Miriam Leitão – Tigre de papel
17/07/09
Nem a China está comemorando o crescimento chinês. O instituto oficial de estatísticas disse que o crescimento é desigual e instável e que a retomada não foi para todo o país, nem todos os setores. O Congresso do Povo disse que o governo tem que evitar o “crescimento extraordinário” do crédito. Na China, nem o governo acha que a crise acabou por causa dos 7,9% do PIB do segundo trimestre.Não se pode ser superficial com crise tão grave. Ela continua sendo a pior em 80 anos. O que está acontecendo é uma redução das previsões de queda da maioria dos países, e uma ligeira melhora no crescimento chinês. Mas a China cresceu 13% em 2007, e deve crescer entre 7% e 8% este ano e no próximo.Parece muito para o mundo não chinês, mas para os padrões do país esse resultado é ruim. O economista Nouriel Roubini faz uma série de ponderações sobre o desempenho da China que vale a pena registrar. As importações foram dominadas por commodities neste primeiro trimestre e se aproveitaram dos preços baixos. Agora, os preços subiram; a demanda internacional dos produtos manufaturados chineses continua fraca; os estoques aumentaram; e a tendência é o país reduzir a compra de commodities. A China aumentou tanto o incentivo à exportação quanto as barreiras às importações. Isso contribuirá para um dos riscos atuais: o protecionismo. Houve aumento de investimentos, mas depois de forte apoio do governo e pelo uso de lucros retidos. Isso pode tirar fôlego das empresas para investimentos em 2010. A China está em melhor posição do que a maioria dos países para estimular a demanda, diz Roubini. O consumo das famílias é baixo, 36% do PIB, e o nível de poupança é reconhecidamente alto. Só que, paradoxalmente, parte da compulsão de poupar vinha de um problema: uma rede social deficiente em saúde, educação e aposentadoria. Investindo nessas áreas, o governo poderá reduzir a tendência à poupança na população.O país continua correndo os riscos de deterioração fiscal, reservas altamente concentradas em dólar, câmbio quase fixo e crescimento abaixo do potencial. Esse último item afeta diretamente países da América Latina, Ásia e África. Se a China crescer menos, também importará menos commoditites. No Brasil, os efeitos são imediatos no setor de mineração.Gráficos enviados ao blog (www.miriamleitao.com.br) pelo Banco Fator mostram claramente os efeitos da crise sobre a China. Apesar das taxas serem altas quando comparadas com o resto do mundo, elas representam desaceleração no contexto chinês. A produção industrial teve alta acumulada no primeiro semestre de 7%, mas no mesmo período de 2008 a taxa estava acima de 15%. As vendas no varejo que chegaram a crescer 23% desaceleraram para 15% no acumulado até junho.”Não se espera que o ritmo (do PIB) observado entre 2003 e 2007 (acima de 10% ao ano) volte a vigorar rapidamente”, diz relatório do banco.O secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Rodrigo Maciel, disse a Bruno Villas Bôas, do blog, que a desaceleração da economia tinha duas origens: uma externa, fruto da crise, e outra interna, que era o colapso do setor imobiliário. O governo elevou impostos, reduziu crédito e tirou benefícios no ano passado para conter a expansão do setor e evitar o superaquecimento da economia.- O governo chinês também pediu para os bancos segurarem crédito, entre outras medidas. Mas a partir do final de 2008, com a crise, o governo chinês adotou uma política de explodir investimentos – disse Maciel.Entre as medidas voltadas ao setor imobiliário, o governo reduziu o tamanho da entrada necessária para compra do imóvel, que caiu de 35% para 20% do total. Também reduziu o volume de capital que as construtoras precisam ter em caixa para executar uma obra. Na compra de imóveis, o imposto foi reduzido de 1,5% para 1%:- O governo investiu pesado em grandes obras de infraestrutura, como rodovias, portos, usinas de energia. São investimentos em ativo fixo, que cresceram 33% na primeira metade do ano, maior taxa em cinco anos. Isso incentiva a indústria de base, responsável por uma grande fatia da economia.Mas nada disso é capaz de eliminar os desafios que a China tem pela frente. Como explicou o diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, Kevin Tang, desde a crise, cerca de 20 milhões de empregos foram eliminados. Mais desemprego é sinal de aumento de tensões sociais. Além disso, a China terá que suprir a redução do consumo americano. As economias americana e chinesa tinham uma relação de mútua dependência: os americanos aumentavam o consumo e produziam déficit, os chineses produziam para atender esse consumo e poupavam. Com a poupança, financiavam o endividamento americano. Agora, as famílias americanas voltaram a poupar. Têm dívidas e medo do futuro. A China terá que estimular seu próprio consumo e alterar a base da indústria, focando internamente. Não é trivial:- Algumas mudanças são culturais e não acontecerão de uma hora para a outra – explicou Tang.É isso que o próprio governo alerta, quando o escritório de estatísticas avisa que o crescimento não chega a todas as partes, é desigual e instável, e quando o Congresso do Povo afirma que bolhas de crédito são perigosas. Quem discordaria?
Diário de Pernambuco Online / O Globo