E se não houver metais suficientes?
27/07/07
Depois dos projetos de transposição de águas do Rio São Francisco e de mega-hidrelétricas na Amazônia, começam a surgir notícias de qual será o novo front de lutas para viabilizar projetos que contribuam para o modelo de crescimento econômico a qualquer custo, descuidado de outras possibilidades e de limites ambientais, sociais e mesmo da disponibilidade de recursos e serviços naturais. É o setor mineral, com o projeto de lei que o governo federal, segundo os jornais, enviará ao Congresso, para liberar a exploração de minérios em áreas indígenas. O Instituto Brasileiro de Mineração prevê (O Globo, 24/6) investimentos de US$ 28 bilhões até 2011, se novas áreas forem liberadas para 4.821 pedidos de pesquisa e lavra já feitos por empresas, principalmente as gigantes dos setores da mineração e da construção. Nesses números se incluem os projetos de 317 empresas para 123 áreas indígenas, segundo o Instituto SocioAmbiental. É mais uma área em que deveríamos estar atentos à velha questão tantas vezes já comentada aqui: senhor de apreciável parcela do fator escasso no mundo – recursos naturais, que já estamos consumindo no mundo além da capacidade de reposição do planeta -, o Brasil deveria construir uma estratégia de valorização desses recursos, em lugar de simplesmente se empenhar em aumentar suas exportações, sem influir na formação de preços. E nesta área dos minérios vêm agora algumas advertências dramáticas, às quais não podemos ficar surdos. Em maio último, a revista New Scientist publicou estudo impressionante, mostrando que em pouco tempo se esgotarão as reservas conhecidas de vários dos minérios mais utilizados no mundo, inclusive em setores estratégicos. E se os países ?em desenvolvimento? atingirem 50% do nível de consumo dos Estados Unidos, a situação poderá ser dramática para muitas das tecnologias hoje em uso, como a dos telefones celulares, dos chips de computadores, dos bulbos fluorescentes, catalisadores de veículos – e até mesmo as células de combustível, consideradas uma das grandes esperanças para reduzir a emissão de poluentes por veículos. Os catalisadores de veículos e as células de combustível, por exemplo, dependem de platina. Mas esta poderá estar esgotada em 15 anos, se todas as centenas de milhões de veículos no mundo as utilizarem. O índio, usado em celulares, poderá esgotar-se em tempo ainda menor, 5 a 10 anos, assim como o háfnio (usado em chips de computadores) e o térbio (bulbos). O tântalo, também usado em celulares, pode durar só de 20 a 30 anos. O antimônio, 10 anos. Zinco, cobre, níquel e fósforo, utilizados em fertilizantes, poderão esgotar-se em futuro não muito distante. Essas perspectivas já estão tendo forte influência na formação de preços. O índio, por exemplo, em três anos, multiplicou por quase 20 seu valor. A escassez conhecida e prevista desses recursos já tem provocado guerras, segundo os Proceedings of the National Academy of Sciences (vol. 103, pág. 1.209). Como a que matou milhões de pessoas na República Democrática do Congo, em disputa de vários serviços e recursos naturais, entre eles o tântalo, nas maiores jazidas da África. É nesse continente que a China está investindo pesado, para assegurar o fornecimento de minérios indispensáveis a seu modelo de alto crescimento econômico. Em compensação, exporta para os Estados Unidos grande parte dos metais raros que estes consomem. Segundo a New Scientist, o Brasil tem situação privilegiada em vários minérios: 8% do alumínio já identificado no mundo, 8% do háfnio, 6% do níquel, 48% do tântalo, 22% do estanho e 5% do urânio. O Chile tem 38% do cobre. O Peru, 6% do cobre, 5% do ouro, 7% da prata, 9% do estanho. O México, 7% da prata e 5% do zinco. Cada um dos continentes tem suas vantagens e suas deficiências. Um dos ângulos interessantes do estudo mostra o consumo direto e indireto do norte-americano médio ao longo de seu tempo provável de vida (77,8 anos): considerados todos os usos no país, são 1576 toneladas de alumínio, 630 quilos de cobre, 410 quilos de chumbo, 349 de zinco, 131 de cromo, 58,4 de níquel, 15 de estanho, 7,13 de antimônio, 5,95 de urânio, 1,58 de prata. E 180 gramas de tântalo, 48 de ouro, 45 de platina, 32 de índio, 5 de gálio, 4 de ródio. A reciclagem ameniza um pouco a situação na área do chumbo (72% do consumo), do alumínio (49%), do ouro (43%), do níquel (35%), do cobre (31%), do germânio (35%), do estanho (26%), do zinco (26%) e do cromo (25%). Em contrapartida, é zero no urânio, na platina, no gálio, no índio.Já há cientistas empenhados em viabilizar métodos de recolher, por exemplo, minipartículas de platina que se desprendem dos catalisadores de veículos e se espalham pelas ruas e rodovias. Em outros lugares se começa a substituir, nas cidades, os velhos encanamentos de cobre por outros de plástico (o cobre deve esgotar-se até o fim do século). E será preciso criar novas tecnologias para substituir as que se inviabilizarem pela escassez de materiais. Parece claro, entretanto, que não haverá como estender a todo o mundo o padrão de consumo desses recursos hoje vigente nos Estados Unidos, na Europa, no Japão. Como já foi observado em relatórios como Planeta Vivo 2006 (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), o consumo no mundo já está mais de 20% além da capacidade de reposição da biosfera terrestre. E, como mostrou o biólogo Edward Wilson, se o produto bruto mundial crescesse 3,5% ao ano até 2050, chegaria a quase US$ 160 trilhões anuais – mas não há recursos nem serviços naturais capazes de sustentar esse crescimento. Chega-se sempre ao mesmo lugar: nossos modos insustentáveis de viver terão de ser repensados, recriados. Washington Novaes é jornalistaE-mail: wlrnovaes@uol.com.br
O Estado de S.Paulo