Grupo brasileiro desenvolve método mais ágil para determinação de Ferro Total
30/08/22
A determinação do teor de Ferro Total (FeT) do minério é fundamental para o cálculo da fatura de uma carga comercializada. Atualmente esta determinação é feita nos laboratórios por via úmida, método cuja execução demanda tempo relativamente longo e cuja exatidão e precisão dependem fortemente da capacitação do laboratorista. Diante disto, há anos os especialistas da área têm buscado desenvolver novos métodos para fazer a análise de FeT por via instrumental. Várias tentativas têm sido feitas no âmbito da ISO, porém ainda sem sucesso. No entanto, neste ano um Grupo de Trabalho (GT) formado por especialistas das empresas brasileiras de minério de ferro, com suporte de fabricantes de equipamentos, finalmente obteve êxito no desenvolvimento de um novo método, após nove anos de trabalho. Este método é o da titulação por potenciometria.
Entenda o método da Potenciometria
Titulação é um dos processos clássicos da química analítica quantitativa. É uma técnica volumétrica onde através da medição rigorosa de volumes é possível determinar a concentração de uma solução ou quantificar um determinado analito, utilizando outra solução cuja concentração é conhecida (solução padrão).
A titulação potenciométrica trata-se de um procedimento volumétrico em que o ponto final da titulação é determinado pela variação de potencial, ou seja, pelo acompanhamento dos vários estágios e também determinação do ponto final de um processo de titulação, baseado na diferença de potencial inicial e final, no ponto de inflexão da curva.
Para esse processo, recorre-se a um elétrodo combinado (eletrodo de trabalho e eletrodo de referência) numa única unidade, formando uma peça de equipamento mais robusta para se introduzir e suportar a solução a ensaiar. O princípio no uso deste eletrodo está, basicamente, na sua membrana (anel) de platina ou ouro. Quando esta é imersa numa determinada solução, desenvolve-se um ddp (diferença de potencial) que é uma função linear da concentração do analito a se determinar.
O aprimoramento do método
Inicialmente a metodologia foi testada em amostras de rotina, no equipamento da Samarco, com resultados muito precisos e exatos. Em paralelo, foi desenvolvida uma metodologia de determinação potenciométrica a quente de Ferro Total, também com resultados muito promissores.
No entanto, como observou o Técnico Especializado Anderson Pedruzzi, que conduziu os testes na Samarco, “com o passar do tempo, verificou-se um aumento na variabilidade dos resultados em ambas as metodologias e os gráficos das titulações de oxirredução indicavam uma queda acentuada da variação de potencial. Esses efeitos foram causados pela perda de sensibilidade do eletrodo de platina devido à sua passivação, ou seja, a formação de uma película do óxido no anel de platina.”
Acreditava-se, à época, que o agente causador da formação da película no anel de platina do eletrodo era a solução de tricloreto de titânio (TiCl3), reagente que precipita com facilidade e que a literatura indicava a possibilidade da formação de óxido de titânio em metais como Pt e Au. Somente com o polimento com pasta de diamante do anel de platina foi possível remover a película de óxido causador da passivação e melhorar o desempenho do eletrodo.
A partir daí, várias tentativas foram estudadas pelo grupo e tudo se resumia à questão do eletrodo: sem realizar a limpeza os laboratórios não obtinham bons resultados e não seria interessante, em termos de produtividade e custo, realizar a limpeza física do eletrodo após cada análise.
