CSN preferirá mercado a sócio em Casa da Pedra
21/05/07
IPO dará mais liberdade a Steinbruch do que mineradoras estrangeirasCEZAR FACCIOLIRepórter Especial do Jornal do CommercioA oferta pública inicial de ações (IPO) é o desfecho mais provável para a capitalização de Casa de Pedra e dos ativos de mineração e logística associada da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). O Credit Suisse, banco encarregado de desenhar a operação para os controladores da CSN, teria recebido orientação de que caso o mercado se disponha a pagar o mesmo preço que um investidor estratégico, como outra siderúrgica ou uma grande mineradora internacional, a preferência é dos investidores em bolsa. A inclinação pela IPO teria duas razões principais: o desejo do presidente do grupo, Benjamin Steinbruch, de preservar a autonomia de sua gestão na área de mineração da CSN e a menor tolerância de investidores estratégicos ao direito de preferência detido pela Vale do Rio Doce sobre a produção de Casa de Pedra que exceda o consumo próprio da CSN. Esse direito já levou ao adiamento da operação, antes prevista para o ano passado, e está obrigando a CSN e o banco encarregado da montagem da IPO a estudarem uma fórmula de contorno do dispositivo. Uma das possibilidades é a retirada das reservas da mina própria da CSN do rol dos ativos a serem cindidos para a IPO. Só as receitas efetivadas com a venda do minério entrariam no cálculo. Com isso, ficaria mais difícil atingir os US$ 9 bilhões a US$ 10 bilhões de precificação dos ativos. A receita efetiva com a venda da fatia minoritária (20% a 30%), descontados os custos financeiros e operacionais, ficaria entre US$ 1,8 bilhão e US$ 2,7 bilhões.REFORÇO OPORTUNO. Esse reforço de caixa viria bem a calhar neste momento em que a CSN investe na construção de duas novas usinas, projetos da ordem de US$ 3 bilhões e 4,5 milhões de toneladas anuais de placas de aço cada uma. O desdobramento mais visado por Steinbruch, contudo, é provavelmente a valorização geral do grupo. A CSN se ressentiu de rating mais atual e de uma análise mais favorável dos bancos de investimento internacionais, na reta final da disputa com a indiana Tata Steel pela anglo-holandesa Corus. A diferença de cinco pence por ação, em relação à oferta definitiva dos indianos, refletiu antes de mais nada a cautela de Steinbruch, pois a Tata Steel, nos bastidores, sinalizada a disposição de puxar a disputa, encerrada nos 613 pence por ação, até os 700, se necessário.Veladamente, a equipe de Steinbruch trabalha com pressuposto implícito do maior sucesso da operação com Casa de Pedra, uma mina com potencial para até 50 milhões de toneladas anuais até hoje subutilizada. Esse pressuposto é a opção da Vale do Rio Doce por abrir mão do direito de preferência sobre o minério excedente de Casa de Pedra, para não ser obrigada a vender a Ferteco.A resolução do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cadê) sobre a compra de sete mineradoras pela Vale, entre as quais Samitri, Caemi e Ferteco, estabeleceu entre duas condições, venda da Ferteco ou desistência do direito de preferência sobre Casa de Pedra, para sancionar a expansão da Vale. A Vale passou a deter com as compras 85% da oferta brasileira de minério de ferro.A Ferteco está estimada, por analistas, de US$ 5 bilhões a US$ 6 bilhões, nos quais pesam sua produção própria de 25 milhões de toneladas e a presença em complexo logístico de grande envergadura, que permite o escoamento de outros 15 milhões de toneladas de produtores independentes. A produção de terceiros, na região do Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais, desenvolveu-se bem mais que em Itabira, área forte da Vale, por estar servida pela Malha Sudeste da Rede Ferroviária Federal, depois convertida na MRS pela privatização, e não depender da Vitória a Minas, ferrovia operada pela Vale.A compra da mineradora posta à venda pela Vale, nessa hipótese dada como mais improvável pela maioria dos analistas, permitiria a concorrentes diretas da Vale, como Rio Tinto, BHP ou Anglo, montarem uma cabeça-de-ponte forte no país. O minério brasileiro, de maior teor de pureza, permitiria alavancar a venda da matéria-prima australiana, à razão de um para três, proporção mais comum no blend das siderúrgicas japonesas e chinesas de maior porte.O risco desses grupos se associarem à CSN ou terminarem por absorver integralmente os ativos de mineração da CSN existe, mas é bem menor, de acordo com consultores e analistas especializados.Após reveses, Anglo tem projeto expressivo no BrasilA Anglo, que não iguala no minério de ferro a proporção em diamantes e ouro que lhe garante o posto de maior mineradora do mundo em faturamento, é entretanto a única já instalada no Brasil com projeto expressivo, a participação no complexo da MMX, que une jazidas em Minas, um mineroduto de 700 km e o porto de Barra do Açu, em São João da Barra, no litoral do Norte fluminense, a chamada Costa Doce. A decisão indica que a derrota na privatização da Vale e a desistência do projeto de Salobo não afetaram a decisão dos sul-africanos de explorar o subsolo brasileiro. A insistência em atuar no Brasil, depois de revezes importantes, torna a Anglo uma forte candidata a tornar-se sócia da CSN em Casa de Pedra, na hipótese de a opção do grupo de Steinbruch ser por um parceiro estratégico da área de mineração.Mais do que a Rio Tinto, que chegou a ser apontada como investidora preferencial, pela possibilidade de oferecer uma parceria no pólo minero-siderúrgico de Corumbá. A dificuldade de contornar as restrições legais em áreas de fronteira e a distância para os portos de Santos e Paranaguá, da ordem de 2 mil km, limitam contudo as chances de sucesso do projeto. De todo modo, não se deve descartar uma nuance extra do projeto de Casa de Pedra, a associação com uma siderúrgica européia ou americana que demande acesso a matéria-prima de qualidade. DOTE DA PARCERIA. Para isso, a candidata a parceira terá de trazer como dote a entrada em um mercado mais desenvolvido, passo da CSN frustrado pela derrota na disputa pela Corus e na luta pela Wheeling-Pittsburgh, usina na Costa Leste americana.Nem a alocação de US$ 6 bilhões em novas unidades no Brasil tira da CSN o foco em conquista de espaços no exterior, para os analistas. A fabricação de placas, com a vantagem brasileira da matéria-prima de alto teor e os menores custos de mão-de-obra na comparação com fabricantes de mesmo grau de especificação técnica, é voltada para a laminação nos mercados finais. Projetos como a nova unidade da Lusosider e a construção de uma laminadora a frio, do zero, no Kentucky, não esgotam essa busca de espaço. São antes, para consultores e analistas, instrumento de barganha e afirmação de independência face a parceiros em potencial. No essencial, o projeto de expansão da CSN passa pela compra de uma empresa de peso no exterior, ou pelo casamento com um grupo de primeira linha. E o comando da empresa sabe que o dote para este noivado é o minério de Casa de Pedra, tão bom quanto o das melhores minas da Vale do Rio Doce, sem ter sido explorado, ao longo de sua existência mais que cinqüentenária, com a mesma competência da maior exportadora de minério do planeta. Minério de ferro que agora, nas mãos especializadas de Juarez Saliba, trazido da Vale, sob o olhar arguto do estrategista Steinbruch, pode e deve virar ouro no mercado de capitais com que a CSN pretende consolidar sua transformação em multinacional de raízes brasileiras.
Jornal do Comércio – RJ