Em Juriti, na beira do rio, Alcoa cria conselho de debates
11/05/09
;A mina de bauxita da Alcoa em Juriti, na beira do Amazonas, começou a mudar a cara da cidade, que recebeu um porto, posto policial e escolas novas, que…
Em Juruti, na fronteira entre o Pará e o Amazonas, as escolas não tinham parede. Não havia Judiciário, nem posto policial. A população vivia do extrativismo, retirando castanhas na mata, ou pescando no rio Amazonas para consumo próprio. Alguns pequenos produtores cultivavam mandioca para vender em Santarém, maior cidade da região localizada a seis horas de barco, ou em Manaus, a dois dias de viagem.
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Agora, há escolas, delegacia e posto policial. O Fórum da cidade está sendo construído e deverá ficar pronto ainda neste ano. Juruti também deverá ganhar um hospital e um posto de saúde. A zona urbana está toda asfaltada e o porto está sendo reformado. A cidade ganhou sua primeira rodovia e receberá milhões de reais em impostos. Motivo da mudança: a Alcoa descobriu um dos maiores depósitos de bauxita de alta qualidade do mundo na região e vai iniciar a exploração em setembro. Serão 2,6 milhões de toneladas por ano.
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Juliano Basile / Valor; A mina de bauxita da Alcoa em Juriti, na beira do Amazonas, começou a mudar a cara da cidade, que recebeu um porto, posto policial e escolas novas, que… “Deus poderia ter escolhido outros lugares para esconder a bauxita, mas pôs aqui”, resignou-se Tiniti Matsumoto, responsável pelo desenvolvimento estratégico de negócios da mina da Alcoa na cidade. “Normalmente, os municípios procuram criar incentivos fiscais para atrair as empresas. Aqui ocorreu o contrário”, disse.
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O caso de Juruti, cidade que tinha um dos maiores índices de miséria do Brasil, é um forte exemplo de como empreendimentos privados estão alavancando regiões de difícil acesso na Amazônia. A governadora Ana Júlia Carepa veio três vezes a Juruti. Antes dela, não há registro na cidade da visita de outro governador nos 126 anos do município. A primeira visita ocorreu com 26 dias de governo. Ela inaugurou um alojamento da Polícia Militar, uma delegacia, um posto de saúde e o asfalto da cidade. Todas obras da Alcoa, mas a empresa procura evitar essa divulgação para não prejudicar o conceito de parceria que está desenvolvendo com a comunidade (e também para não melindrar o governo).
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O fato é que a Alcoa está ajudando o poder público a se institucionalizar, e está criando mecanismos para que a população local possa viver de suas próprias atividades. O objetivo é que os moradores não dependam exclusivamente da mineração para sobreviver e que a mineração não conviva com um cinturão de miséria.
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Antes de a Alcoa chegar à região, Juruti tinha o 10º pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Pará, que é o 25º Estado neste ranking entre os 27 do país. A cidade tem 12 mil pessoas e outras 20 mil vivem nas zonas rurais nas margens do Amazonas. As demandas sociais são complexas. Há população urbana e rural, índios e quilombolas. A região é de frágil equilíbrio sócio-ambiental, e a renda per capita era de R$ 53,00.
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Agora, Juruti tem asfalto e até campanha de segurança no trânsito. Foram 372 acidentes no ano passado, 316 com motos. Com base nesses dados, a empresa organizou uma campanha de educação aos motociclistas. “É uma ação complementar ao poder público”, afirmou Fabio Abdala, consultor de Sustentabilidade da Alcoa. Segundo ele, de nada adianta a grande empresa chegar a uma cidade e driblar as reivindicações locais com “presentes”. Dar casa e comida pode solucionar queixas imediatas, mas não fará com que a empresa melhore sua relação com a comunidade. A Alcoa criou um conselho de debates sobre a cidade, um fundo para captar recursos e desenvolveu um monitoramento de indicadores sociais.
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No conselho, alcoanos e jurutienses discutem projetos conjuntos. Ao lado de um imenso porto erguido pela Alcoa na beira do Amazonas, há um canteiro de mudas para reflorestar a área desmatada pela empresa. Além do porto, a empresa construiu uma ferrovia e pintou o trem de azul e amarelo, uma referência às duas tribos que disputam o festival local: os muirapinimas e os mundurucus.
