Em energia, Brasil faz de conta
06/07/07
A proliferação de autogeradores mostrou que o custo de uma hidroelétrica era 60% mais barato do que mostrava o governo. Duas preocupações dilapidam de novo os ânimos da cadeia produtiva brasileira: a elevação dos preços finais dos insumos energéticos e o risco crescente de sua falta. Uma terceira ameaça, diante das duas primeiras, permanece ao largo, qual seja: a queda na qualidade da energia fornecida ao mercado. Na área de livre contratação ou mercado livre, hoje se processam mais de 20% das transações com energia elétrica, sendo liquidadas na Câmara de Compensação de Energia Elétrica (CCEE). Em curto prazo, os consumidores e autoprodutores ali matriculados enxergam uma descontratação da ordem de 1GW. Motivo: falta de oferta. Em médio prazo, como apurou a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais e Consumidores Livres de Energia (Abrace), nada menos do que 3,5 GW estarão descontratados. São números assustadores. A verdade é que a maioria dos consumidores da CCEE mantinha contratos iguais ou acima de cinco anos (pelo menos de dois anos). Vale dizer, não são especuladores, não praticam os temíveis games que a imaginação socialista atribui ao capital produtor de ativos reais. É óbvio que um fabricante de metais ferrosos ou não ferrosos, de papel e celulose, de químicos e petroquímicos, alimentos e têxteis jamais firma contratos de venda de seus produtos lastreados em energia elétrica cotada no preço spot (PLD), porque seria inadmissível ao mínimo preceito de gestão. Os consumidores livres e autogeradores tendem, num cenário saudável, a ocupar 35% do total do mercado de kWh no Brasil. E não é muito. Na União Européia, como apurou o renomado escritório Andrade&Canellas, todo o universo de consumidores é elegível (opção de se tornar livre). Vale lembrar que a área de livre contratação no modelo elétrico do Brasil se deve: 1) à governabilidade, porquanto, só os livres mostram ao governo o sinal real de preços no mercado. Foi a proliferação de autogeradores de energia que demonstrou ao País que o custo efetivo de uma usina hidroelétrica era cerca de 60% mais barato do que apresentavam os planejamentos oficiais estatais; e, 2) à busca da competitividade da cadeia produtiva brasileira, no mapa global, que dispensa a inútil intermediação das distribuidoras (este fato, se o Brasil tiver juízo, se repetirá em relação às distribuidoras de gás encanado). Neste quadro, governo e consumidores devem somar forças para encontrar um meio de repor e acrescentar energia elétrica no mercado livre, antes do colapso que se avizinha. Além do dever de evitar o retorno a um passado pernicioso, no qual todos eram cativos das distribuidoras e tratados por elas como um mal necessário, o Governo Federal percebeu que o crescimento do setor industrial requer muita energia nova neste quintal da CCEE. Basta lembrar o alerta da Companhia Vale do Rio Doce sobre seus investimentos refreados por aqui, depois de 2012, se providências não forem adotadas. As grandes empresas assistem seus projetos de usinas hidroelétricas dissolvidos por ambientalistas xiitas, que empurram o Brasil para a nucleo- eletricidade, carvão, diesel e óleo combustível. Portanto, os empreendedores enxergam à frente uma energia impagavelmente cara e poluente. E, como diz o jargão: “desgraça pouca é bobagem”. Os participantes da categoria consumo engolem, desde já, uma inexplicável volatilidade adversa de preços na CCEE, imediatamente depois de um verão chuvoso, que lotou os reservatórios hidroelétricos e assegurou boa energia afluente pelo biênio 2007/2008. Como registrou a equipe técnica da Abrace, não há qualquer alteração de ordem estrutural que justifique um aumento de R$ 56 para R$ 170/ MWh no preço marginal de operação na CCEE, determinados por um programa de computação conhecido como Newave, convalidado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A sazonal estiagem do inverno isoladamente não justifica isso, tampouco a correlação de afluências de águas e seus efeitos sobre o futuro. A gravidade do fato está sendo investigada pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) e pelo Cepel/Eletrobrás. Outro quesito é a gritante diferença do PLD (preço de liquidação diária > spot), entre a Região Sul e as demais. Sobre isso, a CCEE indica que a Região Sudeste esteve recebendo energia com esse reflexo. Vale lembrar que o Norte estava vertendo água por excesso. Por sua vez, o Cepel defende a ausência de falhas no Newave. O tumor cresce e o setor elétrico age como se fosse uma febre sem maior gravidade. Parece o Senado Federal e sua incapacidade de erradicar seus males. Esse manejo do faz-de-conta, pelo menos na literatura, nunca acabou bem.
DCI – Opinião