“A crise não vai afetar as fusões“
07/04/08
O economista carioca Antonio Quintella, 42 anos, ocupa uma posição privilegiada para avaliar a crise financeira internacional e o mundo dos negócios no Brasil. No Brasil, Quintella é presidente do banco de investimentos Credit Suisse, um dos líderes na intermediação de fusões e aquisições e em processos de abertura de capital de empresas (IPO) na Bolsa de Valores. Na matriz, Quintella é também um dos dez integrantes de um comitê mundial de investimentos em renda fixa e variável – o que inclui o mercado de hipotecas subprime dos EUA. A seguir, alguns trechos da entrevista de Quintella ao Estado: Algumas pessoas se arriscam a dizer que o pior da crise passou. O sr. acredita nisso?Acho difícil afirmar que a crise passou, porque algumas das forças que nos trouxeram para o ambiente de maior turbulência continuam em andamento. A economia americana ainda está desacelerando, há um processo de redução do nível de alavancagem financeira no mundo inteiro. Apesar de ainda haver uma grande liquidez financeira internacional, você tem ambiente em que as taxas de inflação em economias importantes continuam sendo monitoradas. Ainda existem riscos grandes no setor imobiliário nos EUA e algumas dúvidas sobre qual será o comportamento do consumidor americano daqui para a frente. É difícil dizer que vamos entrar num cenário de crise absoluta. Mas também é difícil dizer que chegamos ao fundo do poço. Existe uma clara disposição dos Bancos Centrais das grandes economias para resolver a situação. É momento para se ter cautela. Nem euforia, nem pessimismo profundo.Alguns economistas dizem que o Brasil escapa quase ileso da crise e outros dizem que é uma questão de tempo para o País sentir os efeitos da recessão americana. Qual é a sua opinião?A economia brasileira está crescendo com fundamentos sólidos. Fizemos, nos últimos anos, uma transição para um ambiente de menor volatilidade da taxa de crescimento do PIB e estamos crescendo mais que nas últimas décadas. É provável que esse ambiente benigno seja persistente por um ciclo mais longo que os ciclos de crescimento das últimas décadas. As condições estão dadas. O Brasil não tem grandes vulnerabilidades macroeconômicas. Não tenho uma grande preocupação que uma eventual desaceleração da economia americana e internacional possa provocar uma queda substancial do crescimento no Brasil. É possível, mas não acho provável.Apesar da crise, o banco mantém a projeção de que as fusões e aquisições com empresas brasileiras cheguem a US$ 100 bilhões este ano?Mais do que acertar o número no fim do ano, estamos preocupados com a direção que os mercados vão andar. O movimento de fusões e aquisições reflete o ambiente econômico. O Brasil é um país com um mercado atraente e oportunidades de crescimento significativas. Tem talentos gerenciais e ativos de qualidade internacional. É competitivo em várias áreas. Há um crescimento econômico em um ritmo estável, e o País está crescendo mais que nas últimas décadas. Esse é um ambiente muito favorável para as grandes transações corporativas. Por isso, acreditamos que as fusões e aquisições vão continuar em franco crescimento.Qual sua projeção para o crescimento das fusões e aquisições?É provável que o banco mais que dobre suas operações em relação ao ano passado, que já foi bom. O que vai acontecer aqui é provavelmente muito parecido com o que acontecerá fora.O cenário internacional mudou, há menos crédito. Isso não vai prejudicar os negócio?O cenário de crédito não é particularmente ruim no Brasil. Está certo que o crédito está um pouco mais caro no mercado internacional. Mas as boas oportunidades de investimentos para as boas empresas vão continuar sendo financiadas, seja no mercado de crédito ou no de ações. É claro que caiu o número de IPOs no primeiro trimestre em comparação aos dois últimos anos. Fora do Brasil, já se vê dificuldade em viabilizar operações extremamente alavancadas. Mas a disponibilidade de crédito para financiar as boas oportunidades por empresas brasileiras é uma mudança que veio para ficar. Fizemos uma transição do cenário em que o empresário brasileiro se defrontava com uma combinação perversa de escassez de financiamentos e de alto custo de capital para financiar seus projetos para um ambiente completamente diferente.Os problemas de crédito no mercado internacional podem prejudicar os planos de empresas brasileiras no exterior?Não ficou mais difícil comprar empresas lá fora. Em termos relativos, as oportunidades para as grandes empresas brasileiras são até mais atraentes. Em geral, as empresas brasileiras estão bem capitalizadas e têm capacidade gerencial de qualidade internacional. Além disso, vão disputar negócios com concorrentes menos capitalizados, porque a disponibilidade de crédito no mercado internacional é a menor nos últimos quatro ou cinco anos.Mas a escassez de crédito não é um problema geral?É um problema geral, mas as empresas brasileiras estão bem capitalizadas em relação ao universo de empresas internacionais. O Brasil nunca teve um ambiente em que as empresas foram muito alavancadas. Era difícil tomar risco financeiro numa economia instável como era a brasileira. Por isso, hoje elas estão bem capitalizadas.Essa é uma avaliação teórica ou seus clientes já estão analisando mais negócios?O que a gente observa no diálogo com empresários é que há um número grande de empresas analisando essas oportunidades. Obviamente, é um momento de cautela. Não vejo ninguém se precipitando para tomar uma decisão, mas o número de processos em andamento aumentou. No Brasil e no exterior. Que tipo de demanda vocês têm tido?Tem um pouco de tudo. A gente atende um número muito grande de grandes empresas e vem atendendo um número cada vez maior de empresas médias, que até poucos anos atrás não tinham fontes de financiamentos competitivas, tinham de usar sua própria geração de caixa.Em quais setores veremos mais negócios?Teremos negócios em muitas frentes. Mas, em algumas áreas, o Brasil é notadamente competitivo, em particular em tudo que envolve recursos naturais. O Brasil tem oportunidades de crescimento extraordinárias em mineração, papel e celulose, floresta, óleo e gás e agronegócio. Existem oportunidades tanto para o mercado doméstico como para plataformas de exportação. Também deve haver muito movimento na área financeira. E os IPOs?Quase certamente vai haver uma queda neste ano. Talvez o volume de negócios seja equivalente a 60% a 70% do ano passado. A questão mais importante é que o acesso ao mercado de ações em condições atraentes é uma conquista permanente para as empresas. Não vamos ver mais o que se viu na década passada, quando se acessava o mercado de ações em janelas de oportunidades que se abriam e fechavam com muita rapidez. Pelo contrário.Muitas ações de empresas que abriram capital no ano passado despencaram. Não houve excesso de euforia?Na medida em que empresas e investidores não se pautem pelo curtíssimo prazo, não há grande problema nessa queda para as empresas nem para o mercado. Em boa parte, as empresas foram afetadas pela redução de investimentos estrangeiros na Bolsa e pela preferência dos investidores por ações mais líquidas num momento de crise. Na maioria dos casos, as ações que caíram muito hoje estão subavaliadas. É prematuro dizer quando as condições de mercado vão melhorar. Mas é razoável crer que a médio e longo prazo a maioria das empresas que veio a mercado nos últimos anos será bem-sucedida. O Brasil oferece oportunidades extraordinárias de crescimento. As empresas que dependem de capital e viram suas ações desabar podem enfrentar problemas para se financiar?Não. O capital vai continuar disponível. Quem poderá ter dificuldades para levantar capital é quem frustrar daqui para a frente as projeções que foram compartilhadas com o mercado e que serviram de base para a oferta de ações.
O Estado de S.Paulo