Privatizada há dez anos, Vale valorizou 3.000%
07/05/07
Aguinaldo Novo, Lino Rodrigues e Erica Ribeiro
SÃO PAULO e RIO. Uma década depois de privatizada, a Companhia Vale do Rio Doce coleciona recordes, como o recémdivulgado lucro trimestral de R$ 5 bilhões. Não por acaso, os papéis da segunda maior mineradora do mundo estão entre os mais valorizados da Bolsa de São Paulo. Do dia da privatização até a última quartafeira, as ações ON da Vale acumulavam alta de 3.162,9%, para um Ibovespa (média dos papéis mais negociados na bolsa) de 395,1% ? ou seja, oito vezes mais. No período, Petrobras PN subiu 1.146,1%.Para quem tem ações da Vale em carteira, o mais importante mesmo é a última linha do balanço.De um lucro líquido de R$ 1,378 bilhão em 1997, a empresa pulou para R$ 13,431 bilhões. A companhia apresenta atualmente forte capacidade de geração de caixa e lucro operacional, essenciais para a manutenção de investimentos como a compra da canadense Inco, realizada no ano passado, por cerca de US$ 18 bilhões. A seu favor, desde o fim de 2003, estão a alta dos preços internacionais das commodities, que engorda a receita, e a desvalorização do dólar no país, que alivia o peso da dívida em moeda estrangeira.Referência importante para analistas, a relação entre o chamado Ebit (que mede o lucro da operação principal da Vale) e a dívida bruta foi de 45,5% em 2006. Significa que a empresa gerou R$ 45,50 para cada R$ 100 de dívida. Pelo balanço de dezembro de 1997, ano da privatização, a relação era de 23%.? O índice caiu em relação a 2005, mas continua sendo muito alto. Na média das empresas abertas do país, fica entre 30% e 35% ? diz o coordenador da consultoria Economática para a América Latina, Einar Rivero, que compilou os balanços da mineradora.Positivos também são os números do Ebitda (geração de caixa antes de juros, depreciação e amortização) e do retorno sobre o patrimônio líquido. No primeiro caso, a variação desde 1997 chega a 655,6% ? de R$ 2,950 bilhões para R$ 22,291 bilhões em 2006. Para permitir a comparação, a Economática ajustou os números pelo IPCA até 31 de dezembro passado. Já o retorno sobre o patrimônio médio, que era de 7,5% há dez anos, chegou a 42% ? “um retorno de banco”, diz Rivero, destacando que a média desse indicador nas empresas nãofinanceiras é de 25%.Para economista, país saiu perdendo com privatização Com receita líquida operacional de R$ 45,2 bilhões, a Vale está atrás apenas da BHP Billiton no ranking das maiores mineradoras do mundo. Só este ano pretende desembolsar US$ 7,4 bilhões em novos investimentos, um dos três maiores valores da indústria mundial no setor.? Os números mostram que a privatização foi um sucesso.Hoje, a Vale é uma das maiores empresas de minério e níquel do mundo e se prepara para entrar forte no fornecimento de cobre e carvão mineral ? diz Pedro Roberto Galdi, analista de investimentos do ABN Amro.Segundo ele, a diferença entre a Vale estatal e a privatizada é a capacidade de crescer e se expandir no mundo sem as amarras políticas. A compra da Inco, por exemplo, segundo o analista, não se realizaria antes da privatização porque a decisão envolveria atores políticos.Com a privatização, diz, a estratégia de aquisições foi muito bem conduzida e fez a companhia crescer e tornar-se uma das maiores do planeta.Com expectativa de crescimento em torno de 10% ao ano, o analista considera que a expansão da Vale nos próximos dez anos depende mais das medidas do governo para melhorar a infra-estrutura do país, reduzindo o custo-Brasil e desonerando investimentos.Apesar da robustez gerada pela privatização, há quem discorde da mudança que fez com que a empresa deixasse a condição de estatal. É o caso do economista Reinaldo Gonçalves, do Grupo de Conjuntura da UFRJ. Para ele, não há motivo de comemoração: ? O resultado fundamental é que o Brasil perdeu um instrumento importante de política de desenvolvimento. Se a Vale estivesse na mão do governo, as centenas de milhares de dólares que vão para fora do Brasil seriam usadas no país.Professor diz que empresa ?saiu das amarras? Segundo Gonçalves, a privatização foi ruim para o país pela perda de mobilização de crescimento e investimentos.? O Brasil perde com a privatização um instrumento de benefícios sociais e econômicos e de promoção do desenvolvimento muito grande. A Vale é hoje um instrumento privado de geração de lucro, que atua sob a ótica de negócios. São dez anos de pêsames e não de congratulações.Já se discute na sociedade civil a reestatização da Vale. Mas é um assunto que não vai chegar ao governo Lula.Já o economista Enrique Saravia, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EbapeFGV), afirma que o Brasil não saiu perdendo, mas ressalta que é preciso manter a empresa em mãos brasileiras.? A Vale tem importância fundamental para o país. A privatização envolvia riscos de se perder um instrumento essencial para a economia. Antes, a empresa já era eficiente e, na época da gestão de Eliezer Batista, ganhou posicionamento no mundo. A privatização saiu melhor do que se esperava, pois a empresa saiu das amarras, dos controles de contratos do modelo estatal, já tinha um corpo gerencial competente e não se desagregou.
O Globo