O que é melhor para nós?
20/10/08
O CORREIO POPULAR encerra hoje a série de reportagens sobre energia nuclear com a opinião de ESPECIALISTAS sobre as opções energéticas disponíveis no BRASIL
Paulo Martinellimartinelli@rac.com.br?E uma grande burrice?. A frase curta e grossa do físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite define sua posição quanto ao projeto de expansão nuclear brasileiro. ?Não sou um fanático anti-nuclear, mas sou contra a construção de mais usinas nucleares nas condições atuais?, explica Cerqueira Leite. Para ele, também, as hidrelétricas continuam a melhor opção para o presente e o futuro energético do País. A opinião de especialistas e a disponibilidade de urânio no País encerram hoje a série de reportagens do Correio Popular sobre energia nuclear, iniciada com a revelação, exclusiva, de que duas centrais atômicas devem ser instaladas no Estado de São Paulo.Professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Cerqueira Leite critica uma certa abordagem ?religiosa? dada por ambientalistas à questão das hidrelétricas, mais especificamente à emissão de gases do efeito estufa pela vegetação em decomposição nos reservatórios de água das barragens. Ele explica que não é necessário deixar a madeira no fundo das represas. O material pode ser retirado antes do alagamento da área. E ainda que a madeira fique, sua decomposição não irá durar para sempre, enfatiza o físico.?É mentira dizer que os Estados Unidos estão retomando a implantação de centrais nucleares?, diz Cerqueira Leite. E para ele, as verdadeiras razões do ?ocaso? das usinas nucleares são os custos da energia elétrica de origem nuclear, que se revelaram três ou quatro vezes superiores ao esperado.O ?não? ao mega-projeto nuclear do governo brasileiro não significa, no entanto, o abandono total da opção nuclear, frisa Cerqueira Leite. Além de fonte de energia, reatores nucleares são fontes de conhecimento e tecnologia que uma nação que aspira grandeza precisa dominar.Na opinião do físico, o Brasil deveria se dedicar ao desenvolvimento de tecnologia de pequenos reatores nucleares. Tais sistemas, simples mas funcionais, poderiam prover de energia elétrica lugares distantes das centrais elétricas e das redes de distribuição. A Amazônia seria a região ideal para abrigar as pequenas centrais, lembra Cerqueira Leite, tanto por seu relativo isolamento quanto pela dificuldade de dotar a região de centrais hidrelétricas.Demanda energética pode ser menor com a recessãoPara o físico Ennio Perez, do Instituto de Física da Unicamp, justificar a urgência de dotar o País de mais fontes de energia soa meio estranho num momento em que uma recessão econômica se aproxima, jogando para baixo as estimativas de demanda energética nos próximos anos. ?Sobrará energia?, prevê, já que o cenário econômico, até onde se sabe, será , no mínimo, de estagnação.Perez aponta para as recentes descobertas de reservas de petróleo e gás em áreas de domínio nacional e cita as termelétricas como opção, caso tenhamos uma inesperada demanda crescente por eletricidade, e não e as centrais nucleares. No caso brasileiro, a emissão de gases poluentes pelas centrais termelétricas nem serve como um ?porém? a pesar sobre essa fonte. Na realidade brasileira, o que pesa ambientalmente são os gases do efeito estufa gerados pelas queimadas da Amazônia, diz Perez. Quanto a Angra 3, como todo o material da futura usina já está comprado e estocado no Brasil, ele acha melhor que se leve o projeto adiante.O economista André Furtado, do Instituto de Geociências da Unicamp, faz coro com Perez ao opinar que Angra 3 deve ser levada adiante. No entanto, ele crê que daqui por diante é melhor pensar em outras fontes energéticas ? mais baratas que a cara energia nuclear, inclusive. Furtado indica as fontes hidrelétrica, biomassa e eólica como opções mais razoáveis no contexto nacional. O economista também cita os ?grandes riscos? apresentados pela energia nuclear, aludindo à vazamentos de material radiativo e a acidentes de