O surf de Sarkosy no Golfo de Sidra
28/07/07
Benjamim Formigo Menos de 24 horas após a libertação das cinco enfermeiras búlgaras e do médico palestiniano que havia quase oito anos apodreciam nas prisões líbias, o novel Presidente Nicholas Sarkosy, que defendeu a moralização das relações internacionais, precipitou-se para o Golfo de Sidra para, em Tripoli assinar um pacote de acordos com o coronel Muhamar Al-Kadhafi. O dirigente líbio, bode expiatório de todos os actos terroristas, ideólogo de uma libertação socialista árabe, defensor intransigente da unidade árabe e até de uma União Africana, não estará provavelmente inocente em muitas das acusações que lhe são feitas, mas antes de se recolher sobre si mesmo e procurar fortalecer o seu pais, rico em petróleo e noutras matérias primas ? como o urânio -, a sua politica de nacionalizações no sector petrolífero tornou-o ?persona non grata? dos regimes ocidentais. Não vale a pena discutir a questão do ovo e da galinha. Adoptando de Sarkosy o inegável pragmatismo, o coronel líbio concluiu com a libertação dos seis prisioneiros, ridiculamente acusados de infectarem crianças líbias com HIV e consequentemente condenados a várias penas, incluindo a de morte, a sua licenciatura em bom comportamento. ?Muitos outros países deviam seguir o exemplo líbio?, conforme sustentou o Secretário-geral do Eliseu, Claude Guéant. A atitude de Nicholas Sarkosy, cuja mulher estivera na véspera da inesperada visita presidencial em Tripoli onde recebeu os reféns que acompanhou num avião francês à Bulgária, não foi um caso único nem o primeiro, apenas o mais conspícuo e eventualmente lucrativo. Desde que em 2003 o coronel Kadhafi abandonou o seu projecto nuclear na primeira fase de uma nova politica de entendimento com os chamados países ocidentais e, de acordo com a CIA desistiu de possuir um arsenal de WMD, começou a corrida aos recursos líbios; muito especialmente depois de Tripoli ter pago três mil milhões de dólares de indemnizações às vitimas do atentado de Lockerbie. Britânicos, alemães, italianos e americanos foram os percursores desta ?détente?. Nicholas Sarkosy, com o apoio financeiro do Qatar, conseguiu a cereja no topo do bolo. A libertação dos prisioneiros/reféns, pelos quais a França não terá pago ?un sou? deixando aos amigos do Qatar as questões financeiras e outras contrapartidas. Muhamar Al-Kadhafi encenou ao mais ínfimo pormenor o ?inesperado? encontro com o Presidente francês. Após conversações entre os dois homens no recato da tenda de que o beduíno líbio não prescinde, ambos surgiram para assistir à assinatura de vários e interessantes protocolos de cooperação. A tenda e o local de assinatura dos acordos foi montão precisamente no local onde jazem as ruínas da residência presidencial líbia destruída pelos americanos, em 1986, na operação que se seguiu ao ataque no Golfo de Sidra. A Líbia ao desistir do seu próprio programa nuclear ganhou quarta-feira um programa nuclear civil francês, destinado ao fornecimento de energia a uma estação de dessalinação, indispensável a um pais que vive entre o espectacular Golfo e o deserto e onde o Guia Espiritual decidiu, com algum senso reconheça-se, desenvolver projectos agrícolas. ?Isto significa que qualquer país que respeite as regras internacionais pode ter acesso a tecnologia nuclear civil?, salientou o Presidente francês tendo seguramente um olho no Irão, onde Kadhafy pode ser extremamente útil, sobretudo porque sempre respeitou os princípios islâmicos sem nunca os radicalizar e é respeitado no mundo muçulmano, e mais remotamente na Coreia do Norte, como um exemplo a seguir. Claro que Sarkosy não se ficou por aqui e procurou aumentar a influência francesa na Líbia tendo em vista a União Mediterrânica que tanto defende, embora dela exclua para já o Mediterrâneo Oriental e consequentemente um dos países que mais sombra lhe poderia fazer pelas suas ligações e o seu conhecimento do Mundo Árabe: Chipre, que teve um papel central na recente invasão israelita do Líbano. O Presidente francês e Muhamar Al-Kadhafi assinaram acordos de cooperação cientifica e tecnológica e no âmbito da Defesa os acordos são bastante alargados não excluindo a venda de material de guerra francês à Líbia. Outro bom negócio, porque afinal foi de um negocio que se tratou, a Líbia irá fornecer à Areva, uma das maiores empresas do sector nuclear, o urânio que ela necessita. Um fornecimento ainda não quantificado mas que poderá ser de entrega quase imediata dada a existência de um ?stock? líbio de mil e seiscentas toneladas de urânio. Sabendo-se que o subsolo líbio é também rico nesse minério vai ter inicio, no Sul do país, um projecto de prospecção e exploração conjunta deste material. No final desta viagem Nicholas Sarkosy era um homem feliz que podia surfar no Golfo de Sidra sob o olhar encantado do líder da revolução líbia e ser presidente, coronel Muhamar Al-Kadhafi. Foto: Jornal de Negócios
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