Jazida afegã pode levar à "paz pela ganância", diz analista
16/06/10
A descoberta de valiosas jazidas minerais no Afeganistão, divulgada na segunda-feira pelo jornal americano The New York Times, pode levar a solução do conflito interno do país com o Talibã, segundo analista ouvido pelo Terra.
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Para o professor Marco Márcio Antonio Scalércio, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ, é possível que a descoberta abra a possibilidade de o país alcançar a paz no conflito interno com os rebeldes talibãs. Segundo ele, é possível que os interesses internacionais, especialmente dos Estados Unidos, na exploração dos depósitos minerais possam levar o Afeganistão a alcançar a “paz pela ganância”.
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“Pode ser uma situação apetitosa para tentar fazer com que os antagonistas conversem. A paz pela ganância. O problema é saber se o poder de ganância do Talibã é similar ao dos estrangeiros”, afirma Scalércio.
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“O Afeganistão não tinha nenhum atrativo, ele passando a ter um atrativo dessa monta, em um mundo que está cada vez mais procurando produtos primários – especialmente a China no cenário internacional -, isso é uma novidade. É quase um pré-sal afegão”, diz Scalércio. “O país jamais se deparou com oportunidades dessa natureza. É como se tivessem achado urânio na Lua. Eu tenho certeza que já existiriam cidades na Lua”, acrescentou.
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Scalércio esclarece que, na administração do presidente Barack Obama, os Estados Unidos já estão rumando para abrir conversações, ainda que cautelosas, com o Talibã. “Finalmente os EUA começaram a trabalhar com a ideia de que o Talibã e a Al-Qaeda não são a mesma coisa. Isso pode ser um caminho (para a paz)”, diz.
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Ele ainda lembra que, além do Talibã, existem outras tribos e etnias que precisariam ser envolvidas nas negociações, uma vez que as jazidas estão espalhadas pelas regiões sul e leste do país.
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Desafios internos
Segundo reportagem do NYT, a reserva mineral do Afeganistão é composta principalmente por depósitos de ferro, cobre, cobalto, ouro e de lítio – um dos metais mais importantes e escassos atualmente, largamente empregado na indústria da informática. Para o Pentágono, os depósitos minerais podem alcançar um valor estimado em US$ 3 trilhões.
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De acordo com o jornal americano, a descoberta poderia fazer do Afeganistão um dos principais centros mundiais de mineração, uma espécie de “Arábia Saudita do lítio”.
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Contudo, Scalércio lembra que o processo de pacificação no Afeganistão ainda está distante. Ele ressalta que sem a estabilização não existe a possibilidade do país se beneficiar de suas reservas. “O Afeganistão não está politicamente estruturado para aproveitar esta prosperidade em termos organizacionais, institucionais. Não há estrutura mínima. O transporte é ou picape ou camelo”.
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Os problemas da falta de estabilidade e infra-estrutura no Afeganistão são vistos por Unildo João Marini, secretário-executivo da Agência para o Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Mineral Brasileira (Adimb), como grandes entraves para atrair empresas internacionais para realizar a exploração das jazidas. Segundo ele, a indústria mineradora do país é praticamente inexistente e incapaz de comandar a exploração.
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“Nessas regiões é difícil. Tem de haver infra-estrutura, já que o custo operacional é muito elevado. Depende do local da descoberta, de energia, de segurança”, diz Marini, que ainda ressalta dificuldades do país na questão de mão de obra. “O Afeganistão é muito atrasado em termos de mão de obra. O país vai ter mão de obra quase só em serviço braçal, (técnicos e geólogos) teriam que vir de fora”, afirma.
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O professor de Geologia da Universidade de São Paulo (USP) Caetano Juliani destaca o tempo necessário para esse tipo de descoberta começar a dar frutos. “Normalmente leva de 10 a 15 anos desde a descoberta até a entrada em produção”, esclarece. Contudo, ele afirma que o fato de a indústria de mineração afegã ser praticamente incipiente não é um grande entrave. “Na verdade, as plantas industriais não são o grande problema, o maior problema é ter toda uma infra-estrutura (para iniciar a extração)”, diz.
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Marini afirma também que a incipiente legislação do país para o setor é mais um fator que prejudica a exploração das jazidas. “Se a legislação mineral é confusa, afasta ainda mais as empresas. Se ela investe US$ 1 bilhão, US$ 2 bilhões, e de repente o governo muda a regra do jogo, ela perde tudo”, afirma.
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Para o professor Márcio Antônio Escalércio, é impossível falar em legislação forte no atual momento do país. “No Afeganistão, não há legislação sequer para atravessar a rua. O presidente (Hamid) Karzai não é presidente de nada. Ele é prefeito de Kabul. Ninguém está pensando nisso (em legislações)”, diz.
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Tipos de minérios
Segundo Unildo Marini, a rentabilidade de uma eventual exploração mineral no Afeganistão depende do tipo de minério encontrado e de onde ele está localizado. “Se o minério está a céu aberto, é mais fácil. Se está em subsolo, já é mais complicado”.
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Em relação às reservas de lítio – consideradas pelo NYT como as mais importantes encontradas no Afeganistão -, Marini afirma que é preciso verificar se ela se encontra sob a forma de sais. “Se forem sais de lítio, certamente a descoberta vai gerar riqueza”, diz Marini. Ele explica que o lítio encontrado na Bolívia, o país que tem as principais reservas do minério do mundo, está sob a forma de sais e se encontra na superfície e que, se o lítio encontrado no Afeganistão estiver sob a forma de silicato, não terá condições de competir com o encontrado no país sul-americano.
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O professor explica que se essas condições forem cumpridas, é possível extrair o minério dentro de um prazo de poucos anos. Contudo, ele lembra que o tempo necessário para se iniciar a exploração varia de minério para minério. “Ouro, por exemplo, dá resultados em um ano. Depende caso a caso”, explica Marini.
Terra