Barro Alto 1: O ciclo do níquel
09/01/07
À semelhança da corrida do ouro, Barro Alto, a 210 km de Brasília, se prepara para viver dias de fartura, com início de investimento internacional de US$ 1,2 bilhão até 2010
Luciano PiresEnviado Especial
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Fotos: Cadu Gomes/CB
?Two? segura uma garnierita, rocha com 16% de concentração de níquel, encontrada em Barro Alto–> –>
Ana Diniz planeja comprar equipamentos para seu salão de beleza–>
Barro Alto (GO) ? A proprietária do salão Ana Belle, Ana Maria Diniz, confia em um futuro promissor para o seu negócio e diz que contratará funcionários, comprará novos móveis e mais equipamentos nos próximos meses. A pequena empresária está otimista com a corrida do níquel na modesta cidade de Barro Alto, a 210 km do Distrito Federal. ?Se você quisesse fazer um bolo, há alguns anos, não conseguia. Era preciso trazer os ingredientes de fora. Isso mudou, graças a Deus?, comemora. Detentor da maior reserva de níquel do Brasil, Goiás é alvo de pesados investimentos da iniciativa privada. O principal deles acaba de sair do papel. A Anglo American, companhia com sede em Londres, está desembolsando US$ 1,2 bilhão para construir uma metalúrgica de grande porte em Barro Alto. Essa fortuna começa a irrigar a economia local, impulsionando a onda de otimismo na região. ?A gente espera esse investimento há 30 anos. Sei que a cidade pacata vai acabar, mas todos vão crescer?, afirma Ana Maria. As obras só começam no fim do mês, mas a movimentação de técnicos vindos de fora do país ou de outros estados já é o suficiente para congestionar os dois únicos hotéis, que passaram a recusar hóspedes. A exploração comercial do níquel é tema obrigatório nas rodas de conversa da praça principal, na igreja e nos bares. ?Dentro de seis meses, vamos dobrar nossa população?, estima o prefeito Antonio Luciano Batista de Lucena (PFL). ?Mas não quero transformar isso aqui em um garimpo. Por isso estamos nos preparando?, adverte. Localizada no meio de um vale cercado por montanhas, Barro Alto tem 50 anos de idade, 7 mil habitantes e problemas de infra-estrutura típicos de um município pobre do interior do país. Faltam salas de aula, asfalto e moradia aos mais carentes. O Produto Interno Bruto (PIB) é de apenas R$ 8 milhões e a prefeitura é a maior empregadora: pelo menos uma pessoa de cada família da cidade trabalha na burocracia municipal. Há um ano e meio, o hospital público não realiza sequer um parto. A taxa de natalidade é zero porque a estrutura é precária e não existem anestesistas disponíveis. O clima é bom durante quase todo o ano, mas a temperatura ultrapassa com facilidade a casa dos 40º em setembro e outubro. Não existe violência. Moradores caminham até altas horas, os carros passam as noites de portas abertas, as casas ficam quase sempre destrancadas e é comum ver bicicletas amanhecerem nas ruas. Cenário pacato e tranqüilo, exatamente igual aos tempos em que a cidade começou a ser povoada. A chegada da usina vai mudar a cara de Barro Alto. Mais pessoas, mais problemas. Para evitar o caos anunciado, a prefeitura planeja gastar ? e gastar muito ? em obras básicas. O dinheiro não sairá dos cofres públicos e sim da própria Anglo American. Graças a um acordo, a empresa concordou em antecipar parte do pagamento de impostos. Cerca de US$ 5 milhões vão custear mais salas de aula, casas populares, hospitais, recapeamento de vias. ?Não vamos administrar esse dinheiro. Um grupo de pessoas (juiz, promotor e representantes da sociedade civil) definirá quais serão as obras mais urgentes. A companhia repassará o recurso ao executor do serviço?, promete o prefeito. Durante a montagem da metalúrgica, serão criados 3 mil postos de trabalho. Quando a usina estiver em