Artigo | O mito da “maldição dos recursos naturais” na mineração
02/08/18
A abundância de recursos minerais prejudica ou não o crescimento econômico dos países? Essa questão é complexa e tem sido bastante estudada e debatida. Enquanto a “maldição dos recursos naturais” afeta principalmente fatores econômicos e de governança – tais como baixo crescimento econômico, desigualdade, regimes autocráticos e conflitos – também é sugerido que o progresso social, em termos de pobreza, educação e outros indicadores sociais também são afetados. Em outras palavras, do ponto de vista social, é sugerido que os países vivem melhores situações quando não têm recursos naturais do que quando os têm.
Essa proposição resiste a uma análise detalhada? O estudo da ICMM sobre o Progresso Social em Países Dependentes da Mineração é uma tentativa de descobrir essa resposta. O relatório se propôs a responder uma simples pergunta: até que ponto o desenvolvimento social progrediu em países ricos em recursos minerais nas últimas duas décadas que levou à criação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, em 2015?
Por que isso é importante? Bem, primeiramente e talvez o mais importante, porque os países que dependem de recursos naturais (incluindo minerais e hidrocarbonetos) abrigam quase 30% da população mundial. Em segundo lugar, porque acreditamos que os recursos minerais, quando bem utilizados, podem alavancar o progresso econômico e social.
Em busca do ouro do desenvolvimento
Para começar, é importante deixar claro o que estamos chamando de “países dependentes de recursos naturais”. Usamos dois critérios:
- Os recursos minerais correspondem a mais de 20% dos ganhos com exportação?
- A receita líquida proveniente dos recursos minerais ultrapassa 10% do PIB?
As duas décadas entre 1995 e 2015 viram um crescimento acentuado no número desses países – de 53 para 81. Para os fins da nossa pesquisa, consideramos apenas os países que se encaixaram nesse perfil durante todo o período de 20 anos.
Utilizando indicadores robustos, orientados para resultados, produzidos por organizações internacionais respeitadas, medimos o progresso por meio de 30 indicadores que se alinham com 11 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Social das Nações Unidas (ODSs).
Em suma, ao longo dos 20 anos até o lançamento dos ODSs em 2015, evidências mostram um progresso social considerável em países que dependem da mineração.
De modo geral, testemunhamos um avanço de 78% ao longo dessas duas décadas. Mas houve variações significativas. O maior progresso foi no ODS9: inovação & infraestrutura, principalmente no acesso ao financiamento e à TIC. Houve também um progresso muito bom com relação ao ODS7 – energia acessível e limpa, e ao ODS3 – saúde & bem-estar.
O progresso foi menos significativo em relação ao ODS16, em particular – aspectos de governança, tais como corrupção, estabilidade política e liberdade cívica; ao ODS5 sobre igualdade de gêneros; e ao ODS8 sobre trabalho decente. Comparações de rendas também revelaram diferenças interessantes, com países de renda baixa e média-baixa parecendo se sair bem melhor ao longo dessas duas décadas. Por exemplo, o Peru observou uma melhoria em 97% dos seus indicadores sociais, enquanto a Botsuana e Gana obtiveram 93%.
É importante ressaltar: correlação não implica causalidade. Logo, embora acreditemos que a atividade mineradora e as políticas e práticas sociais das empresas mineradoras possam contribuir bastante para o progresso social, não queremos sugerir nenhuma prova de ligação direta.
Diminuindo a lacuna até os melhores
Além de querer ver o desempenho de países que dependem da mineração, também quisemos compará-los a outros países. Para isso, comparamos o seu progresso com países dependentes de hidrocarbonetos e países que não dependem de recursos naturais. De forma geral, encontramos claras evidências de que dentre esses três grupos, o progresso foi maior nos países que dependem da mineração.
Os países dependentes da mineração obtiveram melhorias em mais indicadores sociais do que os outros dois grupos. Até mesmo em áreas onde os indicadores são mais baixos – tais como governança, igualdade de gêneros e trabalho decente, o progresso foi de alguma forma maior do que nos outros dois grupos. O melhor desempenho foi mais nítido em relação aos ODS1, ODS6 e ODS7 – pobreza, água & saneamento e energia acessível e limpa. Entretanto, também temos que reconhecer que o progresso foi menor em relação ao ODS3, saúde e bem-estar. De fato, o progresso foi bom – 90% de modo geral em todos os indicadores – mas não tão bom quanto nos países dos outros dois grupos.
É justo também reconhecer que o desempenho dos países dependentes da mineração foi menor que o dos países com as melhores médias globais – embora essa lacuna esteja se diminuindo. Em 1995, 56% dos países dependentes da mineração tinham desempenho abaixo da média global; até 2015, 84% desses países já estavam alcançando os países com melhores desempenhos globais; a título de comparação, apenas menos de 70% dos países que não dependem de recursos naturais acabaram com essa lacuna.
Sim, a governança é importante
Mencionei anteriormente que o desempenho foi mais fraco em relação ao ODS16 – governança, englobando a corrupção, estabilidade política e liberdade cívica. Dessa forma, considerando o amplo – e saudável – progresso dos outros indicadores, é sensato concluir que a governança não é tão importante para o progresso social?
Para poder considerar melhor essa questão, analisamos o mais recente Índice de Governança de Recursos Naturais, do Natural Resource Governance Institute, elaborado em 2017, que mede a qualidade da governança de recursos naturais em 81 países. Concluímos que os países dependentes da mineração têm maior representação nas categorias bom/satisfatório ou fraco e menor representação nas categorias ruim ou insatisfatório.
Também concluímos que os países dependentes da mineração, que estavam atrás dos os líderes em 1995 e que possuíam boa governança de recursos naturais, obtiveram melhor progresso ao longo dos 20 anos seguintes, comparando àqueles com governança inferior. Logo, constatamos que a governança parece, sim, ser importante para o progresso social.
Para finalizar, a dependência da mineração parece se correlacionar com o progresso social positivo e acima da média em um amplo número de indicadores. A evidência parece irrefutável: os recursos minerais e a mineração podem ser um veículo para promover o desenvolvimento social de um país.
Existe ainda bastante espaço para melhorias. E, apesar da necessidade de mais estudos para compreender plenamente as diferenças entre alguns dos países que analisamos, não acho que os governos deveriam esperar pelos resultados desses estudos para começarem a agir. Embora todo país tenha as suas necessidades específicas de desenvolvimento, uma boa forma de começar seria priorizar as áreas onde os ODSs estão mais distantes. De modo geral, essas áreas são a governança, a igualdade de gêneros e o trabalho decente.
Os governos devem ser os principais responsáveis pela promoção e pelo incentivo ao progresso social. Contudo, cabe também às instituições que trabalham com recursos naturais um papel importante como parceiras no desenvolvimento de países dependentes da mineração.
World Economic Forum