O pioneiro
10/08/07
José Bonifácio de Andrada e Silva: sua atuação como economista merece estudo mais abrangente, na opinião de Delfim O maior economista da História do Brasil foi, ao mesmo tempo, o maior estadista brasileiro e a maior vítima da mediocridade política e das intrigas articuladas na corte imperial localizada no Rio: José Bonifácio de Andrada e Silva, O Patriarca da Independência. Cientista, filósofo, geólogo, economista e, “de profissão, metalurgista”, como ele se identificava. Foi o único brasileiro capaz de sentar-se à mesa com os maiores do seu tempo e ser por eles reconhecido como igual. Poderia discutir com eles, sem dúvida, o seu projeto imperial para a nação brasileira, cujo pilar central era impedir o desmembramento político do imenso território, organizado em províncias que o antigo poder colonial pretendia separar. Da mesma forma que os “Pais Fundadores” da República americana do Norte, o Andrada tinha a noção exata de que havia duas coisas de que uma sociedade nascente não podia prescindir: a segurança alimentar e a segurança militar. Propugnava em seu projeto de nação a abertura de vias de comunicação do litoral com o interior para facilitar o comércio, o estudo da interligação das bacias hidrográficas, a implantação de núcleos populacionais para dar base de sustentação à agricultura e à mineração e até mesmo a construção de uma nova capital do Império na região central. Nos seus escritos vê-se que ele pensava na diversificação (por gênero e espacial) da produção agrícola e no seu transporte seguro, para garantir a auto-suficiência alimentar. O Andrada foi mais longe, descendo a detalhes da implantação de métodos modernos no cultivo do solo, com o uso de maquinário importado ou copiado de países europeus e principalmente a utilização da mão-de-obra livre e remunerada. Quando propunha a imediata cessação do vergonhoso tráfico de escravos e a proibição de sua contratação pelos fazendeiros, ele, além da defesa dos fundamentos morais e éticos, argumentava essencialmente em termos de economia: as lavouras mais eficientes e lucrativas (em São Paulo) eram as que empregavam mão-de-obra remunerada e não aquelas que dependiam do braço escravo. Procurou demonstrar aos senhores de escravos a irracionalidade de seus métodos de produção, condenando-se ao eterno atraso de uma agricultura de baixa produtividade e restritiva da contribuição tecnológica. “Ela não é lucrativa – dizia com absoluta clareza em seus escritos – porque impede a introdução de inovações poupadoras de trabalho e deprecia a produtividade em geral, apesar da prodigiosa fertilidade de nossas terras.” No outro vértice, a segurança militar ocupou o melhor de suas atenções como ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros de d. Pedro I, no período conturbado que precedeu a Independência até deixar o governo, em julho de 1823. São dele as iniciativas para a modernização dos portos marítimos e melhoria das defesas do extenso litoral, bem como a encomenda de fragatas na Inglaterra para a vigilância dos mares. Nenhum de seus conterrâneos tinha os conhecimentos de metalurgia e mineralogia que ele adquiriu em seis anos de estudos e em viagens, visitando minas e instalações da indústria siderúrgica e bélica nos países mais avançados da Europa. Ao regressar ao Brasil, antes de ocupar qualquer cargo público, visitou o interior de São Paulo, prospectando jazidas minerais e estimulando a criação da indústria siderúrgica, que ele sabia ser indispensável para o progresso econômico e a defesa do território. Na seqüência, iniciou contatos para trazer ao Brasil operários europeus familiarizados com a exploração mineral e habilitados a trabalhar na indústria. Não se trata aqui de fazer a biografia, mas simplesmente de apresentar algumas das razões do meu voto em José Bonifácio como o maior economista de nossa História. Seu pensamento como cientista e sua obra de estadista ultrapassam de longe aquele limite. Suas propostas detalhando um sistema educacional para o ensino primário e secundário, a criação de uma academia de ciências e da primeira universidade em São Paulo (com discriminação das cadeiras) e para a inteligente absorção das nações indígenas em nossa sociedade, dentre tantas outras, o colocam na condição do estadista brasileiro de maior visão estratégica de todos os tempos. É possível conhecer a trajetória de José Bonifácio, o político, o cientista e homem de Estado em diversas obras de excelentes autores, mas não conheço nenhuma que trate exclusivamente de suas iniciativas e de seu pensamento no campo da economia. Ficaria muito feliz se essa singela homenagem vier a estimular uma pesquisa mais abrangente sobre o Andrada, economista. Acredito que isso dará subsídios para confirmar a minha escolha. Antonio Delfim Netto é professor emérito da USP
Valor Econômico