Diamantes de sangue e miséria
24/06/10
Novos trabalhos de mineração no Zimbábue já renderam milhões de quilates de diamantes e podem fazer o país saltar para o grupo dos grandes produtores de diamantes do mundo, foi o que disse o chefe de um grupo de especialistas apoiado pela ONU em seu esforço para conter o comércio das pedras preciosas vindas de áreas de conflito.
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Mas o novo filão já provoca receios de que as riquezas serão usadas para subverter as tentativas de democratização de um país que há muito tempo vive sob o jugo de um governo autoritário, e também para financiar os conflitos. “É uma reserva de classe mundial”, disse Mark Van Bockstael. Para ele, as concentrações de diamantes em Marange estão entre as maiores do mundo.
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Outros especialistas concordam que esta é uma descoberta importante, mas aguardam mais dados para avaliar sua real magnitude. Mas o grande acúmulo de pedras já levou o presidente Robert Mugabe a tomar o controle das jazidas, com o objetivo de permanecer no poder, onde está há 30 anos, dizem pessoas próximas.
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Embora hoje Mugabe compartilhe o poder com seus velhos rivais, nos termos de um tênue acordo firmado entre eles, as minas de Marange são administradas por um ministério comandado por seu partido, o Zanu-PF, e protegidas por um Exército que se reporta a ele e lhe dá, e aos seus aliados, um controle indireto sobre um benefício econômico desesperadamente necessário.
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“É a salvação do Zanu-PF”, disse um dos amigos mais próximos de Mugabe, que pediu para não ser identificado. “Os diamantes estão sendo vendidos no mercado negro para ganhos pessoais e partidários, com alguns líderes do partido ganhando e outros excluídos. O saque intensificou-se nos últimos seis meses.”
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Quanto a se Mugabe conseguirá vender os diamantes nos mercados internacionais, com a certificação de que as gemas não financiam conflitos, o teste crucial será esta semana, numa reunião iniciada na segunda-feira em Tel-Aviv por integrantes do Processo Kimberley – iniciativa de governos, do setor de mineração e venda de diamantes, e grupos de defesa, para pôr fim ao comércio ilícito de diamantes que tem alimentado guerras em Angola, Serra Leoa e Congo. Ali vai ser decidido se os diamantes de Marange poderão ser exportados. Mais de 70 países já se comprometeram a não negociar com países que não atendam aos critérios estabelecidos pela iniciativa.
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Investigadores do Processo Kimberley e grupos de direitos humanos reuniram o que consideram relatos confiáveis indicando que o Exército usou de extrema violência em sua operação, em 2008, para se apossar das jazidas de Marange, quando usaram cães, fuzis Ak-47 e até helicópteros artilhados para atacar os mineiros. As autoridades criaram seus próprios sindicatos de contrabando, dizem aqueles grupos.
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Mark Van Bockstael calcula que somente 5% das pedras são gemas puríssimas, enquanto que 90% podem ser de baixa qualidade, úteis apenas para fins industriais.
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Van Bockstael, que é geólogo, disse acreditar que, com base em entrevistas com autoridades e outros dados, as jazidas podem render entre US$ 1 bilhão a US$ 1,7 bilhão ao ano, receita que colocaria o Zimbábue entre a meia dúzia de grandes produtores de diamantes do mundo.São valores enormes para um país cujo PIB foi de apenas US$ 4,4 bilhões em 2009, segundo o FMI. O Zimbábue precisa urgentemente de dinheiro para combater a fome, as doenças e a miséria no país.
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As opiniões sobre se o Zimbábue deve receber a certificação para vender seus diamantes são divididas. Mugabe qualificou as tentativas para proibir seu país de negociar os diamantes como um complô ocidental para derrubá-lo. Analistas e líderes civis temem que, em vez de dar esperança para a sofrida população do país, essas novas riquezas possam servir para financiar mais crimes e mais repressão.
Estadão