Garimpeiros sonham com concessão e aposentadoria
06/12/06
Para quem chega a Serra Pelada com a memória das notícias sobre fortunas feitas no garimpo, é difícil acreditar que o saldo seja tanta miséria. Cerca de 6 mil pessoas vivem em condições precárias na vila em torno do lago que um dia foi o maior garimpo a céu aberto do mundo. Estão, como dizem, “segurando o garimpo para os garimpeiros”.
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A comunidade de ex-garimpeiros vive em casebres de madeira cobertos de lona ou palha, sobre a terra vermelha, onde saneamento básico ainda não chegou. Muitos estão equilibrados em barrancos e o risco de desmoronamento parece iminente, especialmente agora que chegaram as águas do “inverno” amazônico, a temporada de chuvas. É alto o índice de hanseníase no povoado.
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Dos moradores de Serra Pelada, mais de 800 são “cutiões”, homens sem família, que vivem por lá solitários desde a década de 80. Foram buscar riqueza, pouco ou nada encontraram e ficaram. Tiveram vergonha de procurar as famílias sem nada para oferecer. Já não se lembram dos vínculos familiares que deixaram para trás. Os mais velhos conseguiram aposentadoria por idade, de um salário mínimo. E ajudam, quando podem, os que não têm direito ao benefício.
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A maior parte dos que ainda moram por lá garante, de pé junto, que nem chegou a ver ouro. Quase todos eram “blefados”, garimpeiros que mal ganhavam para comer. Os “bamburrados” – garimpeiros que encontraram bastante ouro e enriqueceram da noite para o dia – há muito foram embora. Só voltam para as assembléias da cooperativa, toda vez que vem à tona uma possível negociação com investidores ou chance de sacar o fundo dos garimpeiros na Caixa Econômica Federal.
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O maranhense Maximiliano Silva está em Serra Pelada há 26 anos. Tem 56 anos de idade, mas aparenta pelo menos dez anos mais. “Queria ser mais velho para receber a aposentadoria.” Silva mora sozinho num barraco de madeira e lona, a poucos metros da cava onde arriscou a vida e não conseguiu nada. “Já tive mulher, antes de vir para cá, mas não sei mais dela, largou de mim”, conta.
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Do seu mísero patrimônio, dentro do barraco, o que guarda com maior zelo é a carteira de sócio da Coomigasp. Faz questão de exibir o que acredita ser seu passaporte para uma vida melhor. “Agora eu vou levar um dinheiro, dessa vez sai”, diz, quase como um mantra.
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A esperança de levar algum dinheiro na concessão de Serra Pelada para alguma empresa – aliada à falta de outra perspectiva de vida – mantém pessoas como Silva em Serra Pelada. “Se quiser essa área, a Vale vai ter de pagar caro”, afirma Meire Alves Costa, mulher de garimpeiro.
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Embora a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) informe que não tem qualquer interesse pelo garimpo de ouro, e que respeita a decisão do governo brasileiro de entregar os direitos minerários aos garimpeiros, a maior parte da comunidade ainda alimenta o clima de disputa com a mineradora. Até agora, duas multinacionais – a americana Phoenix Gems e a canadense Aura Gold – fizeram ofertas à cooperativa para explorar a concessão da lavra, direito que voltou aos garimpeiros em 2002, mas cuja efetivação depende de questões burocráticas e legais.
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Meire chegou de Presidente Dutra (MA) aos 18 anos, já em tempos de declínio do garimpo, para cozinhar para os garimpeiros de um barranco. Acabou se amigando com um dos “meia-praça”, com quem teve três filhos. O que sustenta a família é a comida que Meire vende aos “cutiões”. Cobra R$ 5 por refeição, mas não fatura muito. Tem apenas cinco clientes fixos. A concorrência é grande. Muitas mulheres vivem do mesmo ofício, cozinhando em barracas de lona montadas na pracinha do povoado. E o custo é alto. Os ingredientes vêm de Marabá, a 130 quilômetros, entregues por motoqueiros.
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No fim de semana da última assembléia, porém, as mulheres aproveitaram o movimento e comemoraram o crescimento dos ganhos. Com o garimpo cheio, Meire vendeu 30 refeições no almoço, e 27 na hora do jantar.
Ivana Moreira – Valor Econômico