tem ganhado dinheiro com suas empresas?Eu sou aposentado como auditor fiscal da Fazenda, o meu salário é para a minha sobrevivência. O que sobra nos finais de ano, indicado no balanço das quatro empresas do grupo, é para reinvestimento no negócio, no produto, na logística e nos salários dos funcionários. Isso acontece na Água Cristalina, na Cristalina do Oeste, na Essência do Campo e agora na Indústria de Plástico do Nordeste. Não captamos dinheiro em Banco, fazemos tudo com recursos próprios, mas naquela base: o negócio precisa ser sustentável. Se não for, nada feito. Nossa política aqui é crescer sem artificialismos. É pé no chão e muito trabalho.
Tribuna do Norte – RN