O setor nuclear brasileiro: A autonomia tecnológica e a inovação associada
30/07/09
A evolução da matriz elétrica brasileira passa, obrigatoriamente, pela necessidade de construção de novas usinas nucleares, em razão, basicamente de duas questões fundamentais na agenda de hoje em dia, tanto do país quanto de âmbito global: (a) uma questão decorrente das características operativas das centrais nucleares, basicamente em função de operar de forma inflexível, contribuindo decisivamente para mitigar o risco hidrológico estrutural que o sistema elétrico brasileiro detém. Entenda-se aqui o termo ?operar de forma inflexível? como uma usina que opera ?na base? da curva de carga da demanda no Sistema Interligado Nacional (SIN). Ou seja, as usinas nucleares não são feitas para ?perseguir? a modulação diária da curva de carga (papel que cabe às hidrelétricas); (b) outra questão decorrente da contribuição para a mitigação do aquecimento global, pois centrais nucleares emitem zero de gases de efeito estufa.
Por outro lado, há também importantes externalidades tecnológicas que não são devidamente analisadas e precificadas do ponto de vista da economia brasileira como um todo. Este é o objetivo analítico do presente artigo.
O setor nuclear exige, cada vez mais, equipes altamente capacitadas, em condições de oferecer soluções tecnológicas que aprimorem, cada vez mais, os projetos existentes, garantindo um melhor desempenho e segurança das usinas nucleares. Este tem sido o caso brasileiro, através das empresas que formam o ?cluster nuclear? brasileiro: Eletronuclear, Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep).
O momento atual é muito rico e promissor para a área nuclear do Brasil. Do ponto de vista de ampliação das usinas nucleares na matriz brasileira, a autorização para o início da construção de Angra 3 está na reta final, o que representará um acréscimo de 1 405 MW de potência instalada ao Sistema Interligado Nacional.
Outro fato importante foi a substituição dos geradores de vapor de Angra 1, que permitirá o aumento de potência máxima operativa da usina de volta à capacidade instalada de projeto, com total segurança, além de criar condições para uma futura extensão de vida útil da mesma, por mais 20 anos. A troca dos geradores de vapor de Angra 1, melhora as condições de segurança da usina e permite ainda operar a 100% da sua potência nominal (657 MW). Anteriormente, por razões de segurança, ela operava com 520 MW no máximo. A extensão de vida útil de Angra 1 passou, então, a ser possível.
Estes dois fatores vão representar aumento expressivo de receita do cluster nuclear, decorrente de mais energia gerada por mais tempo. Além disso, disponibiliza-se mais capacidade de geração na base para o SIN. E apresentam repercussões científicas e tecnológicas relevantes no tripé que forma o cluster nuclear.
Do ponto de vista operacional, a Eletronuclear adquiriu conhecimento técnico para planejar todas as suas recargas de combustível do núcleo, o que representa uma economia expressiva, por não dependermos mais de tecnologia importada de outros países. Por outro lado, por ser a Eletronuclear uma empresa geradora de energia elétrica, através de uma fonte nuclear, sempre desenvolveu suas atividades levando em conta a segurança e disponibilidade das usinas de Angra 1 e Angra 2 para o SIN, sem nunca se afastar da sua política de segurança, que pode ser resumida na seguinte citação que orienta o funcionamento das usinas: ?a segurança é prioritária e precede a produtividade e a economia, não devendo nunca ser comprometida por qualquer razão?. Esta atenção serve de antídoto às críticas que são formuladas por ONGs à falta de segurança da; energia nuclear.
A INB detém atualmente o domínio tecnológico de todas as fases da fabricação do elemento combustível, com uma contribuição e participação cada vez mais significativa dos especialistas brasileiros. Vale assinalar que a criatividade e desenvolvimento tecnológico no processo de enriquecimento de urânio colocam o país numa posição de destaque no cenário internacional.