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No início, a Alcoa percebeu que seria difícil empregar a população local devido à baixa qualificação. Cursos foram abertos e permitiram que a empresa aproveitasse os jurutienses em 30% da mão de obra utilizada, percentual que a chega a 80% nas obras da mina. Os cursos se tornaram variados e permanentes. Vão de artesanato e agricultura à enfermagem.
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A empresa desenvolveu um projeto para que os agricultores saíssem da produção de subsistência e passassem a vender para o comércio local. O agricultor Francisco da Silva Pimentel vivia da pesca em sua casa sem banheiros na beira do Amazonas. Hoje, possui 52 canteiros e vende para os supermercados da cidade. “Comprei duas motos com o dinheiro das hortas”, contou Pimentel.
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A Alcoa instalou um centro comunitário na cidade para ouvir todo o tipo de críticas e demandas, desde reclamações de suas obras até pedidos de reforma em banheiros públicos. “É uma espécie de ouvidoria”, explicou Brício Lima, superintendente de Relações Comunitárias da empresa. Um dos pontos importantes, avalia, foi a construção de um Fórum. “Ter justiça é melhor do que ter polícia. A caneta do juiz dá autoridade e tira o sentimento de impunidade.”
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Outro desafio é envolver a população nos debates em torno dos gastos. Juruti recebeu R$ 9 milhões em janeiro apenas referentes ao ISS. Em 2008, foram R$ 48 milhões, quantia monstruosa para a cidade, que antes recebia R$ 200 mil por ano referentes ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
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A Alcoa pagou sozinha R$ 25 milhões em compensações ambientais e quer que a comunidade se envolva nos debates em torno da destinação desses valores. Mas esse valor não chegou à cidade porque ela não possui uma unidade de conservação em Juruti, e ele foi remetido para os corredores da Calha Norte e do rio Tapajós.
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Montantes muito maiores podem chegar à região. A Alcoa já investiu US$ 2 bilhões na região, mas ainda não pagou royalties, pois não iniciou as operações da mina. A empresa gostaria de pagar diretamente à comunidade, mas a lei não permite. Os pagamentos deverão ser feitos ao governo federal e caberá ao Incra administrar seu destino. “Estamos negociando com o Incra para fazer o pagamento diretamente aos comunitários, mas é preciso formalizar isso em lei ou decreto”, explicou Tiniti.
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Apenas a título de royalties, a Alcoa vai pagar 1,5% sobre o valor do produto. A companhia também terá de depositar a Compensação Financeira pela Extração Mineral (CFEM) – 3% do faturamento bruto. Deste total, 65% irá para o município, 23% para o Estado e 12% para a União.
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A empresa também terá de pagar uma compensação pelo uso da terra. A Alcoa fará mineração em 6 mil hectares dentro do Juruti Velho, área de 109 mil hectares. Lá, a empresa vai retirar 150 mil toneladas de bauxita por ano. Ou seja, vai demorar 20 anos para esgotar o minério. Como a área de exploração da empresa é de 18 mil, a Alcoa calcula que ficará por 60 a 70 anos em Juruti.
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A empresa organizou centenas de reuniões com a comunidade e as autoridades até obter o aval para a exploração de bauxita. A tarefa não foi fácil. O Ministério Público do Pará pediu o cancelamento da licença à Alcoa, alegando que existem castanheiras na região e que o apito do trem prejudicaria a reprodução das aves. Foram impostas mais de 50 condições para a instalação da mina e cada uma delas é monitorada pela Alcoa, de um lado, e Ministério Público, de outro.
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A empresa contratou o Ibope para fazer uma pesquisa a respeito da aceitação ou não de seu projeto e o instituto constatou, em 2008, que 89% da população local era favorável ao empreendimento. Mesmo assim, um grupo descontente bloqueou a rodovia construída pela Alcoa, em fevereiro passado, por uma semana. A Associação das Comunidades do Juruti Velho (Acojuv), ligada à Via Campesina, se opõe à presença da companhia por motivos ideológicos e se nega a participar das reuniões. (JB)
Juliano Basile / Valor