Centenário do homem que realizava
03/10/06
Artigo – ELIEZER BATISTA DA SILVA / Jornal O Globo
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A trajetória de vida e a obra empresarial de Augusto Trajano de Azevedo Antunes somente encontram paralelo na saga de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Ambos são construtores de catedrais e configuram as maiores aventuras do empresariado nacional. Elas deveriam servir de catecismo para todas as escolas e universidades do país. A história do “Dr. Antunes” é um épico que descortina os pensamentos, valores e a determinação férrea do mais patriota dos homens que conheci.
Injustiçado, mal compreendido, muitas vezes vilipendiado por um farisaísmo ideológico que o satanizava, Augusto Trajano de Azevedo Antunes merecia um feriado cívico e uma estrela no pavilhão nacional. Muitos brasileiros amaram seu país; tantos outros trabalharam por ele. Mas raros foram os homens que, como Antunes, soldaram a ferro e fogo virtudes que nem sempre se conjugam: o intenso espírito empreendedor e a capacidade incomum de colocar a nação acima de qualquer outro interesse. Antunes era um brasileiro puro-sangue.
Esse espírito cívico se manifestou em todos os grandes momentos da trajetória de Antunes. Em 1942, quando a mineração no Brasil era uma atividade rudimentar e muito pouco atraente, em meio ao ceticismo generalizado, ele iniciou a extração de minério de ferro em Itabirito, Minas Gerais. Assim agem os visionários. Onde todos enxergavam apenas pedra e cascalho, Antunes vislumbrou riqueza e progresso; onde a maioria mal via o presente, ele mirou o futuro.
No início da década de 1950, Antunes já comandava o que viria a ser um dos maiores grupos privados da área de mineração do país, dando partida na exploração de manganês na Serra do Navio, no Amapá, uma das principais operações da empresa. Neste momento, já havia se revelado uma das características mais marcantes de Antunes: o respeito aos seus empregados. Entre 1948 e 1950, apesar das dificuldades financeiras de sua empresa, a Icomi, que contabilizava prejuízos em seus anos iniciais, manteve os salários rigorosamente em dia. Em uma época em que nem se ouvia falar sobre responsabilidade social das empresas, Antunes já a praticava.
Não faltava disposição para o trabalho, fosse para arrancar minério da pedra, fosse para brigar pelo Brasil. Se a mineração brasileira alcançou tamanha importância no mapa mundial, muito se deve à obstinação cívica de Azevedo Antunes. Por diversas vezes, impediu que se cometessem brutais crimes de lesa-pátria. Um caso emblemático foi o duelo, em meados da década de 60, contra a americana Hanna Mining. Em 1965, Antunes criou a Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), resultado da junção de reservas da Caemi e da St. John Del Rey Mining, que havia sido comprada pela Hanna. Antunes ficou com 51% da nova empresa e os americanos, com 49%.
Logo se percebeu que o projeto da Hanna Mining passava a léguas de distância dos interesses da MBR e, por conseqüência, do Brasil. Os americanos queriam utilizar a maior parte do minério de ferro extraído pela MBR para alimentar as siderúrgicas dos Estados Unidos. Aquilo era uma facada nos interesses do Brasil. Àquela altura, já tínhamos uma proximidade muito grande com as siderúrgicas japonesas, já conquistada pela Vale do Rio Doce. Sabíamos que os acordos de longo prazo com as empresas nipônicas eram o caminho mais benéfico para a MBR, conforme viria a se comprovar.
Antunes tinha uma preocupação compulsiva em construir um Brasil melhor. Graças à sua visão holística, enxergava e pensava o país como um todo. Por mais alto que fosse o risco, sempre aceitava o desafio quando entendia que um determinado projeto era fundamental para a nação. Diversos dos seus negócios surgiram exatamente devido a este empenho cívico. Um dos casos mais emblemáticos foi a Jari Celulose e Papel. Antunes atendeu a um pedido do governo para salvar o empreendimento por considerá-lo vital para o crescimento econômico da Região Amazônica. Pagou um alto preço. Foi injustamente criticado e, mais uma vez, acusado de trabalhar a soldo dos americanos, neste caso, do investidor Daniel Ludwig, idealizador do Jari. Mesmo assim, jamais se arrependeu.
Ao comemorarmos o centenário de seu nascimento, neste ano de 2006, podemos afirmar que Azevedo Antunes foi a jazida mais valiosa que Deus colocou em terras brasileiras. ELIEZER BATISTA DA SILVA é ex-secretário de Assuntos Estratégicos.