Minerador recupera e negocia venda da antiga varejista Ultralar
02/01/07
A Ultralar, a falida rede de eletroeletrônicos do Rio de Janeiro, deve voltar a operar. Três grupos – um brasileiro, um argentino e outro espanhol – estão interessados na empresa, que se encontra na reta final de um processo de recuperação judicial. O atual controlador da Ultralar, o empresário Sérgio Duarte, avalia o negócio em R$ 30 milhões. Vai levar, obviamente, aquele que fizer a melhor oferta.
A provável venda da Ultralar é o epílogo de uma história inusitada. Para assumir o controle da rede do Rio, o mineiro Sérgio Duarte não tirou um único tostão do bolso. A moeda da recuperação da Ultralar é o “sinter feed”, um minério fino de ferro resultante da extração e beneficiamento de minas próprias
Pagando com o “pó de minério”, Duarte não comprou apenas a rede de lojas. Em dezembro, adquiriu o controle da mineradora falida Serra Azul, em Nova Lima (MG), e está negociando acordos semelhantes com donos de outras oito empresas falidas. Na relação, estão outras mineradoras e também empresas de outros setores, como uma usina de álcool. O objetivo do empresário mineiro é fazer a recuperação judicial dessas empresas, com base na nova Lei de Falências.
Em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, Duarte tem pilhas de “sinter feed” para dar em garantia das dívidas das companhias falidas enquanto as põe outra vez em operação. Possibilidade de penhora do minério de ferro é garantida pela Lei de Execução Fiscal de 1980, em caso de dívidas tributárias, e pelo Código de Processo Penal, em dívidas particulares.
Com minério tipo “sinter”, Sérgio Duarte comprou dois terços dos créditos podres da Ultralar, cuja falência foi decretada em maio de 2000. Adquiriu esses créditos na massa falida de companhias telefônicas e indústrias como Philips, Gradiente, Cisper, Tramontina e Sony, além de cinco bancos. Sem perspectiva de recuperar créditos no lento processo de falência, essas empresas aceitaram receber volumes de “sinter feed” equivalentes aos valores de seus créditos na massa falida, com base na cotação do minério no mercado. Em agosto de 2002, quando a aquisição foi reconhecida pela Justiça, esses créditos somavam R$ 22,4 milhões.
O dono da rede varejista, Paulo dos Santos, falecido em 2003 tentou em vão contestar a tomada hostil do controle por Sérgio Duarte, que se tornou o maior credor da massa falida. Duarte tentava tornar-se síndico da massa falida, com a intenção de vender os ativos da Ultralar. O processo arrastava-se na Justiça quando se abriu uma perspectiva, com a nova legislação de falência, para recuperação judicial da tradicional marca fluminense.
Com a anuência dos herdeiros de Paulo dos Santos, iniciou-se o processo de recuperação judicial. A Dimibrás – empresa criada por Sérgio Duarte para este fim – é hoje a dona do patrimônio da Ultralar: um depósito de 60 mil metros quadrados no bairro da Penha, uma frota de 45 veículos, três lojas (duas no Rio e uma em Niterói) e a marca Ultralar&Lazer, criada há 65 anos e até hoje uma referência no mercado fluminense.
Apenas os ex-funcionários receberam seus créditos em dinheiro, depois do leilão de algumas lojas da rede, na primeira etapa do processo de falência. Duarte é dono dos ativos e também dos passivos da Ultralar. Mas agora terá dinheiro, com folga, para pagar seus credores.
Com a companhia telefônica, ele já conseguiu reduzir a dívida pela metade. Ficou provado que a dívida era de R$ 6,8 milhões e não R$ 15 milhões como era cobrado. E, pagando em dinheiro, o empresário espera conseguir um grande desconto. “A expectativa é gastar de R$ 7 milhões a R$ 8 milhões para quitar todo os débitos com credores privados”, diz o advogado no processo, Geraldo Monteiro. De acordo com o advogado, já estão concluídas negociações com 80% dos credores particulares.
A dívida em tributos, em valores corrigidos, é impagável. Está na casa dos R$ 300 milhões. O advogado afirma que o cálculo é “surreal”, com mecanismos inconstitucionais como cobrança de juros sobre juros e multa sobre multa. A dívida estará garantida por “sinter feed” enquanto os valores estiverem em discussão na Justiça. Monteiro aposta que, no fim das contas, será preciso desembolsar pouco mais de R$ 1 milhão.
Trocando em miúdos: sem nunca ter tirado um único quilo do seu “pó de minério” de Brumadinho, Sérgio Duarte poderá faturar, só com a Ultralar, mais de R$ 20 milhões. Dinheiro mesmo ele só gastou com as engrenagens da burocracia, pagando advogados, laudos, perícias, cartórios. “Ele inovou quando comprou os créditos podres da massa falida e está inovando agora, com a recuperação judicial”, resume seu advogado.
A surpreendente história do empresário que usa minério de ferro como moeda corrente começou em 2000, quando enxergou a possibilidade de aproveitar as pilhas de “sinter feed” acumuladas na sua pequena mineradora em Brumadinho, a Emicon.
A empresa, quando em operação, vendia minério tipo granulado para fabricantes de ferro-gusa de Minas Gerais. Ao longo de 30 anos de operação, acumulou duas gigantescas pilhas de finos no pátio. Segundo laudo da Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec), há 22 milhões de toneladas de “sinter” nas duas pilhas.
Em média, para cada tonelada de granulados vendida, pequenas mineradoras ficam com 1,5 tonelada de finos estocado. O minério fino é utilizado num processo chamado sinterização (que aglomera o produto em forma de pelotas) para uso nos altos-fornos das siderúrgica. Esse mercado, porém, está cada vez mais em mãos de grandes mineradoras, dificultando o acesso às pequenas companhias.
O primeiro negócio que Duarte fez foi, na verdade, uma ação filantrópica. Doou 80 mil toneladas de “sinter” como garantia de R$ 400 mil em dívidas com o INSS da Sociedade São Vicente de Paula. A entidade estava impedida de celebrar convênios com órgãos públicos porque não podia apresentar a certidão negativa de débitos.
O uso do minério fino da Emicon fica garantido por Escritura de Penhor Mercantil e Depósito. O documento é registrado em cartório. Na prática, isso significa que o “sinter feed” tem de permanecer no pátio da mineradora até que a dívida tenha sido quitada, com pagamento em dinheiro ou com a execução da garantia.
Como fiel depositário do ativo, Sérgio Duarte não pode negociar os volumes correspondentes às escrituras emitidas em nome de outras empresas. Em seis anos de negociações, tendo por base o minério, nenhuma única tonelada do produto foi leiloada.
“Nunca vi realizarem um leilão de sinter”, admite o empresário. Antes que se levante alguma suspeita, Duarte faz questão de frisar: “Tudo o que fiz foi absolutamente legal”. De fato, a Justiça reconheceu todos as operações garantidas por minério feitas pela Emicon.
Valor Econômico