Programa Especial ENERGIA – Jornal da Globo
12/07/07
Energia e Futuro
A ameaça do efeito estufa tirou as usinas nucleares do limbo a que pareciam condenadas. Os especialistas acreditam que elas têm um papel no combate aos gases poluentes da atmosfera: produzem energia limpa. As usinas nucleares não contribuem para o aumento dos gases do efeito estufa. Isso deu um valor diferenciado em relação a outras fontes, principalmente combustíveis fosseis, que contribuem para o aumento da temperatura do planeta. Tanto é que, em nível internacional, a energia nuclear está passando por um renascimento, diz Aquilino Senra, engenheiro nuclear. As usinas produzem 18% da eletricidade consumida na Grã-bretanha; 19% da que consomem os americanos; e 80% da energia elétrica na França. No Brasil, estamos longe dessas porcentagens. A produção total das usinas Angra 1 e 2 representou cerca de 3% da oferta interna de energia elétrica em 2006. O plano nacional de energia para 2030 propõe a construção de quatro novas usinas, além de Angra 3, já aprovada pelo Conselho de Política Energética. As cinco usinas juntas e mais Angra 1 e 2 teriam uma fatia de 5% da matriz elétrica nacional. Por que nuclear? Porque, no futuro, as hidrelétricas vão começar, a partir de 2025, a ficar mais escassas. As hidrelétricas mais atrativas já vão ter sido utilizadas. Portanto, é importante, olhando de maneira estratégica, olhando os próximos 20 anos no Brasil, nós construirmos, nós não abandonarmos a opção nuclear; mantermos a nossa capacitação técnica, porque essa energia nuclear será necessária para o futuro do país , acredita Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Planejamento Energético MME. O projeto de Angra 3 está ainda em fase de licenciamento ambiental. A construção foi interrompida em 1984 e, se reiniciada, ficará pronta num prazo de seis anos e meio. O Ibama conduziu três audiências públicas e está avaliando o estudo de impacto ambiental feito pela Eletronuclear. A matéria-prima das usinas nucleares é o urânio. O Brasil tem a sexta maior reserva desse minério no mundo e domina todo o ciclo do combustível nuclear, incluindo o enriquecimento de urânio, que é o combustível das usinas brasileiras. No momento, esse enriquecimento é feito no exterior, por ser mais econômico. Mas se a demanda pela energia nuclear aumentar, com novas usinas, o enriquecimento de urânio em escala comercial também será feito no Brasil. A controvérsia em torno da construção de Angra 3 já é maior do que o espaço que ela vai ocupar na matriz elétrica nacional. Em primeiro lugar, existe o custo da usina, que será extremamente alto, e alega-se que esse dinheiro poderia ser usado para financiar outras formas de geração de energia menos polêmicas. Existe também a questão dos resíduos produzidos pela usina, o chamado lixo nuclear. Não se sabe ainda em definitivo o que fazer com ele. Essa é uma interrogação aqui no Brasil, bem como no resto do mundo. É uma usina limpa, mas eu gostaria de saber aonde vão colocar o resíduo nuclear , questiona Ivonildo Araújo, aposentado. “Eu tenho uma preocupação com o que eu ouço falar do lixo radioativo. Eu não entendi até hoje onde vai ser guardado esse lixo para o futuro, completa Juarez Pereira, comerciário. Os resíduos nucleares de baixa e média intensidade, como luvas e roupas, são armazenados em tambores, num prédio ao lado das usinas. Os resíduos de alta intensidade são as sobras do combustível utilizado no coração do reator, para gerar energia. Este material fica numa piscina de água tratada e permanece radiativo por milhares de anos. É muito difícil prever o que irá acontecer daqui a mil anos. Então, há soluções intermediárias que você possa usar e tirar proveito de melhorias tecnológicas que venham a acontecer nos próximos 100 ou 200 anos. O que me garante que daqui a 200 anos não haja uma maneira super barata de transmutar aqueles elementos radioativos e eles deixarem de ser radioativos?, pergunta Pedro Figueiredo, diretor de operações da Eletronuclear. O medo dos acidentes com vazamento de material radioativo reforçou a crença de que as usinas nucleares são perigosas. Mas as estatísticas não condenam essa fonte de energia. “Ao longo de 50 anos, o setor nuclear experimentou dois grandes acidentes; um em 1979, na usina de Three Mile Island, nos Estados Unidos, e outro em 1986, na usina de Chernobyl, retoma Senra. Este último acidente, na antiga União Soviética, resultou em nove mil mortos. É um número menor do que as vítimas da indústria do carvão, que abastece usinas termelétricas. Na China, onde a situação é mais grave, o governo reconhece que, só nos últimos dois anos, morreram quase 11 mil trabalhadores em acidentes nas minas de carvão. Angra 3 vai custar uns R$ 10 bilhões à Eletrobrás, somando o preço da manutenção dos equipamentos que estão parados US$ 20 milhões por ano. O professor Luiz Pinguelli Rosa não é a favor da expansão do programa nuclear brasileiro com Angra 3. “Acho, inclusive, que ela não é prioritária. Acho que a prioridade é a hidroeletricidade. Está havendo uma certa fuga dadas as dificuldades da oposição ambiental à hidroeletricidade, então vamos fazer a nuclear, em que os ambientalistas não estão tão contra”, diz ele. Angra 3 não terá capacidade para impedir, por si só, um eventual apagão. A decisão de investir no setor tem um caráter estratégico e tecnológico: o Brasil quer crescer em taxas compatíveis com as necessidades da sociedade brasileira, terá que fazer uso de todas as fontes de energia, seja biomassa, eólica, seja hidrelétrica, carvão e, inclusive, nuclear, conclui o engenheiro Aquilino Senra.
Jornal Nacional – TV Globo