Valor Econômico – Editorial
01/06/07
Lei de mineração correu atrás dos problemas A lógica dos sucessivos governos, quando se trata de assuntos fundiários e de meio ambiente, tem sido a de atuar apenas depois que situações de conflito, no caso fundiário, ou de devastação, no caso do meio ambiente, se generalizam. Parece ser o caso da proposta de projeto de lei que vai ser anunciada na próxima semana na reunião da Comissão Nacional de Política Indigenista. A intenção é a de abrir e regulamentar a exploração do subsolo de terras indígenas pelas mineradoras, partindo de uma realidade que já está dada: existem hoje 192 garimpos ilegais em reservas, segundo o Serviço Geológico do Brasil, que têm alto potencial de conflito e impacto ambiental. Segundo matéria publicada pelo Valor ontem (“Governo finaliza projeto de mineração em área indígena”, o projeto abre todas as áreas indígenas à mineração . Se aprovado, a lavra será concedida por licitação e a mineradora recolherá 3% do faturamento bruto da exploração mineral naquelas terras ao Fundo de Compartilhamento de Receitas sobre a Mineração em Terras Indígenas. Cada licitação terá de ser aprovada pelo Congresso. O projeto, embora preveja consultas às comunidades indígenas afetadas, não lhes confere poder de veto. O presidente da Funai, Luiz Fernando Villares e Silva, acha que será natural o governo – ou o Congresso, que terá o poder de veto subtraído dos índios – levar em conta, antes de elaborar uma proposta de concessão, “uma reação muito intensa de um determinado povo indígena”. A troca de garimpeiros ilegais por mineradoras que terão de se submeter a licitações para concessão das lavras, segundo o governo, teria a vantagem de manter sob controle o que é hoje uma desordenada exploração de terras indígenas. Tirar o garimpo da clandestinidade traria também a vantagem adicional de saber de quem cobrar impostos sobre a exploração desses recursos naturais. “Nada pode ser pior do que a situação em que se vive hoje. Qualquer regularização será melhor”, observa o secretário nacional de mineração e geologia do DNPM, Cláudio Scliar. Para ele, a cobiça sobre os minérios existentes nas reservas indígenas tornou a mineração um “caso de polícia”. Scliar tem as suas razões para falar isso: o garimpo ilegal tem sido deletério para as nações indígenas, crescentemente expostas ao conflito e à corrupção. Mas o potencial mineral dessas reservas recomenda ao governo muito cuidado na definição das áreas que serão dadas em concessão a empresas mineradoras, se o projeto for aprovado, sob pena de não apenas devastá-las, mas apagá-las do mapa. O objeto de cobiça das mineradoras é grande – até porque o potencial de exploração mineral das reservas indígenas é enorme. Apenas para a Amazônia, onde os índios têm 25% do território, existem hoje, antes da aprovação da regulamentação, 4.821 processos de requerimento de pesquisa e lavra, segundo o Instituto Socioambiental (ISA). Nessa região há interesse na extração de minério de ferro, ouro, cobre, diamante, bauxita e cassiterita – minérios que, segundo levantamentos ainda parciais, existem na região. Segundo o ISA, algumas das terras indígenas já têm quase todas as suas áreas requeridas por mineradoras. O governo deve contar, por isso, com forte oposição dos índios. “Precisamos de nossa terra, da caça, do rio. O dinheiro não dura. O índio da cidade pode não gostar. (Mas) o dinheiro não vai salvar a vida dos índios”, afirma Davi Ianomâmi. Para os povos indígenas que mantêm alguma tradição, a devastação pode significar a dispersão e a morte. Ainda assim, pode-se concordar com a afirmação de Scliar de que é melhor qualquer regularização do que a situação que persiste hoje, onde o garimpo devasta sem nenhum controle e manipula ou coage tribos inteiras. É lamentável, no entanto, que a situação tenha chegado a esse ponto, por falta de fiscalização, controle e, principalmente, pela ausência de uma ação efetiva do governo para proteger o território indígena – e o país – da devastação e da cobiça dos garimpeiros. Se conseguir aprovar projeto tão polêmico, o Executivo poderia passar a olhar com seriedade para outro problema que não afeta apenas a vida dos índios, mas de todos os brasileiros: a ação devastadora das madeireiras na Amazônia. Afinal, elas também agem clandestinamente e não pagam impostos.
Valor Econômico