Tempo perdido
20/08/07
Roberto Campos costumava dizer que o Brasil é um país que nunca perde uma ocasião de perder uma ocasião. Várias vezes no curso da História verificou-se quanta razão assistia àquela máxima de Roberto Campos. Poucos exemplos foram tão eloqüentes quanto a política brasileira em relação à energia nuclear. No dia 17 de dezembro de 1975, faz disso trinta e dois anos, foi assinado entre o Brasil e a República Federal da Alemanha um acordo que foi fruto de longas e complexas negociações entre a diplomacia brasileira e a alemã, em face, dito seja de passagem, de acirrada oposição dos Estados Unidos da América. Cabe notar que tanto a Alemanha quanto o Brasil declararamse partidários da não proliferação de armas nucleares. Por esse acordo, a Alemanha se comprometia a fornecer ao Brasil todos os conhecimentos necessários à implantação de uma rede de centrais nucleares, inclusive sobre os métodos de enriquecimento do minério até a sua purificação no grau apropriado para utilização nos reatores nucleares, seja desde o minério bruto, passando pelo estágio conhecido como yellow cake até a forma de urânio como combustível. Eram fornecidos também todos os conhecimentos necessários para a fabricação de equipamentos para usinas nucleares e para a própria construção de tais usinas. Para tanto era prevista uma fábrica de equipamentos pesados para futuras usinas, fábrica essa que veio a existir em Itaguaí e lá ainda existe, ociosa e de custosa manutenção, envolta em teias de aranha.Em conseqüência do acordo que definia as intenções e obrigações de ambos os governos, foram realizadas longas e minuciosas negociações entre as autoridades brasileiras do setor energético e empresas alemãs, tendo à sua frente a poderosa Kraftwerk Union (KWU), com vistas à construção, à instalação e ao funcionamento de oito usinas nucleares, sendo quatro na região de Angra dos Reis, onde já funcionava uma primeira, mas pequena usina nuclear. Em trinta e dois anos, das oito usinas previstas foi concluída uma, Angra II, e a construção de Angra III arrasta-se em uma difícil parturição. Seguiram-se décadas de indecisão, de inação, de falta de vontade política e de capacidade administrativa impedindo a definição de uma ordem de prioridades e de um cronograma exeqüível. Deveríamos estar agora, e precisaremos estar no futuro próximo, donos de uma rede de produção e distribuição de energia elétrica de origem nuclear; levando em conta que a Argentina de há muito fez saber seu desejo de coordenar sua política de energia nuclear com a do Brasil, com óbvia vantagem para ambos os países. O grande escritor francês Marcel Proust se imortalizou com o seu livro “A la recherche du temps perdu”. Partamos nós também em busca do tempo perdido para que o Brasil venha a se tornar uma potência respeitável no campo de energia nuclear e das técnicas ligadas a produção, distribuição e utilização dessa forma de energia, da qual dependerá em grande parte o desenvolvimento de nosso parque industrial. Queridos governantes nossos, despertai!
O Globo Digital