Coisas da Política – Os minérios e a segurança do país
21/11/08
Mauro Santayana
A reformulação da política mineral do país, anunciada pelo governo, poderia ser a oportunidade para colocar ordem no setor, mas, ao que parece, não será. Pressionado pelo lobby das mineradoras, o projeto começa com uma concessão ameaçadora à soberania do país. Abre-se a firmas estrangeiras a exploração na faixa de fronteira, até agora vedada. Trata-se de novo assalto aos recursos da Amazônia, com conseqüências sociais e ambientais irreparáveis ? além dos riscos para a segurança nacional.
O problema da mineração devia tocar a alma brasileira. Foram os metais da América do Sul ? a prata dos Andes e o ouro de Minas ? que fizeram o homem moderno. A vida econômica européia, que se reconstruía depois das grandes pestes do século 14, arrastava-se no século seguinte, e isso explica um pouco a grande criatividade artística do Renascimento. As vicissitudes costumam suscitar a reflexão interior. A descoberta da América, coincidindo com a expulsão dos muçulmanos de Granada, trouxe novo alento aos europeus. Já nos primeiros decênios do século 16, os relatos de viajantes, como Américo Vespúcio, que deu seu nome ao continente, excitavam a imaginação, com a promessa de riquezas imensas nas novas terras.
Os metais permitiram a monetarização da economia, e a Inglaterra valeu-se do comércio internacional para fortalecer sua marinha e ampliar o império. Os mineiros do Altiplano boliviano continuam tão mal como antes. Nas cidades históricas de Minas, as grandes cicatrizes da mineração guardam a memória do saque. Hoje, em suas cercanias, outras feridas, muito mais amplas e mais profundas, se abrem, com a exploração dos minérios de ferro e manganês, entre outros.
É comovedora a luta dos jovens deputados José Fernando de Oliveira (PV-MG) e Brizola Neto (PDT-RJ), em defesa dessas cidades, às quais as empresas mineradoras entregam óbulos humilhantes como compensação. Felizmente contam com o apoio de governadores, deputados estaduais e prefeitos, e até mesmo de ministros do governo, além de amplos setores da opinião pública. Embora mineração seja mineração, tanto de metais, como de petróleo, e o artigo 20 da Constituição não discrimine uma da outra, os royalties pagos pela exploração petrolífera aos estados e municípios beneficiados são ? ainda que justos ? imensamente superiores aos auferidos por estados e municípios prejudicados pela exploração de minerais sólidos. Basta um exemplo: Campos, no estado do Rio, recebeu, apenas em janeiro de 2008, como compensação pela exploração do petróleo, R$ 37 milhões, enquanto todo o estado de Minas Gerais, durante os 12 meses de 2007, só havia recebido R$ 61 milhões pela exploração mineral. O estado do Pará, com a grande mina de Carajás, recebeu, em 2007, menos do que Campos em um só mês: R$ 34 milhões. Ressalte-se que a extração do petróleo em águas profundas não muda a altura do mar, não altera a superfície marinha. A exploração mineral amputa as montanhas, prejudica o clima, mutila a paisagem. E a paisagem é o útero das civilizações.
Os mineiros são muito sensíveis ao problema, e com suas razões. O estado é o único, no Brasil, a ter como denominação uma atividade econômica, e isso desde quando era capitania. Sua construção política teve como eixo a mineração e a resistência contra o saqueio do ouro e dos diamantes. No século passado foi memorável a sua luta, durante mais de 30 anos, para impedir que as jazidas do Quadrilátero Ferrífero fossem entregues aos estrangeiros da Itabira Iron. A Vale do Rio Doce foi organizada pelo mineiro Israel Pinheiro e consolidada por outro mineiro, Demerval Pimenta. Uma das providências dos atuais controladores da empresa que mais irritaram os mineiros foi a amputação do nome da companhia, com a supressão de “do Rio Doce”, que identificava a sua origem nas jazidas da bacia do rio mineiro.
O deputado José Fernando de Oliveira e seu colega Brizola Neto estão solicitando à Comissão de Minas e Energia a realização de audiência pública, a fim de examinar a forma pela qual a Vale foi privatizada há 10 anos. Justifica seu pedido pelo elevado número de ações judiciais que contestam o processo, e a irrisória compensação recebida pelos municípios explorados. Vai ser ótima oportunidade para que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que deve ser convidado para a audiência, explique à nação os motivos que o levaram a entregar a empresa aos seus controladores atuais, e pelo preço que pagaram.
Jornal do Brasil