maiores proporções. (PM/AAN)Urânio: a faca e o queijo na mãoTemos a faca e o queijo na mão se decidirmos materializar nossos projetos nucleares. O queijo, pelo menos, é fartamente representando pelas nossas reservas de urânio, avaliadas em 310 mil toneladas, o que nos garantiria combustível para décadas. Esse número representa apenas 25% da ?montanha de queijo? que se estima existir em solo pátrio. O domínio tecnológico, por sua vez, é a faca para cortar o queijo. O uso de energia nuclear, portanto, torna-se ainda mais tentador no País que ocupa a sexta colocação no ranking das maiores jazidas uraníferas do planeta. O urânio, um mineral que surge como constituinte da maioria das rochas, é encontrado em toda a crosta terrestre. No entanto, o teor de urânio nas rochas é que vai determinar ou não a sua viabilidade econômica. Atualmente é a jazida de Caetité, na Bahia, que abastece nossas centrais nucleares, uma reserva estimada em mais 100 mil toneladas, potencial para sustentar Angra 1, 2 e 3 por 100 anos, segundo a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), o braço fabril do projeto nuclear brasileiro. Caetité possui 33 depósitos do mineral. No Ceará se encontra nossa maior reserva conhecida, ainda não explorada. A região de Santa Quitéria, a 212 km de Fortaleza abriga uma jazida de 142,5 mil toneladas de urânio associado ao fosfato ? que pode ser utilizado na fabricação de adubos. PastilhasPara ser usado em reatores, o urânio, um metal quase tão duro quanto o aço, precisa ser enriquecido. ?In natura?, o mineral dispõe de apenas 0,7% de átomos com núcleos que contêm 235 prótons e nêutrons, justamente a configuração físsil do elemento (cujo núcleo pode ser rompido e gerar energia). O restante dos átomos tem 238 prótons e nêutrons ou 234 dessas partículas. O enriquecimento consiste justamente em dotar o material com 3% de átomos que contenham 235 nêutrons e prótons no núcleo (de forma mais precisa, exatos 92 prótons e 143 nêutrons). Para comparar, é um estágio bem aquém do que seria necessário para a construção de uma bomba atômica, caso no qual o grau de enriquecimento tem que subir a 90%. A aura de ?maldade? que cerca países como Irã e Coréia do Norte é essa: quem consegue enriquecer urânio para usinas nucleares, um dia conseguirá o material para fabricar bombas. Nos últimos anos, trava-se uma queda de braço entre líderes ocidentais e o rebelde presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, já que este se nega a interromper o programa nuclear de seu país, cujos fins, garante ele, seriam exclusivamente pacíficos.Entre a mina e a pastilha que, finalmente, será usada no coração dos reatores, há uma escalada tecnológica-industrial de diferentes etapas. A primeira etapa, após a extração do minério, é sua britagem e acondicionamento em pilhas, fase seguida pela adição de ácido sulfúrico que, enfim, retirará urânio do minério. Isso é feito em Caetité. Seguem-se as fases de concentração do urânio, realizada pelo processo de extração por solventes orgânicos e purificação, que resultarão no que a INB define como ?urânio nuclearmente puro?. Na seqüência, o material é gaseificado. Depois, o gás (hexafluoreto de urânio ? UF6) é reconvertido em um pó, o dióxido de urânio. Essa etapa acontece já em Resende, Estado do Rio, na Fábrica de Combustível Nuclear (FCN). Do pó são feitas pastilhas de cerca de 1 centímetro de diâmetro por 1 centímetro de comprimento. Essas pastilhas (somente duas delas podem produzir energia suficiente para abastecer por um mês uma casa média onde residem quatro pessoas) serão acondicionadas em tubos de uma liga metálica especial, o zircaloy, formando o elemento combustível. Essas varetas serão acomodadas precisamente no coração do reator para gerar calor e, conseqüentemente, o vapor que moverá turbinas. Segundo a INB, uma única vareta pode suprir 42 mil residências com energia elétrica por um mês. Atualmente, algumas etapas do processo de enriquecimento são cumpridas no Exterior. (Paulo Martinelli/AAN)
Correio Popular – SP