Foram testadas algumas alternativas para a limpeza do eletrodo, e dentre elas a mais promissora foi a limpeza com areia. No entanto, não havia nenhuma avaliação técnica que comprovasse a causa da passivação e os resultados ainda divergiam bastante. Foi então usado o MEV (Microscópio Eletrônico de Varredura) para avaliação do eletrodo e verificar os componentes presentes antes e após a passivação. Nada se encontrou de TiCl3 no anel do eletrodo, até então hipótese aceita pelo grupo como causa fundamental. “Precisávamos fazer a avaliação do anel do eletrodo sem danificá-lo, analisando algumas opções de ensaios não destrutivos decidimos utilizar o MEV para identificar os elementos químicos presentes no anel do eletrodo e quantificá-los. O MEV é um instrumento utilizado para análises microestruturais de diversos materiais que produz imagens superficiais de alta resolução e excelente nitidez” explica Anderson Pedruzzi. “Comparando o antes e o depois da passivação, o único elemento que apareceu no anel passivado foi o oxigênio, indicando que houve uma oxidação superficial do anel de platina/ouro, provavelmente pela ação da solução ácida (sulfúrico + fosfórico)”, ressalta a coordenadora do GT, Engenheira Samantha Santos.
Consultando a literatura, o grupo identificou que a função do ácido fosfórico na reação é de tornar mais nítida a viragem de cor na titulação do dicromato de potássio. Como na titulação potenciométrica não há necessidade de mudança de coloração para identificar o ponto final de titulação, decidiu-se testar o método sem o ácido fosfórico, utilizando somente o ácido sulfúrico. Segundo Fernando Castro, orientador técnico na Vale, “a potenciometria na análise de ferro total em minério de ferro é pioneira. Sendo assim, foram necessários vários estudos para o desenvolvimento dessa nova metodologia que culminaram em várias descobertas, dentre elas uma superimportante que foi a retirada do ácido fosfórico da mistura ácida utilizada em uma das etapas do processo. Com a retirada desse ácido do ensaio tivemos vários ganhos, como: segurança, custo, melhora no desempenho do eletrodo, dentre outros”.
A partir de então, o grupo trabalhou modificando concentração/volume de ácido sulfúrico e chegou a uma proporção ideal (30 mL da solução de ácido sulfúrico à 30%). Verificou-se também que não houve passivação do eletrodo de platina, o que indica que o ácido fosfórico realmente era o responsável pela oxidação/passivação do anel do eletrodo. Ainda segundo Fernando Castro, “com a retirada do ácido fosfórico do ensaio, foram necessários vários estudos para obter a concentração ideal da solução de ácido sulfúrico para o ensaio. Após a identificação da concentração dessa solução fizemos vários testes para constatar sua eficácia quanto eliminação da passivação do eletrodo que era o ponto crucial para a baixa performance da metodologia.”
O resultado foi redução de custos, uma vez que não há necessidade de uso de indicadores na metodologia, bem como a diminuição de erros ocasionado por soluções turvas, de difícil viragem. Este processo também culminou com um aumento de produtividade dos laboratórios. Este fruto será ainda mais expressivo com a operação automatizada deste processo analítico, uma vez que há no mercado equipamentos disponíveis para isto.
A próxima etapa do trabalho será a determinação dos valores de precisão do método e, em seguida, a proposta de formalização do método junto à ABNT e ISO.
O Grupo de Trabalho
Este Grupo de Trabalho (GT) foi criado em 2013, no âmbito do CB-041, que é o Comitê Brasileiro de Minério de Ferro, da ABNT, Este CB é gerenciado e mantido pelo IBRAM/CONIM (Comitê para a Normalização Internacional em Mineração do IBRAM). Este GT é formado com especialistas de diversas empresas participantes do CONIM: Vale, Samarco, ArcelorMittal, Anglo American, CSN, Porto Sudeste, além de representantes de fabricantes de equipamentos. “O know-how desenvolvido pela equipe na técnica de potenciometria é um marco, e só foi possível graças à dedicação e esforço de todos os componentes do GT”, avalia Santos.
Sobre o CONIM
O CONIM – Comitê para a Normalização Internacional em Mineração é o órgão do IBRAM que desenvolve, desde 1994, um amplo programa de apoio à participação das empresas brasileiras produtoras de minério de ferro, minérios e concentrados de cobre e níquel e produtos primários de níquel nos trabalhos de desenvolvimento de normas técnicas ISO e ABNT. Mais informações sobre este programa podem ser obtidas enviando e-mail para rejane.carvalho@ibram.org.br.