funcionamento (2010), os empregos diretos serão 750. A Anglo dará prioridade à mão-de-obra local e contratará (depois de um treinamento) marceneiros, pedreiros, eletricistas e bombeiros. O drama está na contratação de pessoal especializado. Parte dessa carência será compensada com o remanejamento de profissionais que hoje atuam em Niquelândia, distante 110 km. No município vizinho, a Anglo American mantém uma metalúrgica que beneficia o minério extraído de Barro Alto, enquanto a nova planta (três vezes maior) não fica pronta. A chegada dos forasteiros mobiliza as atenções. Por causa dos altos salários desses profissionais, a cidade cresce em ritmo acelerado. Casas amplas e imponentes estão sendo levantadas, ocupando o que antes era simplesmente vazio. Sebastião Rabelo da Silva, conhecido como ?Two?, é só sorrisos. Dono do bar mais famoso de Barro Alto (Bar do Two), ele é testemunha ocular do último suspiro do ciclo do ouro goiano e acredita que, desta vez, tudo será diferente. ?Muita gente ficou rica e está pobre porque não teve a cabeça no lugar?, lembra. ?Two? quer ampliar o negócio para receber a clientela com mais conforto. ?Se hoje vendo 30 caixas de cerveja por semana, vou vender 60?, espera. O morador conta que o rio Maranhão ? que acabou inundado pela represa de Serra da Mesa (onde existe uma hidrelétrica) ? era disputado palmo a palmo por garimpeiros de todos os cantos. Entre 1978 e 1979 ainda havia um pequeno fluxo de sonhadores em busca de riqueza fácil. Em 1981, no entanto, veio a decadência. ?As pessoas estão mais esperançosas, mas com os pés no chão. Naquele tempo, era só sonho?, afirma ?Two?. O pai, Jerônimo Rabelo da Silva, 90 anos, concorda com o filho. ?A gente pisa em minério por aí há tantos anos. Está na hora disso virar dinheiro?, resume o homem que é um dos fundadores de Barro Alto. Inflação Como tudo na economia, os avanços quase sempre são acompanhados por efeitos colaterais. Se aumenta a circulação de dinheiro e de pessoas, o custo de vida tende a acompanhar os novos padrões de consumo e renda. Resultado: Barro Alto sofre com a especulação imobiliária e com uma inflação invisível que corrói o poder de compra das famílias. Aluguéis, alimentos, material de construção e vestuário estão mais caros do que em 2006 e 2005. Atraído pelo minério, Olair Leão, dono da Casa de Carne Araguaia, reclama que está gastando mais do que esperava. Há dois anos, ele deixou Araguaína (TO) ? a 750 km ? com a esposa e dois filhos para tentar a sorte em Barro Alto. ?Ainda não recuperei o que investi no açougue?, diz. O aluguel da casa e do comércio subiu de R$ 300 para R$ 500. Se as coisas não melhorarem, Olair promete arrumar as malas e largar tudo. ?Estou com esperanças e confiante. Sou um otimista, mas preciso pagar minhas contas?, explica. –> –> –> –>
–>Pureza acima da média –> –> –>A megaestrutura que será erguida na mina de Barro Alto fixará bases sobre 116,2 milhões de toneladas em recursos minerais com um teor médio de 1,54% de níquel ? índice elevado, segundo padrões internacionais. Em 2011, no auge das operações, a expectativa da empresa é produzir 40 mil toneladas de ferroníquel ? volume que se aproxima do total fabricado no país (atualmente calculado em 55 mil toneladas). O início da produção deverá ocorrer a partir do primeiro trimestre de 2010. O tempo estimado de exploração do minério é de 26 anos, podendo ser ampliado de acordo com novas pesquisas. A maior parte daquilo que for beneficiado seguirá de caminhão até Anápolis (a 60 km de Goiânia) e de lá, por ferrovia, até o porto de Santos para atender a uma série de clientes estrangeiros. O investimento da Anglo American em Goiás é o maior já realizado por uma empresa privada no estado. A jazida de Barro Alto foi descoberta no final dos anos 