Chegou o relatório sem adjetivos
03/11/08
Amelia Gonzalez amelia@oglobo.com.br
Quem já teve oportunidade de ter nas mãos um relatório de sustentabilidade de uma empresa, com certeza ficou bem impressionado com a qualidade do papel, da edição, das fotos. Até aí, tudo bem. Mas, quando até o texto, cheio de adjetivos e de histórias de sucesso maravilhosas, impressiona, é porque algo está errado. Ou as empresas vivem numa bolha, cercadas de verde e de comunidades que tiveram sua carência resolvida; ou nós é que vivemos num mundo irreal onde ainda há muita desigualdade de renda e crimes ambientais.Nem uma coisa, nem outra: o que está equivocado é este modelo de relatório. A partir desta constatação é que uma ONG inglesa chamada Global Reporting Initiative (GRI) decidiu criar, em 2000, um novo modelo para as empresas preencherem seus relatórios de maneira mais realista. Deu certo.Tanto que, no fim do mês de setembro, o presidente da Vale, Roger Agnelli, reuniu a imprensa para apresentar formalmente seu primeiro relatório feito com base no GRI.O que tem este relatório de diferente? Para a professora Sonia Loureiro, que ministra um curso sobre relatório GRI com certificado da organização inglesa, a maior diferença é que este modelo é um instrumento de gestão: Com ele as empresas medem aquilo que valorizam e passam a valorizar aquilo em que põem foco. Em outras palavras, elas param para refletir sobre questões que não se davam conta diz ela.Em entrevista à jornalista Miriam Leitão, Roger Agnelli rebateu uma crítica, de que a Vale fala muito em sustentabilidade mas não ocupa bons lugares em rankings, dizendo que a empresa ainda não sabia como informar.E que, a partir do relatório com modelo do GRI, isto iria mudar. Levando em conta que um dos requisitos básicos para preencher este formato é encontrar o modelo que atenda às exigências de todos os públicos, Agnelli tinha razão. Sonia Loureiro diz que as empresas precisam ter um olhar atento para a comunicação: Chegou ao ponto de a Unilever chamar o ator Paulo Goulart e criar uma novela, com vários personagens, para se comunicar com os funcionários ? disse ela.Mas isto só vai dar certo se a empresa tiver, de fato, uma gestão que respeite o famoso tripé ? economia, social e ambiental.Porque, ao preencher o relatório modelo GRI, a empresa está assumindo um compromisso público com metas de melhoria e, se o público for bem capacitado, pode cobrar de maneira eficaz e apontar as falhas.O exercício de preenchimento do relatório já é um termômetro para a empresa, já que ela vai ter chance de olhar para si própria e fazer comparações com ela mesma e com outras empresas.Nossa batalha é para acabar com os relatórios muito adjetivados, por isso o GRI, em sua terceira edição, acrescentou o teste de materialidade. Isso quer dizer que a empresa deixa de dar só a sua visão e passa a incluir também o que pode ser interessante para ONGs, formadores de opinião, comunidade do entorno disse a professora.Para ampliar o uso das diretrizes, foram criados três níveis de aplicação este ano (ver box ao lado) e a empresa passa a escolher os indicadores que vai relatar junto com outras partes interessadas.O que está por trás disso é o engajamento das partes. E o resultado são relatórios que levam em conta o que realmente importa. Mas é um processo ainda muito novo. Vai demorar para ser absorvido.Com a mudança, o GRI pretende ajudar até os analistas que administram os fundos éticos.Eles não costumam usar os relatórios das empresas porque lá não conseguem encontrar o que interessa de verdade.Segundo o diretor de sustentabilidade da Vale, Luis Claudio Castro, a primeira dificuldade realmente foi mensurar os indicadores sugeridos no relatório: Alguns nós tínhamos medidos, outros não. Fomos atrás para medir, por isso funciona como instrumento de gestão. Ao todo há 93 indicadores para o setor de mineração, atingimos 51 e precisaremos atingir, dentro de dois anos, 67, para subir para o nível A ? disse ele.Segundo Sonia Loureiro, a empresa sofre muito no início para responder aos indicativos até que alguém descobre que, na prática, ela precisa mesmo monitorar seu desempenho para poder preenchêlo com mais facilidade. O resultado deste esforço, por exemplo, a Vale percebeu quase imediatamente: em menos de um mês do relatório lançado, a empresa ficou em quinto lugar na avaliação da Goldman Sachs, que em 2006 tinha dado a ela um modesto décimoquarto lugar.Na próxima rodada do City nós vamos estar muito bem garante o executivo.
O Globo