Oferta de ações deve jogar luz sobre aliança Glencore-Xstrata
14/04/11
A oferta pública inicial de ações da Glencore International AG, que pode ser lançada oficialmente hoje, vai lançar luz sobre uma das empresas mais sigilosas e rentáveis do mundo. Vai, ainda, trazer os holofotes para a relação altamente lucrativa, mas cada vez mais complicada, entre a trading suíça de commodities e a gigante da mineração da qual detém uma grande participação, a Xstrata PLC.
A Glencore deve anunciar já hoje a intenção de abrir o capital com uma oferta que pode captar mais de US$ 10 bilhões e ser a maior de todos os tempos na Bolsa de Valores de Londres, segundo fontes por dentro do assunto. Com a venda em si das ações, que poderia ocorrer daqui a mais ou menos um mês, a Glencore pode ser avaliada em até US$ 60 bilhões.
Por quase dez anos, a fatia de 34% da Glencore na Xstrata ajudou a converter as duas em potências da mineração. O capital da Glencore permitiu à Xstrata expandir sua vasta rede internacional de minas – minas que, por sua vez, forneceram matéria-prima para a rentável operação mundial de comercialização de commodities da Glencore.
O arranjo permitiu que os intrépidos presidentes das duas – Ivan Glasenberg na Glencore e Mick Davis na Xstrata – corressem atrás de ambições globais que enriqueceram ambos e os acionistas das empresas.
Agora, no entanto, os interesses das empresas parecem estar divergindo, colocando em risco um dos relacionamentos mais valiosos do mundo empresarial.
Glasenberg quer usar a venda de ações como trampolim para comprar a Xstrata inteira. Se não conseguir o pleno controle, a única alternativa seria a Glencore vender sua participação na mineradora, avaliada em mais de US$ 20 bilhões.
Se as empresas acabarem por se fundir, criariam um gigante do setor com valor de mercado de cerca de US$ 130 bilhões, rivalizando a Rio Tinto, a terceira maior mineradora do mundo. Além disso, a Glencore aumentaria sua influência já considerável no comércio mundial de insumos cruciais para o funcionamento da máquina econômica do planeta.
As duas empresas, ambas dirigidas por negociadores agressivos que se conhecem desde os tempos de colégio na África do Sul, foram sempre tão próximas que seu conselho tinha um mesmo presidente. Nos primeiros anos da parceria, o apoio da Glencore deu à Xstrata cacife financeiro para fazer uma série de aquisições que a transformou de uma empresa de US$ 500 milhões em uma potência com valor de mercado de US$ 70 bilhões.
A abertura de capital da Glencore está sendo observada de perto por razões que vão além da relação com a Xstrata. A transação lançaria luz sobre uma empresa sigilosa que é, basicamente, uma trading ligada a uma série de ativos como minas, refinarias e participações em companhias de capital aberto, como a Xstrata e a gigante russa do alumínio United Co. Rusal.
A transparência exigida de empresas de capital aberto exporia alguns dos segredos mais bem guardados da Glencore, sobretudo a riqueza que gerou para seus sócios. Segundo relatório anual enviado a portadores de seus títulos no começo de março, a participação acionária de “membros do conselho e outros membros importantes da diretoria” cresceu US$ 938 milhões só no ano passado. É cerca de um quarto dos US$ 3,8 bilhões em lucro líquido registrados pela empresa em 2010.
A Glencore foi fundada em 1974 por Marc Rich. O ex-trader de commodities, um foragido da Justiça notoriamente indultado por Bill Clinton em seus últimos dias na presidência dos EUA, vendeu o negócio aos braços-direitos em 1994. Glasenberg assumiu a presidência oito anos depois. Junto com os sócios, transformou a Glencore numa das maiores empresas de capital fechado do mundo, com receita de US$ 145 bilhões no ano passado.
As origens da Xstrata remontam a 1926 – a Glencore comprou sua participação numa empresa que acabou se fundindo com a Xstrata em 1990 -, mas a mineradora renasceu em 2001 quando a atual equipe gestora chegou e rapidamente embarcou numa abertura de capital em Londres.
Simultaneamente, a Xstrata fechou um acordo de US$ 2,5 bilhões para comprar uma série de ativos de carvão que a Glencore planejara lançar em bolsa antes dos ataques terroristas de 11 de setembro. Esse negócio de carvão virou a base de uma empresa que hoje também é uma das maiores produtoras de commodities como cobre e zinco.
A oferta pública e o negócio de carvão que a Xstrata fez com a Glencore despertaram o apetite de Davis por outros negócios. A sequência de aquisições culminou com a compra, por US$ 18,8 bilhões, da canadense Falconbridge Ltd. em 2005.
No fim de 2007, a Vale ofereceu US$ 90 bilhões em dinheiro e ações para comprar a Xstrata, numa proposta que Davis tinha interesse em aceitar. Pessoas envolvidas na negociação dão distintas explicações para o malogro, embora seja claro, em retrospecto, que o desejo da Glencore de comercializar a produção da empresa atrapalhou a negociação. Um ano mais tarde, as ações da Xstrata sofriam os efeitos da crise financeira mundial, caindo quase 80%.
Para suprir a empresa com o caixa necessário para sobreviver a uma recessão prolongada, Davis decidiu vender um enorme lote de suas ações.
A Glencore não estava interessada em dispender o dinheiro para impedir que sua participação na Xstrata fosse diluída, e Glasenberg pediu que Davis desistisse da venda das ações. Depois de uma acalorada discussão, segundo fontes a par da questão, os dois chegaram a um acordo pela qual a Glencore venderia à Xstrata uma mina de carvão na Colômbia por US$ 2 bilhões para levantar o dinheiro de que precisava para participar da venda de ações. A Glencore teria o direito de comprar a mina de volta da Xstrata por US$ 2,25 bilhões.
Quando o negócio foi anunciado, uma série de investidores da Xstrata se queixou de que o acordo favorecia a Glencore em detrimento de outros acionistas. Com efeito, depois de um ano a Glencore exerceu a opção e comprou de volta um ativo que hoje vale muito mais do que pagou, alimentando ainda mais a revolta dos acionistas da Xstrata.
Para Glasenberg, não será fácil convencer Davis a aceitar uma fusão, em parte devido ao persistente sentimento de frustração entre os acionistas da Xstrata com aquele acordo.
Pode haver uma surpresa. Pessoas a par da negociação dizem que há uma possibilidade, embora remota, de que às vésperas da abertura de capital os dois lados cheguem a um acordo de fusão, que daria à Glencore o lugar que deseja no mercado acionário sem ter de fazer sua própria oferta pública.
Valor Econômico