1960 e a aquisição dos direitos minerários concluída em 2002, por US$ 35 milhões, depois que outra companhia realizou estudos e concluiu que o projeto não seria viável comercialmente. O recurso (US$ 1,2 bilhão) é parte de um total de US$ 6,2 bilhões que serão despejados em projetos já aprovados em todo o mundo. De acordo com a Anglo, aproximadamente US$ 750 milhões serão gastos no Brasil, embora a grande maioria do equipamento e da tecnologia utilizados sejam importados. A companhia está presente em 64 países e responde por mais de 120 mil empregos diretos. É a terceira maior mineradora do mundo e líder global na produção de platina, ouro e diamantes. No Brasil, o grupo é responsável pelas operações das empresas Mineração Catalão, Codemin e Copebrás, com atuação nos estados de Goiás (Niquelândia, Barro Alto, Catalão e Ouvidor) e São Paulo (Cubatão). A empresa atua no mercado brasileiro desde 1973 e emprega mais de 3.800 pessoas. (LP) –> –> –> –> –>
Entrevista / Walter De SimoniProdução do país será quadruplicada –> –> –>O mundo olha para o Brasil como uma das grandes potências mineradoras nos próximos 10 anos. O que significa para a Anglo American o investimento em Barro Alto? Walter De Simoni ? O Brasil é um país em que a empresa possui larga experiência e onde está presente desde a década de 1970. Além disso, apresenta um dos maiores potenciais em recursos naturais. O projeto Barro Alto vai quadruplicar a produção de ferroníquel da Anglo American no Brasil. Em termos mundiais, será um passo significativo para colocar a Anglo entre os grandes produtores de níquel no mundo. O investimento demonstra, ainda, a confiança no futuro do país. O mercado de níquel é extremamente polarizado. A empresa cogita ampliar o foco de atuação em Goiás? Estamos sempre atentos a boas oportunidades de negócio em qualquer lugar do Brasil, continuamos a investir em pesquisa e estamos dispostos a expandir ainda mais nossas operações no país, caso as oportunidades apropriadas se apresentem. A Anglo possui uma grande carteira de ativos em pesquisa mineral em diversas fases de desenvolvimento e em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Como fica a questão ambiental envolvendo licenças e índices de preservação? A Anglo American já possui todas as licenças necessárias para o projeto como: licença prévia, licença de implantação do projeto, outorga para captação de água, para construção da linha de transmissão. Obedecemos aos mais rigorosos padrões nacionais e internacionais de respeito ao meio ambiente, e não tivemos, até o momento, nenhuma dificuldade com relação às nossas operações ou projetos no Brasil. Com que metas a Anglo American trabalha a partir da entrada em funcionamento da planta de Barro Alto? A planta de Barro Alto produzirá uma média de 36 mil toneladas/ano de níquel contido em liga de ferroníquel, por 26 anos. A implantação do projeto terá início em janeiro de 2007. O início da produção está previsto para o primeiro trimestre de 2010 e a expectativa é de que a planta atinja capacidade total durante 2011. A produção de Barro Alto contribuirá para aumentarmos significativamente a produção de níquel do grupo no mundo, atingindo aproximadamente 90 mil toneladas por ano, em 2011. A logística também é um gargalo. O escoamento da produção não preocupa? Não temos questões sensíveis com relação à infra-estrutura para Barro Alto. O Projeto Barro Alto tem localização privilegiada e conta com toda a infra-estrutura básica necessária para projetos dessa natureza. No total, 80% da produção de Barro Alto será exportada e escoada por via rodoviária até Anápolis e, de lá, por via ferroviária até o porto de Santos. Os 20% restantes serão destinados ao mercado interno e escoados por via rodoviária. –> –> –>
Correio Braziliense