O processo de ultra centrifugação, por levitação, reduz significativamente a dissipação de energia por atrito nos mancais, como ocorre em outras centrífugas do mundo.; A fabricação, em escala industrial, dará ao Brasil, no médio prazo, a independência desejada para o fornecimento de combustível para todos os reatores nucleares brasileiros. As reservas brasileiras de urânio, já identificadas pela prospecção continuada da INB dão o embasamento necessário para suportar a produção futura derivada do enriquecimento do urânio por muitas décadas. A título de exemplo numérico, a mineração em Santa Quitéria (situada na Bahia) tem potencial de 1.600 toneladas anuais de urânio, permitindo a empresa atender à demanda das novas usinas a serem construídas no país, de acordo com o Programa Nuclear Brasileiro. A operação do Consórcio Santa Quitéria poderá significar a quadruplicação da produção de concentrado de urânio, utilizado atualmente pela INB na produção do combustível nuclear.
Quanto à Nuclep, a sua participação efetiva na montagem dos geradores de vapor (tubos e componentes forjados) lhe deu a experiência necessária, graças ao desenvolvimento de novas técnicas e de procedimentos operacionais sofisticados. A Nuclep começou a se transformar, a partir da sua inclusão como montadora no contrato de fabricação dos novos geradores de vapor para Angra 1, dando um efetivo salto de qualidade em sua capacitação tecnológica. A partir de então, vem recebendo encomendas dos principais clientes nacionais e internacionais. O objetivo atual da empresa é alcançar a auto-sustentação financeira, através de contratos de alto conteúdo tecnológico.
Tendo seguido este caminho, a Nuclep vem modernizando progressivamente os seus laboratórios, para fazer frente a esses novos desafios. O aperfeiçoamento e melhoramento de seus laboratórios deram condições à empresa de atingir um desenvolvimento técnico, que lhe permitirá se engajar em atividades semelhantes, no futuro. Graças a esta dinâmica empresarial, a Nuclep tem mantido toda a sua equipe ocupada nos trabalhos contratados. Este esforço; empresarial vem dando bons resultados, colocando a empresa em posição confortável no ranking internacional de capacitação industrial instalada.
Assim, estas três empresas, que em conjunto formam o cluster nuclear, ou seja um ?conglomerado industrial?, oferecem ao país condições para enfrentar problemas complexos e novos desafios, já que a energia nuclear irá ampliar sua participação na matriz energética do Brasil, conforme definição do Plano Nacional de Energia 2030 do Ministério de Minas e Energia – MME. Vale assinalar que há uma forte tendência em nível mundial de retorno aos investimentos em energia nuclear em função de dois fatores que se complementam: diminuir a dependência geopolítica do petróleo na matriz energética e reduzir o efeito estufa.
A capacidade intelectual dos técnicos deste cluster, e o ambiente que estimula a busca de inovações tecnológicas de novos processos e produtos, geram as condições efetivas para fortalecimento do setor nuclear brasileiro. A competência técnica e intelectual de seus quadros é um patrimônio que deve ser preservado e ampliado para garantir a autonomia técnica do país, numa área tão sensível e estratégica vinculada diretamente à geração de energia elétrica.
A busca de inovações tecnológicas permite a possibilidade de maior desempenho operacional, de maior autonomia tecnológica e de maior eficiência no fornecimento de uma energia elétrica aos consumidores, de forma mais confiável e limpa, seguindo os procedimentos de segurança da Comissão Nacional de Energia Nuclear, referendados pela Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena.
Nestes termos, e a título de conclusão, graças a este cenário promissor, o governo brasileiro, apoiado no cluster nuclear e na base tecnológica existente, tem efetivas e reais condições de dar prosseguimento à formulação de um novo Programa Nuclear para o país, focado no setor elétrico, prevendo a construção de outras quatro usinas nucleares, além de Angra 3.
Zieli Dutra é ex-Presidente da Eletronuclear, Professor Titular da UFRJ e pesquisador senior do GESEL ? Grupo de Estudos do Setor Elétrico ? do Instituto de Economia da UFRJ. Nivalde José de Castro é professor da UFRJ e coordenador do Gesel. Paulo C. Fernandez é diretor do Ilumina
Canal Energia