Raul Jungmann: “A transição energética é um passaporte para o futuro que o Brasil não pode se dar o luxo de dispensar”
04/07/24
Em entrevista concedida ao jornalista Roberto D’ávila, do canal Globo News, o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Raul Jungmann, falou sobre a transição energética, o papel do Brasil no contexto mundial e geopolítico e os desafios na exploração de minerais críticos; clique aqui e confira.
A transição energética é um tema que pauta a economia em todo o mundo, sobretudo, diante dos desafios globais, como a guerra entre a Ucrania e a Rússia, e a demanda ambiental. De acordo com dados da Agência Internacional de Energia, o mercado para Minerais Críticos – insumos estratégicos para a transição energética – deve chegar ao valor de US$ 1,1 trilhão em 2030.
Em entrevista concedida à Globo News, o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Raul Jungmann, falou sobre a importância do Brasil na transição energética mundial, a disponibilidade de grandes reservas desses minerais em território nacional e sobre a falta de uma política pública bem definida que permita avançar nesse processo. “É um passaporte para o futuro que o Brasil não pode se dar o luxo de dispensar”, disse.
Confira os principais trechos da entrevista abaixo:
Como o Brasil se coloca na área de transição energética?
O Brasil é o quinto maior player em termos de produção mineral do mundo. O Brasil tem reservas, depósitos minerais, que o colocam em posição absolutamente privilegiada, sobretudo, na transição da economia atual, baseada em energia fóssil, para uma economia de baixo carbono, renovável, através dos chamados minerais críticos. Que minerais são esses? São os minerais fundamentais para eletrificar os carros, geradores, placas voltaicas, celulares. E o mundo inteiro está disputando isso, sobretudo, num momento de conflito, com a guerra entre Rússia e Ucrânia e a polarização e disputa entre China e Estados Unidos. O mundo hoje vive uma febre em torno dos minerais críticos.
Nós não temos uma política de estado nesse sentido?
Temos uma política anterior e o atual governo está fazendo uma revisão, mas ainda não temos. Quero dar um dado: segundo a Agência Internacional de Energia, o mercado para minerais críticos seria de 320 bilhões de dólares. Em 2030, 1 trilhão e 100 bilhões. É um passaporte para o futuro que o Brasil não pode se dar o luxo de dispensar. Sobretudo, com a potencialidade, a diversidade e a demanda que o mundo tem hoje. Nós precisamos realmente incentivar isso.
Nós conhecemos o nosso solo?
Aí nós temos algumas restrições. O Serviço Geológico Brasileiro, em que preza sua equipe e toda sua disposição, ele mapeou até hoje, na chamada escala 1 por 100.000, aproximadamente, 27% do território nacional. Só. Problema de verbas, de recursos. O Estado brasileiro, não falo do governo, ele nunca deu a atenção devida, nunca se importou, nunca teve um foco para isso.
Eu tive uma reunião duas semanas atrás como ministro da Fazenda, aliás, uma ótima reunião com o ministro Haddad, e quando eu sentei lá, eu disse: ministro, muito obrigado por me receber, mas queria de antemão dizer três coisas. Não viemos aqui pedir nada ao Tesouro Nacional, não viemos pedir dinheiro emprestado, nem tampouco renegociar dívida, ou seja, é um setor que caminha pelas suas próprias pernas. E depois até fiquei pensando: será que se a gente criasse problema, a gente teria um pouco mais de atenção? É um setor estrutural fundamental para o país, pelos empregos. Somos responsáveis por 38% do superávit da balança comercial brasileira, mas não há, historicamente, a devida atenção do Estado brasileiro para com esse, que é um dos três principais setores.
Tem uma imagem muito ruim quando pensa nos garimpeiros, nos desastres naturais, Mariana, Brumadinho. Como você está trabalhando isso?
Bom, garimpeiro para nós é caso de polícia. Desde que eu assumi lá dentro, o garimpeiro que é esse que joga mercúrio nos rios, que destrói as populações indígenas e a floresta, isso para nós é caso de polícia. E assumimos isso com a maior clareza, inclusive, estamos sendo processados porque nós pedimos investigação na comissão de valores imobiliários a respeito das DTVMs – Distribuidoras de Títulos de Valores Mobiliários – que fazem, parte delas, a lavagem do ouro ilegal.
Para você ter uma ideia, a 70% da importação da Suíça é ouro e grande parte das 104 toneladas que produzimos de ouro, metade, cinquenta e duas ou mais toneladas de ouro, é ilegal. Do narcodeflorestamento. Nós queremos a floresta em pé, o respeito às populações indígenas e, evidentemente, a natureza não pode receber mercúrio porque isso destroi a flora, mas também adoece as populações ribeirinhas. Então, nós somos radicalmente contra o garimpo ilegal.
E o crime organizado emprenhado nessa área?
