Empresas abertas, mas vazias
12/03/12
Gaúcho radicado em Curitiba cria empresas em série e quer levá-las à bolsa, antes mesmo que comecem a produzir qualquer coisa
Ele não gosta de futebol, mas está preparando uma empresa para negociar direitos econômicos de jogadores. E conta que já trabalhou com empresas de diversos setores, de joalherias a fundições de chumbo, de factorings à criação e formatação de franquias. Agora, o empresário gaúcho Alexandre Souza de Azambuja quer estabelecer em Curitiba um criadouro de empresas de capital aberto.
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Desde fins de dezembro, ele pediu à Comissão de Valores Mobiliários (a instituição que regulamenta e fiscaliza essas operações no Brasil) o registro de cinco delas. Intercosmetic, Eko Parking, Play Beverage South America, Companhia Aurífera Brasileira e Drogarias Americanas têm uma característica em comum: até hoje não fabricaram nem venderam absolutamente nada. São empresas em fase pré-operacional e seu idealizador pretende convencer o mercado a aplicar nelas dinheiro de verdade. Pelo menos R$ 10 milhões para cada uma, e isso ainda no primeiro semestre deste ano ? uma rapidez que tem deixado desconfiados alguns protagonistas do mercado.
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O projeto de Azambuja é obter dinheiro no mercado, adquirir operações ?reais? e, mais tarde, abrir o capital das empresas na bolsa. Para isso, solicitou também o registro das empresas no Bovespa Mais, o segmento da bolsa de valores dedicado a empresas pequenas ou que estão querendo ?testar? o mercado. Esse segmento foi criado há sete anos, mas até hoje só duas empresas aderiram, a última delas em outubro do ano passado. Ou seja: em três meses, Azambuja mais que triplicou o segmento. E não quer parar por aí ? o projeto inclui mais de 20 empresas, em áreas como saneamento, mineração, varejo, saúde, meio ambiente e logística, entre outros.
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Azambuja admite que, hoje, suas empresas são apenas papel. A Companhia Aurífera Brasi­­leira, por exemplo, não tem sequer uma concessão de lavra. Isso não parece ser problema para o empresário. ?Hoje esse setor só tem grandes empresas multinacionais, ou então pequenas empresas que são um garimpo um pouco mais organizado?, descreve. ?Não existe um middle market [segmento de empresas médias]. Nós vamos ser esse middle market.?
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O dinheiro para que os negócios saiam do papel está ? segundo o empreendedor ? garantido. Virá de fundos e family offices (holdings que administram o patrimônio de famílias), muitas de Curitiba. ?Até agora não recebi um não. Como os valores iniciais não são altos, não vou ter problema para levantar esses valores?, diz. Azambuja conta ter 22 funcionários em sua empresa, a Templars Trust Investimentos, instalada em um pequeno edifício no bairro Juvevê, com palmeiras plantadas na frente e salas decoradas com reproduções de Picasso e livros sobre cinema. ?Quase todos trabalham em casa. Já tive problemas com gente aqui querendo tirar pessoal da minha equipe.? Azambuja não revela quanto investiu até agora na constituição das empresas, apenas conta que trabalha no assunto há dois anos.
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Das cinco empresas cujos processos chegaram à CVM, apenas uma tem uma tênue ligação com o mundo dos negócios reais. A Play Bev South America é dona dos direitos de importação e distribuição do energético Playboy Energy Drink, marca derivada da revista masculina. Segundo Azambuja, o processo de liberação do produto pelas autoridades sanitárias brasileiras está sendo feito por outra empresa do grupo, a Energéticos do Brasil.
?Eike Batista do Sul? não inspira mercado
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Tantas empresas em tão pouco tempo chamaram atenção sobre Alexandre Azambuja, um ilustre desconhecido para alguns profissionais que trabalham com investimentos e formatação de negócios no Paraná. ?Ele não tem muitas conexões, parece ser totalmente self made man [alguém que se fez sozinho, sem auxílio de ninguém]?, observa, desconfiado, um empresário familiarizado com o processo de incubação de empresas. Outro, que faria parte do público-alvo de Azambuja, já que administra parte do patrimônio de algumas famílias, conta que nunca havia ouvido falar dele. ?Fico muito cético quando vejo alguém que não tem experiência e nunca mostrou nenhum resultado se apresentar dessa forma?, comenta.
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Entre profissionais ligados ao mercado acionário, a estranheza se repete. ?O Bovespa Mais é um segmento em que nem o pessoal da Bovespa acredita muito, dada a imaturidade do mercado?, observa um desses especialistas. Outro é mais direto: ?Se em sete anos só duas empresas entraram para o Bovepa Mais, quem seria tão bom para lançar cinco? Para fazer isso o cara tem de ser tão bom quanto o Eike Batista ? mas isso só se for verdade, mesmo?.
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Comparação
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As comparações com Eike agradam Azambuja ? que, pela forma como descreve sua trajetória, se encaixaria na descrição de self made man.
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Gaúcho de Canoas, ele conta que começou a trabalhar na joalheria de seu pai aos 13 anos. Ainda adolescente, tornou-se sócio da empresa e também de outra, uma loja de calçados. Mais recentemente, montou uma consultoria para formatação de franquias, setor em que atuou por cinco anos.
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?O negócio chegava torto à minha mesa, a gente arrumava, atualizava os processos. O cara saía pronto para captar dinheiro com private equity [venda de participação em empresas de capital fechado a fundos especializados] e eu ganhava os meus honorários?, diz. ?Depois de um tempo eu disse chega, e comecei a bolar esse formato.? Aí vem o Eike Batista: ?Se ele consegue, por que não eu??
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A diferença é que Eike Batista tem ido ao mercado com um pouco mais que um plano de negócios. Sua OGX, por exemplo, só foi extrair a primeira gota de petróleo três anos e meio depois de fazer a oferta inicial de ações. Mas ela possuía concessões de exploração ? que custaram caro, por sinal ? em áreas cujo potencial petrolífero era notório e estava fazendo estudos geológicos com pessoal reconhecidamente capaz. De diferentes formas, isso ocorreu com todas as outras empresas ?X?. Além disso, Eike é filho de Eliezer Batista, ex-presidente da Vale e ex-ministro das Minas e Energia.;
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Gazeta do Povo