Eu passei pelo ministério de Segurança Pública e posso lhe dizer com absoluta certeza que o garimpo ilegal está associado e financiado pelo PCC, pelo Comando Vermelho, pelos Amigos dos Amigos e assim por diante. Até porque, nos nossos 17.000 Km de fronteira, nós temos quatro países que estão dentre os maiores produtores de drogas do mundo, dos quais sejam Peru, Bolívia, Paraguai e Colômbia. A questão da Amazônia é muito clara: ou nós conseguimos desenvolver ela licitamente, ou então o ilícito vai tomar conta total da Amazônia, o que muito nos preocupa.
E os militares? Como eles veem essa questão?
Muito atentos, porque isso envolve uma questão de soberania nacional. Agora, você não vai resolver, eu acho que disso o governo está convencido, apenas com coerção ou com repressão, porque entra a polícia, entra o exército, entra a aeronáutica, a marinha. Seja o que for, mas eles não podem permanecer lá o tempo todo, não tem como. Então, quando saem, volta tudo aquilo de novo. Então, qual é a saída: nós temos que encontrar um desenvolvimento sustentável para a Amazônia. O Brasil até hoje, no meu modo de entender, não tem um projeto para a Amazônia. Ele reivindica a tutela e está correto, ninguém questiona isso, mas o Brasil não desenvolveu um projeto para a Amazônia para que ela se desenvolva.
Voltando para a questão mineral. Ela é uma questão geopolítica aqui.
O governo Biden, assim que assume, ele faz um decreto em que ele coloca a questão mineral dentro do guarda-chuva de defesa e segurança nacional, porque sem os chamados minerais críticos, não tem desenvolvimento tecnológico, não tem transição para economias de baixo carbono. O mineiro está na base de tudo! Está na base dos automóveis, está na base da construção civil, está na base da tecnologia, está na base da alimentação, está na base do que você quiser. […]
Com relação à questão da imagem, nós estamos trabalhando duramente no caminho da sustentabilidade. Por exemplo, no caso da barragem, nós temos hoje um aplicativo que permite você gratuitamente entrar nele e saber a situação de qualquer barragem de mineração que se tem no Brasil, se ela está em nível de alerta, se ela está bem, se tem nível de risco, saber de tudo. E, pela primeira vez na nossa história, aproximadamente há quinze dias, a gente fez um uma coletiva para toda imprensa, abrindo a caixa preta do que são as barragens.
E está se investindo?
Aproximadamente, nos próximos dez anos, R$ 30 bilhões. Porque mudou muito a regulação. Para você ter uma ideia, quem é responsável hoje por qualquer barragem? É o CEO da mineração, o presidente da companhia. Não é o diretor ou o técnico consultor. É o presidente que responde. Evidentemente que o chamado descomissionamento é uma coisa técnica, mas é bom explicar para as pessoas entenderem. Você tem o que chama-se “barragem a montante”, que é uma barragem que você faz sobre os rejeitos retirando a umidade, que foram as barragens da tragédia de Mariana e Brumadinho. Elas não podem mais ser feitas e todas que existem tem que ser devidamente descomissionadas, mas só que você fazer isso com bilhões e bilhões de metros cúbicos leva tempo. E é algo inédito no mundo. As pessoas não sabem que as barragens de maior risco, que são as de nível 2 e 3, não podem ter mais ninguém embaixo. Nós aprendemos com isso e não queremos repetir isso jamais.
Voltando para a questão geopolítica. Americanos e chineses disputam esse grande mercado.
Para você ter uma ideia, quando você pensa nesses aviões modernos, são minerais críticos. Quando se pensa na tecnologia da informação, em computadores, você está falando de minerais críticos. Nós somos um gigante em termos de agro, mas o agro depende de potássio e de fosfato e nós temos, mas nós não produzimos, nós importamos. Veja só esse gigante que alimenta um bilhão e duzentos milhões [de pessoas no mundo], ele importa mais de 90% do potássio e 78% do fosfato. Esses minerais hoje são decisivos. Como, aliás, na conversa que tive com a embaixadora dos Estados Unidos, ela deixou claro o interesse da administração americana de ter parceria com o Brasil, que tem segurança por ser um país democrático e um país que tem grandes reservas e que obviamente se credencia para ser parceiro, não só dos Estados Unidos, mas do mundo inteiro.
Temos que proteger o meio ambiente, mas ao mesmo tempo achar essas jazidas. Como fazer isso?
Vamos imaginar: se o Brasil fosse um campo de futebol, a mineração ocuparia alguma coisa como o córner, aquele cantinho que fica ali. Então, mesmo que, como qualquer atividade econômica, tenha um impacto ambiental, a nossa é infinitamente menor do que outros que você tem lá. Além disso, nós pagamos royalties para compensar aquilo que o impacto gera, por assim dizer. Nós também temos uma preocupação muito grande com o chamado ESG. Nós temos um programa e publicamos metas daquilo que nós estamos fazendo e nós somos a primeira atividade econômica a fazer um levantamento das suas emissões de carbono. Nós já sabemos qual é a nossa emissão de carbono de todos os setores. E vamos agora definir metas daquilo que a gente quer alcançar.